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Ela tem os olhos nas passarelas e o coração nas ruas

Por
Eloá Orazem
Em
13 fevereiro, 2016

Depois de uma temporada em São Paulo, Luiza Brasil, 27 anos, voltou aos braços do seu Rio de Janeiro, porque não há Cristo que lhe tire as raízes – cravadas até no sobrenome: Brasil com “s”, que é pra qualquer gringo entender logo de cara como é que se samba. Braço direito da primeira dama da moda nacional, Costanza Pascolato, a jovem encontrou na ponte aérea a solução para os seus dilemas: trabalho lá, vida cá – mas um sempre respinga no outro e tá tudo bem, é tendência, desde que acompanhado de um sorriso no rosto – e isso não lhe falta! Formada em jornalismo, Luiza tem os olhos nas passarelas e o coração nas ruas, de onde saem suas principais referências de moda e de vida, porque a única etiqueta que lhe interessa é a da boa educação.

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Você é bastante jovem, nasceu embalada pela revolução digital. Como é lidar com a Costanza, uma mulher de outra época, outra moda, outro mundo?
São conhecimentos muito complementares, eu acho. Apresentei à Costanza diversas ferramentas digitais, como o Instagram e o Pinterest, mas ela me ensina uma infinidade de outras coisas. A gente vai somando em várias áreas, em geral muito longe do digital/analógico: a Costanza é uma mulher muito ligada ao high fashion, na alta costura mesmo, e eu trago mais a influência da rua – o que os jovens estão usando, os movimentos contemporâneos, as novidades da cena urbana. Penso que acrescento com o pé no chão, falando do que está acontecendo nos movimentos mais de base, da moda funk e dança do passinho ao afropunk em Nova York. E ela recebe muito bem, o que é muito generoso da parte dela.

Já que observa e estuda muito o street style brasileiro, acha que ele dialoga com a moda de rua de outros países ou temos algo muito original?
No começo eu vi que, realmente, a gente trabalhava algo que já existia; acho que nós reproduzíamos o que vinha de fora. Com o tempo fomos adaptando as coisas para a nossa realidade, ao nosso formato. Uma pena que, de uma maneira geral, o street style brasileiro não é muito bem explorado. Acho que talvez isso seja mais forte no Rio, que tem uma identidade bem específica. Eu trabalhei durante algum tempo no RioETC, cuja sede é aqui no Rio, e o nosso grande problema em fotografar em São Paulo era a falta de uma identidade: as pessoas ali poderiam ser de Nova York, de Londres, da Escandinávia… Não tinha nada consolidado, sabe? Eu acho que o Rio tem a sua própria identidade, e aí o Brasil passa a se identificar com isso e a reconhecer o lifestyle carioca.

E o que você diria que é a marca registrada da moda carioca?
Eu diria que é a despretensão, porque você pode ser um punk de chinelo de dedo; você pode estar de vestido longo, com um tecido mais nobre e encarar uma rasteirinha que tá tudo certo; você pode usar um body maravilhoso para ir trabalhar. O carioca tem essa versatilidade, essa bossa que o define.

Bem, e depois de passar tanto tempo em São Paulo, você acabou “contaminada” por esse jeito mais sério de ser ou continua carioca pura?
Olha, é uma dúvida minha: quando estou em São Paulo, as pessoas me acham muito carioca, enquanto no Rio os meus amigos brincam dizendo que eu já peguei o encosto paulistano! Acho que fico mais pro Rio de Janeiro; me entendo mais com o Rio. Acredito que essa dualidade não diz respeito só a forma de se vestir, mas às atitudes: no Rio a galera é muito hedonista, vive os prazeres. Como eu ainda respondo para São Paulo, sou mais caxias nesse sentido – e eu trabalho muito. Então acho que misturo bem os dois.

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Tenho a impressão de que as pessoas que realmente fazem moda vivem no edge: estão sempre naquela fronteira do “esquisito”, do tipo que a gente não consegue parar de olhar e, de repente, aquele estilo diferentão começa a ser reproduzido nas ruas. Você foi uma pessoa que sempre criou moda, né? Você sempre teve esse estilo diferente? Qual é o seu background?
Tem a coisa da estranheza e do empoderamento. Eu sempre fui de assumir a raiz negra: o meu cabelo é esse desde criança, e isso já me deixava diferente. Os meios em que eu circulava quando pequena tinham poucas meninas negras e as que tinham tentavam se “embranquecer”, alisando o cabelo e tal – e eu relato isso sem nenhuma carga de julgamento, importante dizer, porque era outra sociedade e outro comportamento. Acho que tem muita gente que faz muita força para ser alguém na moda: se monta inteira, abusa daquela coisa de se vestir com muita informação, com a intenção de ser subversivo ou de chocar, de ser agressivo até. E por isso eu nem consigo dizer que eu faço moda, porque é tudo muito sem esforço, muito ocasional. Não posso dizer que eu sou inspiração, que eu sou edge, sou fora da caixa, porque eu não me acho isso. As pessoas até podem achar – e isso é maravilhoso! –, mas eu vejo tudo com tanta normalidade, construí a minha personalidade e estilo de forma orgânica, ao longo dos anos.

