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Morena Cardoso dança para resgatar a sabedoria ancestral feminina

Por
Fabiana Corrêa
Em
20 junho, 2018

Por meio de sua terapia em movimento, Morena Cardoso faz milhares de mulheres dançarem em diversas partes do mundo

Morena Cardoso vive numa bolha. Não no tipo de bolha em que pensamos quando alguém se refere à gente privilegiada, que não enxerga o mundo além de si. Uma bolha criativa e natural, formada durante suas andanças pelo mundo, suas divagações, seus dias de meditação, seus muitos workshops e retiros espirituais em que reúne mulheres para curar medos, inseguranças e feridas emocionais por meio da dança. “Sei pouco do que está acontecendo do mundo lá fora, não vejo TV, não estou particularmente interessada nos pequenos dramas cotidianos”, diz Morena. Mas isso não tem nada a ver com desinteresse pela humanidade. Em seu trabalho, o que Morena quer é entender o que dói no fundo da alma feminina, trazer para dentro dessa bolha milhares de mulheres e curar seus medos, inseguranças, traumas (se você é homem, não se preocupe, pode acessar o sagrado feminino em você. Calma). “Nos entupimos com alimentos tóxicos, relações tóxicas, trabalhos tóxicos. Mas podemos nos libertar disso.”

O workshop de Morena durante o encontro Spirit Weavers, nos Estados Unidos | Foto:Leslie Satterfield

E foi para curar essas dores que criou o DanzaMedicina, uma espécie de terapia do movimento que usa dança e rituais sagrados ancestrais para acessar traumas profundos e transformá-los. A ideia atrai centenas de mulheres todo ano seja em Jericoacoara (CE), no Oregon, EUA, ou via web, nos cursos online que começou recentemente. “Eu não queria ficar na frente do computador muito tempo, mas hoje tenho uma equipe para me ajudar a organizar e fui ficando um pouco mais esperta nessa história de business”, conta ela, que se define como terapeuta e visionária.

Em 2017, foram 1.000 participantes ao todo em seus cursos, retiros e workshops. Há 30.000 cadastradas em sua mandala da lua, um calendário para que as mulheres acompanhem e celebrem seu ciclo menstrual, disponível em seu site. Ao todo, sua comunidade de seguidoras e participantes online reúne quase 50.000 mulheres. Nesse ano, a agenda inclui trabalhos na Amazônia, já esgotado, e no Peru. E Morena ministra ainda um workshop no Festival Ilumina, que acontece na Chapada dos Veadeiros entre os dias 6 e 8 de julho, e terá abertura do guru Sri Prem Baba e música de Vanessa da Mata e Mariene de Castro.

Retiro do DanzaMedizina na Bahia | Foto: Ana Fiedler

Quando ela fala de “business”, está falando de extremos. Recentemente, começou a ser criticada via redes sociais por conta dos preços de seus retiros ou cursos. “Começaram a me atacar por algo que eu aprendi com muito custo a fazer: cobrar pelo meu trabalho”, diz ela. Até 2015, antes de criar o DanzaMedicina, Morena vivia de contribuições voluntárias. “Viajava o mundo dando aulas, me oferecendo para fazer massagem e terapias e, ao final, pedia que as pessoas deixassem algo para manter a mim e ao meu filho. Muitas vezes, era um valor bom, mas às vezes eram R$ 10”, lembra.

Essas aulas rolavam na casa de amigos, em uma escola de ioga ou onde quer que Morena conseguisse um espaço. Super mambembe. Mas ela virou a chave quando foi dar um de seus primeiros workshops de DanzaMedicina, em um encontro de mulheres, nos Estados Unidos, unindo dez anos de estudos de terapias e ancestralidade. Uma coach que estava lá questionou sua relação com dinheiro. “Por que você não cobra por seu trabalho?”, ouviu. E mal entendeu do que se tratava. “Eu ganhava o suficiente para mim e para sustentar meu filho, mas vivíamos de um jeito muito, muito simples. Eu achava que não precisava de mais ou que não iriam me pagar. Era só para sobreviver mesmo”.

Um dos primeiros workshops, na Romênia | Foto: Instagram @danzamedicina

Depois de 10 dias ao lado dessa coach, repensando seu valor e o papel do dinheiro, Morena voltou para o Brasil e, já no primeiro ano de trabalho fez workshops em 10 estados diferentes por 5 meses. “Passaram a me convidar para dar os cursos, foi meio mágico”, diz. A transformação a trouxe onde está hoje: em uma casa bonita de madeira e tijolos aparentes no alto de uma montanha em Garopaba, Santa Catarina, cercada de natureza, em que se dá ao luxo de não usar Whatsapp e viver em seu próprio ritmo, viajando o mundo todo e levando junto sua DanzaMedicina. E com uma equipe que a ajuda a transformar seu trabalho em festivais, viagens, cursos online. “Acordo, tomo meu suco verde, faço minha ioga, toco meu tambor. Quando as pessoas me contam sobre seu cotidiano, às vezes parece loucura, eu descubro que realmente moro em uma bolha”, brinca. Na verdade, Morena já viveu assim e sentiu essa rotina dura na pele – e essa é uma das motivações de seu trabalho. “Pegava ônibus lotado 5h da manhã para ir para a faculdade e emendava com trabalho. Hoje consegui criar um novo caminho, mais perto da minha natureza, e quero apoiar outras mulheres a encontrarem os seus.”

