People

A arquitetura ecoeficiente de Rafael Loschiavo quer deixar as cidades mais verdes

Por
Lilian Kaori Hamatsu
Em
16 agosto, 2019

Na sala de estar, sentado em um pufe com vista para o verde das árvores que circundam sua residência, Rafael Loschiavo lê, ouve música e estabelece uma conexão tão serena consigo mesmo que é capaz de blindá-lo dos descompassos da vida em São Paulo. Espécie rara, o arquiteto projeta no trabalho tudo de melhor que aprendeu com o mundo: independência e empoderamento para construir lares, gerar energia própria, plantar o que comer e semear um caminho avesso ao consumo desenfreado tão recorrente nos grandes centros urbanos. Criador da Ecoeficientes – escritório de arquitetura que também é portal educativo, consultoria e espaço físico dedicado ao exercício da sustentabilidade –, cofundador da empresa de hortas urbanas modulares Noocity, coautor do livro Atitudes Sustentáveis para Leigos [em parceria com a jornalista Rosana Jatobá] e palestrante, ele dá uma verdadeira aula sobre responsabilidade socioambiental e discorre sobre sol, água e futuro.

O criador e as criaturas

Nos últimos dois séculos, um padrão de consumo elevado fez com que o saber humano integrado à natureza se perdesse em grande escala. Com o trabalho de Rafael, o resgate aos elementos tradicionais integrados a avanços tecnológicos nos relembra que a arquitetura sempre foi voltada para a sustentabilidade.

Ver essa foto no Instagram

Uma publicação compartilhada por Tibá Rio (@tiba.rio) em

Você comentou que teve o privilégio de viver algumas experiências que mudaram o seu modo de pensar a arquitetura. Quais foram elas?

O período que passei na ecovila Tibá, no Rio de Janeiro, definitivamente me proporcionou muito conhecimento. E claro, a temporada que vivi em Barcelona, enquanto perseguia meu mestrado. Lá percebi que a arquitetura sustentável é um mercado gigantesco e bilionário. Por aqui ainda acham que é moda, mas o conhecimento está chegando. Quando se abrem portas, elas não se fecham.

Ver essa foto no Instagram

Uma publicação compartilhada por ecoeficientes (@ecoeficientes) em

Pode esclarecer o que exatamente constitui a Ecoeficientes?

Inicialmente escrevia artigos explicando um pouco sobre soluções e conceitos sustentáveis no site. Com a oportunidade de me relacionar com outras empresas, fundei o Ecobeco na Vila Madalena. É um espaço em que coloco produtos e profissionais à disposição do público nos fins de semana para esclarecer dúvidas em relação aos métodos aplicados na arquitetura ecoeficiente. Pouco tempo depois cocriei o Ecoporto, junto ao meu irmão Renato e meu amigo William Melilli, em Florianópolis, promovendo feiras, cursos e vivências por lá. Nesse meio tempo, também comecei a dar palestras em eventos, escrever manuais e até um livro [Atitudes Sustentáveis para Leigos]. Como escritório, prestamos consultoria e desenvolvemos projetos de casas, parques, condomínios e ecovilas. Somos um pequeno grupo de muitos ideais e hoje temos certeza que o trabalho é gratificante e não deve atrapalhar nosso estilo de vida, nem nos sobrecarregar. Queremos ver gente com brilho nos olhos ao ver sementes sendo plantadas.

Ver essa foto no Instagram

Uma publicação compartilhada por Noocity Urban Ecology (@noocity_urban_ecology) em

E as hortas urbanas da Noocity, como funcionam?

Identificamos três principais barreiras no cultivo individual em grandes centros urbanos: falta de espaço, tempo e conhecimento. A partir daí desenvolvemos um sistema de fácil montagem, que demora cerca de trinta minutos para ser implantado e não requer manutenção diária. Nossas hortas urbanas são basicamente módulos autoirrigáveis que dispensam cuidados por até três semanas. Há tamanhos a partir de trinta centímetros, que também podem ser verticais para instalação em ambientes pequenos.

O que te motiva a dar continuidade aos seus projetos?

De certa forma, a sociedade nos deixa até culpados de viver de uma forma mais livre e tranquila. Quando você começa a passar essa energia, ver que te ouvem e assimilam os aprendizados sobre preservação, responsabilidade social, vida coletiva, aí é que vale a pena. Quanto mais consigo fugir dos aspectos comerciais e me dedicar ao valor educacional da Ecoeficientes, tenho mais satisfação. Acredito que devemos trabalhar em conjunto porque isso faz a nossa vida melhor.

Soluções ecoeficientes

Ao identificar o prejuízo que a poluição, a falta de espaços coletivos e a vida acelerada nos causa, o arquiteto compreende que viver em prol da sustentabilidade é muito mais confortável, inteligente e saudável. Qualidade de vida, dentro do seu universo, é “cultivar plantas que crescem e morrem no mesmo lugar, completando ciclos”.

