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Como Adriana Naili trocou as grandes metrópoles por uma fazenda sustentável na Austrália

Por
Adriana Setti
Em
1 outubro, 2019
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Nascida em São Paulo, ela morou em Nova York, Londres, Paris, Hong Kong e Sydney até encontrar seu lugar ao sol, bem longe das grandes metrópoles. Na companhia do marido e das duas filhas, Adriana agora vive numa comunidade sustentável no interior da Austrália.

Dirigir trator e espantar jiboias do galinheiro já foram realidades muito distantes para Adriana Forte Naili, 44. Nascida em São Paulo, ela morou em Nova York, Londres, Paris, Hong Kong e Sydney até encontrar seu lugar ao sol, bem longe das grandes metrópoles. Na companhia do marido, o publicitário britânico Giles Kershaw, 45, e das duas filhas – Luana, de 8, e Asha, de 5 – ela deixou para trás a casa “dos sonhos” (e o financiamento que causava pesadelos) para viver numa comunidade sustentável no interior da Austrália, praticamente sem contas a pagar no fim do mês.

Há um ano e meio, eles são uma das 15 famílias que movem as engrenagens de Patanga, uma fazenda nos arredores de Bellingen, cidadezinha artística a 520 km de Sydney. Na casa onde vivem, a energia elétrica é gerada por placas solares e a água vem de uma nascente cristalina – na qual rola nadar, desde que sem protetor solar, repelente e afins. Sem conexão com a rede de esgoto, o banheiro funciona à base de compostagem. A cada uso, um punhado de serragem deve ser jogado sobre o “material”, que vai virando adubo pras árvores. Ao lado do casarão de madeira de dois andares, varado de luz natural e com vista panorâmica para um bosque, há árvores de macadâmia, laranjeiras e horta, de onde sai parte da comida que consomem.

Figueira gigante nos arredores de Bellingen, onde também fica a comunidade Patanga | Foto: John Carnemolla/iStock

Cada família de patangans ocupa uma parcela de 1 hectare, dentro da propriedade de 72 hectares, que inclui uma reserva florestal, com rios impolutos e colinas verdejantes. Num vale que chega a parecer irreal de tão idílico, cercado de cachoeiras e parques nacionais, a fazenda é administrada como uma empresa e cada morador é um acionista. Bienalmente, são eleitos um administrador, um tesoureiro (cargo de Giles atualmente) e um secretário. As tarefas coletivas incluem os cuidados com o rio e as três casas disponíveis para aluguel, que geram renda para um fundo comum. Já os trabalhos mais pesados (de construção e encanamento, por exemplo) são delegados a profissionais da comunidade, que recebem por cada serviço. Só em último caso, contrata-se ajuda externa. ”Temos muitos talentos aqui e tentamos aproveitar isso o máximo possível”, diz Adriana.

Antes de fincar raízes à beira do rio Bellingen, onde nadam peladões diariamente, Adriana e Giles viajaram o mundo por mais de um ano. A odisseia terminou em Sydney, onde acabaram enveredando por um caminho convencional demais pra um casal que se conheceu em Mysore, o berço da Ashtanga yoga, na Índia. Enquanto ele trabalhava numa agência de publicidade, ela dava um tempo na carreira (depois de abandonar o jornalismo, formou-se em cinesiologista holística na Austrália) para cuidar das crianças. Já de olho numa vida mais próxima da natureza, os dois construíram a casa que idealizaram, cercada por um parque nacional ao sul da metrópole. Mas nem a arquitetura vanguardista ou a proximidade de praias incríveis compensava o peso do financiamento, que obrigava Giles a manter um crachá no peito e a investir quase três horas diárias indo e vindo da agência. Padecendo no paraíso, com insônia e crises de stress, os dois decidiram partir em busca de uma vida mais sustentável e livre.

Família levando Dri no aeroporto, rumo a um retiro no Brasil | Fotos: arquivos pessoal
Natação into the wild e as filhas, Asha e Luana, alimentando cabras

Por meio de um casal de amigos, descobriram que havia um casarão antigo (muito mais barato que o caixote moderno de Sydney) à venda em Patanga. “Mal pisei no vale e já tinha certeza de que queria morar aqui”, conta Adriana. Mas querer não bastava. Pra viver na fazenda, fundada no final dos anos 1970, é preciso ter a aprovação dos membros da comunidade e participar de três reuniões trimestrais. Ao sinal de que seriam bem-vindos, venderam o imóvel que tinham construído. Mas, antes da mudança, se mandaram para uma temporada no Brasil, que incluiu três meses na ecovila de Piracanga, na Bahia, num ensaio do novo lifestyle.

“O cotidiano no campo é uma aventura pra quem sempre morou na cidade e vamos aprendendo com ele”, conta Adriana. Logo nos primeiros meses em Patanga, a família teve que contornar situações inéditas, como a morte do porquinho-da-índia das crianças, devorado por uma iguana, e a convivência com cobras e carrapatos. A adaptação à vida off-grid também exigiu revisão de hábitos. “Na época de seca, restringimos o uso da água. Já na temporada de chuvas, não podemos usar o ar condicionado ou o liquidificador, devido ao baixo rendimento das placas solares”, conta Adriana. “Mas, o que muitos chamariam de perrengue, para mim é o resultado de uma conexão verdadeira com a natureza e uma lembrança diária de que nós, seres humanos, formamos parte do ecossistema e temos que administrar recursos limitados.”

Em Patanga todos morrem felizes, garante a placa

Na entrada da fazenda, delimitada pelo riacho Die Happy (“morrer feliz”), uma pequena casa de madeira equipada com forno de pizza faz as vezes de sede social. Ali ocorrem as reuniões pra discutir os assuntos da comunidade e algumas festinhas embaladas a ukulele – há vários músicos residentes. Mas, ao contrário do que rola na baiana Piracanga, onde a convivência entre os moradores é mais próxima e há normas de conduta (como restrição ao consumo de carne e álcool), em Patanga a privacidade é tão sagrada como a água da nascente e não há dogmas comportamentais. Em comum, os patangans têm o respeito à natureza, à diversidade e ao modo de vida que escolheram.

Retiro Action Inquiry, cujo próximo encontro acontece no Brasil, em novembro: ainda há vagas

A socialização mais intensa acontece entre os pais das crianças pequenas, principalmente na hora de despachá-las à Chrysalis Steiner School, de pedagogia Waldorf (cuja mensalidade representa um dos poucos custos fixos da família). “Às vezes, levamos até chá para o ponto de ônibus, porque aqui todo mundo tem tempo pra bater um papo”, diz Adriana, que trabalha com desenvolvimento psicológico adulto. Depois de atender clientes pela manhã, à frente do Totalmente Humano, ela se dedica a estudar, cuidar da propriedade, das crianças, de si mesma e dos seus projetos. “Sem tempo livre, é muito difícil ser criativo e pensar fora da caixa”. Não á toa, é entre braçadas no rio e caminhadas no bosque que surgem os melhores insights para os retiros de Action Inquiry que facilita no Brasil (o próximo acontecerá em novembro e ainda há vagas). “Também tenho tempo de olhar com atenção para as minhas filhas, de me questionar, de mudar os planos ao longo do dia: isso é qualidade de vida”. Desde que chegaram a Patanga, Adriana aprendeu a tocar bateria, enquanto Giles pegou firme no violão.

Adriana: happiness only real when shared
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