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De lhamas empalhadas à cura do câncer, a maior feira do mundo fica na Bolívia

Por
Ricardo Moreno
Em
1 março, 2016

A cura do câncer. Um bebê lhama – vivo ou empalhado. Uma nova mesa de sinuca. Pneus para trator. O próprio trator. Bicicletas chinesas e motos coreanas. Livros usados. Roupas novas. Relógios Casio originais e TVs Panasonic falsificadas. Ou vice-versa. A cura para a pressão alta. Para o diabetes. E para a insônia.

Na feira 16 de Julio, na Bolívia, você encontra de tudo. Menos oxigênio. Considerada o maior mercado a céu aberto do planeta, ela está localizada em El Alto, na região metropolitana de La Paz, a cerca de 4 mil metros de altitude. Fica num sulco no meio da impressionante Cordilheira dos Andes. O visual ao redor é de dar vertigem. No horizonte vê-se montanhas nevadas como o Illimani com seus mais de 6 mil metros de altura. Abaixo, como num precipício lunar, a cidade de La Paz. Ali, a quantidade de oxigênio na atmosfera é cerca de 40% menor do que no nível do mar. Ou seja, respirar é, literalmente, um sufoco.

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El Alto quintuplicou de tamanho em três décadas. Em 1985 era uma favela com pouco mais de 200 mil habitantes. Hoje sua população gira em torno de 1 milhão, ultrapassando a de La Paz. Boa parte de seus moradores é da etnia aymara, o principal grupo indígena do país. Desde 1988 El Alto tem seu próprio governo, ainda que muitos censos tenham dificuldade ou simplesmente deem as costas na contagem de seus habitantes e crescente economia – boa parte proveniente da movimentação financeira de própria feira, que opera sem nenhuma intervenção fiscal ou regulatória do governo.

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Vencido o mal-estar, desvendar a labiríntica 16 de Julio, ou simplesmente Feira de El Alto, pode render uma passeio e tanto. E aqui o adjetivo labiríntico não é uma forma de expressão. Uma vez por seus corredores, não espere conseguir sair com facilidade. São mais de 10.000 barracas espalhadas por cerca de 10 quilômetros de ruas. Não há placas de orientação ou entradas e saídas sinalizadas. Entra-se e sai quando se encontra uma brecha. As lonas das barracas de um lado da rua juntam-se às lonas do outro lado, formando um túnel que faz a sensação térmica do lugar pular alguns graus.

A higiene das vias é bastante precária, e em dias de chuva percorrer uma única quadra poder se transformar num selvagem desafio devido a mistura de lama, restos de comida, lixo e dejetos de animais.

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Apesar do caos, no entanto, a feira, que ocorre todas os domingos e quintas, tem um método de organização muito particular. Há seções dedicadas para cada tipo de produto. Quadras inteiras com barracas comercializando absolutamente tudo para os interessados por bilhar, por exemplo: bolas, mesas, forro, gizes, tacos, quadros negros… Alguns metros a frente, o setor pode mudar para, digamos, aviamentos. E aí você encontrará todo e qualquer tipo de botão, agulha, linha de costura, e por aí em diante. Alguns passos a frente e começa a seção de animais: bichos de pequeno e médio porte como cabritos, periquitos, cachorros, lhamas, alpacas e pôneis, vivos e empalhados, passeiam (no caso dos vivos, naturalmente) ou são expostos, com orgulho, por vendedoras vestindo suas indumentárias feitas de aguayo, aqueles típicos panos coloridos típicos do altiplano boliviano e peruano.

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Há a seção de bicicletas, de carros novos e usados (muitos roubados), de tratores, de roupas, de brinquedos, de produtos para a cozinha e até de casas pré-fabricadas. Há também restaurantes sobre tendas de plástico vendendo comidas típicas como chicharrón, majao e fricasé de cerdo. Uma área, no entanto, chama ainda mais a atenção: são as de medicamentos. Naturais ou de grandes farmacêuticas, originais ou falsificados (veja bem: aqui tudo por ser original ou falso), há de tudo. De tarjas pretas conhecidos contra a ansiedade, a folhas ditas milagrosas capazes de curar câncer, insônia, alcoolismo e amor mal resolvido. Acredita quem quer.

Foto da abertura: facebook.com/danpeople

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