Dos pequenos aos grandes hábitos, o que podemos fazer para de fato construir um lar ecoeficiente?

Não gosto de definir uma casa como sustentável ou não. A sustentabilidade nada mais é do que deixarmos para as próximas gerações a mesma disponibilidade de recursos que tivemos no nosso desenvolvimento. Na Rio-92 [conferência das Nações Unidas sobre meio ambiente] foi definido o termo ecoeficiência para falar de soluções que poluem menos, usam menos energia, fomentam a educação e aproveitam a matéria de maneira mais efetiva. Dentro dessa lógica, existem seis categorias: água, integração de materiais reciclados na construção, arquitetura bioclimática, tratamento de resíduos, geração e economia de energia e vegetação. Em resumo, a intenção será sempre consumir menos e completar ciclos, ou seja, entender que tudo que é produzido dentro de casa deve se transformar em energia, calor, alimento ou água. Nosso consumo diário é tão importante quanto a construção em si. Por isso, devemos prestar atenção em como nos alimentamos, na poluição causada por sabonetes e outros produtos químicos na água e na forma como descartamos o lixo.

Ver essa foto no Instagram

Uma publicação compartilhada por ecoeficientes (@ecoeficientes) em

No caso de indivíduos que habitam edifícios já construídos ou moram em casas alugadas, o que pode ser feito?

Além do próprio comportamento de cada um, que citei anteriormente, existe uma lista de medidas pontuais. Entre elas, a redução no consumo de água pelo controle de descargas mal reguladas, a otimização de espaços com luz natural para economizar em energia elétrica, a compostagem de resíduos produzidos na cozinha que se transformam em fertilizante natural e a implantação de hortas em varandas que recebem esse descarte e ainda produzem alimento.

Sol, água e futuro

Mestre em Bioclimática, Loschiavo descreve o sol como “um reator nuclear gigantesco que fornece energia o tempo todo e nós sequer sabemos aproveitar completamente”. Já a água, em sua percepção, é “o elemento que trouxe vida ao planeta, que constitui todas as formas da natureza, nosso próprio corpo e expressão”. Ainda em suas palavras, “muitas vezes vemos a água como recurso, mas nós somos água e a combinação dessa força com o sol é que faz tudo surgir”.

Ver essa foto no Instagram

Uma publicação compartilhada por ecoeficientes (@ecoeficientes) em

Especialistas indicam que a água será um recurso tão valioso quanto o petróleo em 2050. Como podemos preservá-la hoje?

A partir do momento que você respeita a água, está cuidando de si mesmo. A água reflete nossa vida e o principal cuidado que devemos ter com ela é parar de poluir. Não é sobre tratar o rio, mas parar de jogar químicos nele. Plantas conseguem tratar água cinza gerada por produtos biodegradáveis, então não faz sentido usar xampu sintético. Para o esgoto, nem precisamos de água. Ela acaba sendo apenas um veículo no transporte de dejetos para fora de casa. Dá pra construir banheiros secos com compartimentos capazes de isolar odores e que só são abertos depois de meses para retirar as fezes transformadas em adubo. Há também sistemas que transformam essa água com dejetos, conseguimos obter gás de cozinha por meio disso. Devemos pensar também que quando consumimos carne, são dezoito mil litros de água por quilo.

Ver essa foto no Instagram

Uma publicação compartilhada por ecoeficientes (@ecoeficientes) em

Por aqui falamos muito sobre vida solar. O que o astro rei pode fazer por nós e pela nossa casa?

Na técnica de arquitetura passiva, podemos aquecer água por meio de placas solares. De maneira mais ativa, usamos a força do sol como gerador. Quando o sol bate nas placas fotovoltaicas, por exemplo, é criada uma corrente elétrica que pode ser usada como energia. No planejamento bioclimático, analisamos a trajetória do sol e criamos janelas em ambientes onde a luz bate em determinadas superfícies. Esse cálculo nos possibilita saber quanto calor cada material produz em um cômodo. Por incrível que pareça, o sol é capaz até mesmo de refrescar um ambiente. Chaminés solares são sistemas verticais que funcionam como uma espécie de ventilador movido a luz. Elas são pintadas em cor escura para absorver mais calor, esquentam o ar que circula por dentro das extremidades e isso faz com que todo o ar quente de dentro da casa seja expelido.

Ver essa foto no Instagram

Uma publicação compartilhada por ecoeficientes (@ecoeficientes) em

Qual é o seu vislumbre de um futuro mais solar?

É a transformação do entendimento do eu para nós, do individual para o coletivo.

abandono-pagina
No Thanks