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Especial: a real da maconha na Califórnia (3 de 4)

Por
Eloa Orazem
Em
9 setembro, 2016

Em Alto Paraíso, Goiás, acontece um movimento migratório todo mês de outubro, quando alguns valentes da pequena comunidade viajam à Los Angeles para trabalhar nas fazendas de maconha da cidade. O primeiro a descobrir o negócio foi um artista que por dois anos viveu ilegalmente no país. Começou trabalhando como garçom, em San Diego, e foi surfando as ondas do destino até descobrir o mapa da mina. O rapaz, que pede para não ser identificado, é um dos muitos imigrantes escalados para cortar a planta. O trabalho é tedioso e repetitivo, mas pode compensar financeiramente quem se dedica ao ofício. Nosso representante brasileiro nesta atividade ilegal garante que chega a faturar até US$ 6 mil por mês, trabalhando de segunda a segunda, em tempo quase integral.

Clique aqui para ler a primeira parte desta reportagem

Essas fazendas ficam, geralmente, em povoados pequenos, escondidas entra as montanhas, a cerca de duas ou três horas da capital. Quase ninguém sabe o endereço desses grandes produtores de maconha – e quem sabe se recusa a compartilhar. Nosso informante foi um deles. Outros dois rapazes que se mostraram dispostos a colaborar mudaram de ideia de última hora, e nos desencorajaram a tentar desbravar as montanhas por conta própria.

Um rapaz chamado Derek publicou em seu blog theholidaze (e cujas imagens ilustram esse post) sua suposta aventura trabalhando na colheita de uma dessas grandes fazendas. Segundo ele, os funcionários muitas vezes têm os olhos vendados e poucos aguentam o tédio e repetição da tarefa de cortar a erva. Boa parte da equipe é composta pela população local e, pelo próprio interesse econômico e financeiro, os moradores são extremamente discretos quanto às diretrizes dessas fazendas, que fogem dos mapas.

Clique aqui para ler a segunda parte desta reportagem

Ainda de acordo com o blogueiro, a prática era mais bem remunerada cerca de dois ou três anos atrás, mas o volume de imigrantes interessados deixou a mão de obra mais barata. Nosso artista brasileiro já está com a passagem comprada para seu trabalho temporário anual, que lhe garante sustento por fartos meses em terras nacionais. Alguns amigos pegam carona na aventura e na bonança, sem medo do que lhes pode acontecer caso sejam pegos.

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theholidaze.com

À queima-roupa
Graças à indicação de uma instrutora de ioga de 62 anos – economicamente privilegiada, é preciso frisar – conseguimos acesso a uma produtora “boutique”. Antes de abrir a porta de sua pequena plantação, Mac faz uma série de perguntas e pede para que não seja divulgado o seu sobrenome e nem o nome de sua collective.

Já na casa dos 65 anos, Mac atende apenas pacientes indicados por médicos locais, e é preciso marcar horário. Protegida por três rottweiler que assustam – mas não mordem –, a casa do americano fica ao lado de uma espécie de guest house, onde toda a tramitação acontece. Sento ao balcão e Mac oferece uma bebida enquanto os cachorros se jogam aos nossos pés. Nada está à mostra até então.

Mac conta que começou a plantar maconha porque a mãe foi acometida por um câncer e nada parecia ajudá-la senão a erva. Depois, um acidente de moto lhe presenteou com um pé torcido e as dores também só melhoravam graças à planta. Para agradecer toda a atenção do médico da família, Mac levou um bocado de sua produção caseira até o doutor, que, digamos, virou fã da boa qualidade do produto.

Outros pacientes com reais necessidades médicas passaram a contar com o serviço do americano, que contratou um advogado para regularizar sua situação. Depois de toda a papelada pronta, o condado de Westlake, onde reside, proibiu o comércio de maconha em sua área, mas Mac continuou com seu negócio, que sempre existiu na base da discrição e do boca-a-boca. “Se percebo que alguém vem aqui para comprar maconha por pura diversão, eu desencorajo, sei que é uma planta milagrosa e muita gente precisa. Tenho quatro pacientes na casa dos 90 anos, uns vinte na casa dos 80 anos e mais de cinquenta entre 60 e 70 anos de idade. No total, devo ter aproximadamente uns duzentos clientes, mas poderia ter facilmente dois mil, se quisesse.

Prefiro continuar pequeno assim, para dar continuidade ao atendimento personalizado e para não ter dores de cabeça com a polícia e com a justiça. Se percebo que alguém quer abalar a minha paz ou não entende a filosofia do meu collective, eu simplesmente proíbo a volta desse membro e não atendo mais suas ligações”, explica.

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theholidaze.com

Apesar de defender o caráter legal e médico de seu negócio, vi, enquanto esperava do lado de fora do portão, um motoqueiro sessentão em plena forma desfilar um sorriso por baixo de seu bigode enquanto deixava sua consulta – e ele parecia estar com a saúde em dia, como a instrutora de ioga que nos indicou, e que compra grandes quantidades para fins recreativos.

Terminado o drink e ganhada a confiança do dono da casa, ele nos guia por uma sala onde seus quadros e pinturas começavam a ganhar forma e, mais ao fundo, a porta do banheiro fazia as vezes de toca do coelho. Lá dentro, luzes especiais iluminam dia e noite dezenas de mudas. Uma outra porta ao lado da pia nos leva até a estufa, onde plantas adultas já esperam a colheita, marcada para começar na terça-feira seguinte. Mac leva uma semana para cortar as ervas e, para isso, conta com ajuda de um rapaz de confiança e de alguns membros, que aceitam maconha como pagamento – e tudo bem se for um vidro de óleo ou um brownie feito a partir de uma receita familiar. Também ali os clientes podem escolher diferentes opções de misturas, como a de limão, encontrada na movimentada loja de Venice. A diferença é que a de Mac tem um cheiro realmente fresco.

Sem dizer valores, o americano garante que o negócio dá algum lucro, mas que todo seu patrimônio vem dos outros negócios, como a empresa de próteses ortopédicas que vendeu para uma gigante farmacêutica.

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