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A vida depois dos 60: Alzira E, a Patti Smith brasileira, e a constante busca pelo lado solar da vida de artista

Por
Lilian Kaori Hamatsu
Em
6 maio, 2020
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Aos 17 anos, a cantora e compositora trocou as aulas de engenharia eletrônica pela guitarra e pelo artesanato, Mato Grosso do Sul por São Paulo, e o sobrenome Espíndola por somente E: não queria ser confundida com a irmã famosa, Tetê

Forasteira em sua própria terra, Alzira E abandonou as goiabeiras e os brejos do interior sul-mato-grossense aos 17 anos. Grávida da primeira filha, desistiu de ser engenheira eletrônica e desembarcou em São Paulo com o profundo desejo de viver de música. “Eu não vim pra São Paulo com a bandeira do Mato Grosso do Sul. Por não estar lá, até o Mato Grosso [do Sul] me abandonou. E eu também não sou daqui, minha música transita por várias raízes, mas nunca pertenci”.

Caçula em uma família grande e musical, aprendeu a tocar violão com os irmãos e gostar de Carmen Miranda e Cartola com a mãe. Sem televisão em casa, aproveitava o tempo livre para montar espetáculos de circo faz-de-conta e visitar amigos na intenção de ouvir as inéditas canções dos Beatles e do Led Zeppelin. Jovem, hippie e aspirante a artista na Campo Grande da década de 70, queria mesmo vender seu artesanato e fazer música sem ser identificada como filha de fulano e irmã de ciclano.

Fotos: Marina Thomé/Divulgação

De lá para cá, Alzira enfrentou o machismo, os abusos das gravadoras e as inúmeras ocasiões em que foi confundida com a irmã Tetê Espíndola. “Nos anos 1980, ser artista era visto como ser vagabunda, namoradeira e divorciada. Isso não é ser artista, isso é a vida de todo mundo. Não faltava um cretino pra te passar a mão em um camarim ou coxia de televisão. Nem cogitavam que eu pudesse gostar de mulher, era meio que estabelecido que para chegar em algum lugar você tivesse que se submeter. Muita gente se aproximava de mim pra ter o contato da Tetê. Somos irmãs, amigas, mas não somos a mesma pessoa. Além de não ser nada, nem ninguém, ainda tinha que dizer que não era a outra”.

Em 2007, a cantora trocou o sobrenome Espíndola pelo pseudônimo Alzira E, para evitar ser confundida com os irmãos e usar a vogal “E” como expressão da sua vontade de estar sempre ao lado de algum amigo ou familiar também nos palcos. “Tive a confirmação que deveria mudar no terreiro de candomblé, jogando búzios. A Mãe de Santo disse: nunca coloque ponto porque isso indica final”. Hoje, comemora a conquista de seu verdadeiro espaço e celebra a notoriedade que artistas independentes vêm ganhando na música brasileira.

Aos 62: maternidade, minimalismo e autoaceitação

Embora a música já pairasse sobre Alzira por influência da família, a escolha profissional veio também para proporcionar aos filhos uma proximidade: “eu podia levar eles comigo, ficar mais com eles, outros empregos não me dariam isso”. Mãe de cinco, teve a oportunidade de educá-los para que não aceitassem ou repetissem situações de violência e traições ideológicas pelas quais ela mesma foi submetida durante a juventude. “Eu cheguei a ser uma pessoa dominada. Sendo mulher, solteira, jovem e mãe de quatro [o mais novo ainda não era nascido], caí em muitas armadilhas. Os jovens machistas que conheci pelo caminho são hoje senhores machistas. Estou sozinha porque ninguém me engana mais e eu só vou fazer o que quero. Sou vista como bruxa porque tenho minhas regalias, não aceito subordinação”.

Aos 62, a cantora acredita em um estilo de vida minimalista: “existe uma falsa ideia de segurança para quem trabalha em algo muito formal e possui diploma. Isso é ideologia de política consumista, que diz que você tem que ter aquilo ou outro. Acho que me opor a isso está me fazendo envelhecer melhor, assumindo meu próprio poder. Aconselho a todos o desapego, viver com o seu máximo do mínimo. Cada dia sou mais esquerdista porque estou vendo o que vale a pena na vida e o que não vale acumular. Riqueza não faz sentido, as pessoas se tornam escravas do que têm”. Alzira também reforça a importância da aceitação da própria idade: “estar ativa pra mim significa fazer o que gosto, tomar minhas decisões e o dia em que eu não conseguir mais, vou pedir a algum filho: olha, agora você vai decidir por mim. Machuquei meu pé e já estou há 3 semanas assim, fica mais difícil de curar. Toco muito menos violão hoje por causa da tendinite, mas quando toco é pra valer. Tenho compaixão com o meu sistema que ficou frágil e saber dessa condição torna as coisas mais leves. É tanta decadência nesses próximos 30 anos, mas você já viveu 60 e tem que estar bem com isso. Envelhecer não é coisa sua, é coisa da humanidade. A cultura dos aposentados é um equívoco”. 

E completa o raciocínio ao falar sobre relacionamentos mais maduros e livres: “a gente quer namorar e transar porque agora é que sabemos fazer isso e não nos perdemos nas ilusões impostas pela sociedade. A mulher pode ter a idade que for, mas a sexualidade funciona. Claro que vai começar a aparecer uns problemas, mas até um livro fica velho e cai a capa. Se você tá ficando velha, é porque você ainda não morreu”. 

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