Na SPFW, durante desfile da estilista Paula Raia | Foto: Instagram @danzamedicina

No ano passado, sua DanzaMedicina esteve no filme e ensaio fotográfico que a estilista Paula Raia, uma de suas alunas, fez para a revista Vogue com outras oito mulheres, com o tema do Sagrado Feminino. Depois disso, palestrou no programa de mulheres organizado pela coach Ana Raia, irmã de Paula, que atende famosas com seu aconselhamento na busca por uma vida com mais propósito. E, nesse mês, foi uma das palestrantes do programa de imersão para mulheres do Redbull Amaphiko, projeto que incentiva o empreendedorismo social.

De onde está, Morena também pode incluir mulheres sem recursos em suas aulas: 20% das alunas de seu último curso online, ou 85 mulheres, têm registro no Cadastro Único do governo (ou suas filhas). Ou seja, têm comprovadamente uma baixa renda e não poderiam bancar o programa. E ela ainda participa do projeto Íntimo Colorido, que dá apoio e cuidados psicológicos a mulheres em situação de vulnerabilidade.

Duante a Jornada Sagrada, workshop no Peru | Foto: Instagram @danzamedicina

Mas não foram só os 10 dias nos Estados Unidos que mudaram sua vida. A transformação começou muito antes quando, aos 15 anos, ganhou da mãe uma passagem para a Califórnia. “Não éramos uma família abastada. Então ela me disse que seria a primeira e última viagem que me daria, para que eu pegasse gosto pela coisa”, conta. A partir daí, Morena passou a trabalhar para pagar a próxima passagem. Entrou na faculdade de hotelaria e começou por aqui uma carreira promissora, buscando estágios ao redor do mundo. Seu segundo insight veio em um deles, em um hotel de luxo nas montanhas de Vosges, na França. Foi lá que, rodeada por uma floresta silenciosa, descobriu que seu lugar era junto da natureza – e não de tailleur e salto alto no lobby de um hotel. “Eu estava feliz pela oportunidade, mas trabalhava como louca. Na floresta, relembrei quem eu era”, diz. Depois de um passeio entre as árvores, voltou para o hotel e pediu demissão. Seu contrato mandava que ficasse, no entanto – e a gerente não abriu mão. “Não me deixaram sair, então fiz uma mochila com poucas roupas, livros, vinhos, e desci 5km às 4h da manhã até a rodoviária, à pé. Senti um alívio e uma sensação de entrega, de estar fazendo, pela primeira vez, o que eu devia estar fazendo de fato, de romper com algo maior”.

A dança curativa em um workshop na Bahia | Foto: Ana Fiedler

Quando o ônibus chegou em Paris, Morena entendeu que havia uma nova maneira de viver. Fez um retiro Vipásana em que meditava 13h diárias durante 10 dias, comendo muito pouco e falando absolutamente nada. “Foi outra transformação. Como se a cada passo, minhas crenças antigas fossem caindo”, lembra. Ao sair do retiro, iria mochilar pela Europa antes de retomar a carreira no Brasil. No meio do caminho, pegou os 500 euros economizados para um computador e comprou uma flauta. Desistiu do mochilão europeu e foi para a Índia com um amigo. Acabou em um trekking no Nepal, o Anapurna 2, sem barraca ou lanterna e com duas mudas de roupa na mala. “O amigo ficou doente e, quando me vi, estava a 5.000 de altitude, pedindo abrigo com linguagem de sinais na casa dos camponeses. Mas aprendi demais”.

A partir daí, passou a estudar os saberes ancestrais e as medicinas de povos antigos. Foi encontrar-se com abuelas curandeiras como Dona Flor, a parteira tradicional da Chapada dos Veadeiros, Dona Francisquinha, cabocla da Amazônia que faz cura pelas ervas. Estudou parto com a parteira mexicana Naoli Vinaver. No Warmi Tinkuy, o encontro de avós andinas no Peru, no qual faz também seu workshop esse ano, aprofundou-se nos estudos sobre o ciclo lunar. E ainda faz parte da Danza de la Luna, que acontece no México, pela tradição do Caminho Vermelho, ligada ao xamanismo.

Todas essas experiências, incluindo relacionamentos abusivos pelos quais passou – um deles até com agressões físicas -, levaram Morena a pensar em algo que libertasse as mulheres de seus medos, dores, traumas, sentimentos de impotência. “Recupere sua essência feminina selvagem, remova suas máscaras, enfrente seus medos, abraça tuas sombras”, é o lema de seu trabalho, super antenado com as necessidades femininas de nosso tempo, afastadas que estamos do que é natural e intuitivo. “Elas chegam cheias de medos, sem saber quem são, em uma desconexão com o próprio corpo e com suas emoções. E saem sem se importar com a opinião das pessoas. Se amam mais e melhor.”

Foto: Luana Ferreira Moura

@danzamedicina

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