E você acha que os negros estão bem representados na moda?
Algumas coisas melhoraram, mas ainda está longe de ser o ideal. Acredito que muita coisa pode ser mudada. A quantidade de negros aprovados no Sisu [Sistema de Seleção Unificada] foi muito maior, e acho que isso repercute diretamente no nosso comportamento, tendo cada vez mais negros na publicidade, no cinema, na moda e na medicina. Acho que, quando os negros estiverem representados em todas as áreas é que a coisa vai melhorar mesmo. Acredito nisso de verdade, porque está tudo interligado. Hoje não tem muito negro na moda – e eu não digo só na passarela, onde o número é pequeno, mas fazendo moda mesmo, sendo estilista, produtor, editor. Porque o negro vai saber trabalhar suas questões melhor do que uma pessoa não-negra. As pessoas acham que podem fazer qualquer coisa relacionada ao negro sem incluí-lo, e isso é o maior pecado. É muito hipócrita fazer uma coleção sobre uma tribo africana e, na hora de escolher a modelo, excluir a negra, porque não é bonita e não conversa com os valores da marca.

E como é ser negra e trabalhar com moda? Você esquece dessas questões ou é lembrada diariamente desta “luta”?
O que me faz lembrar todo dia é a motivação e o incentivo que eu tenho, e que serve de inspiração para algumas meninas que me seguem nas redes sociais e torcem por mim, me acompanhando em fashion weeks e em eventos internacionais. Elas ficam felizes, orgulhosas e acreditam que também podem chegar lá. Eu sou lembrada diariamente por coisas boas, não por traumas ou coisas assim: eu posso empoderar essas meninas, e levar a elas uma mensagem da representatividade negra dentro de um setor elitista e preconceituoso.

Você sempre esteve em paz com a beleza negra, então?
Sempre, nunca tive nenhum problema com isso. Nunca tive problemas para me relacionar e nunca sofri bullying. Aliás, muito pelo contrário: sempre fui muito bem quista. Acho que isso aconteceu porque, antes de tudo, eu me aceitei. Não julgo quem não conseguiu fazer as pazes consigo, porque é muito difícil mesmo. Sempre trabalhei muito as coisas dentro de mim, porque eu encarava tudo como uma forma de me destacar, de ser diferente e de ter uma diferenciação. Eu explorava ao máximo o que podia desse universo.

E você acha que a moda te ajudou nessa questão de ser querida no colégio e na vida?
Tenho certeza disso. Desde sempre eu quis ser e estar fora da caixa, porque eu achava chato a beleza padrão que desfilava sem vida. Minha busca era mais por atitude – não sei como e nem porque, mas sempre fui assim, desde pequena.

Das pesquisas e explorações relativas à moda, tem alguma que você guarda com carinho?
Embora eu sempre tenha visto e gostado, eu só fui descobrir mais sobre os masais, por exemplo, há pouco. Trata-se de uma tribo africana superadornada: eles adoram miçangas, gargantilhas, coisas com corrente… Eu sempre gostei e não sabia da onde era.

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Você acha que é necessidade humana essa coisa de se adornar, de se sentir especial?
Tem a ver com traçar sua atitude e características, traçar seu eu. As pessoas se enganam muito sobre o meu estilo, por me acharem extravagante ou diferente e acham que eu odeio básico. Mas é justamente o contrário: adoro um jeans cintura alta e uma blusa branca. E a partir disso componho uma ou outra coisa graças aos acessórios e à maquiagem. Acho que isso é o que nos completa, que vai desenhando o que a gente é. O detalhe faz a diferença.

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Tempos atrás um pesquisador mostrou que a música pode ter um impacto decisivo no nosso humor ao longo do dia – você acha que a moda tem esse mesmo poder?
Não tenho dúvidas! São Paulo veste cores mais cinzas e terrosas e tem um determinado comportamento, enquanto o Rio opta por cores e estampas mais chamativas – e tem um astral diferente. A gente pode aplicar isso em todos os lugares: Londres vai de preto e tem uma coisa mais subversiva, mais melancólica; Nova York é semelhante, mas tem um pouco mais de cores. Acho que tem a ver com o astral do lugar e das pessoas.

É verdade, o carioca tem bem essa liberdade. Percebo, por exemplo, que poucos prédios no Rio têm varanda: o carioca quer mesmo é estar a céu aberto.
E o curioso é que, quando eu morava em São Paulo, vivia num prédio com uma estrutura bem bacana, com academia, piscina, mas quando mudei pro Rio, “perdi” tudo isso e não senti falta de nada: se eu quero correr, vou ao Aterro do Flamengo, que fica pertinho; se quero praia, vou a Ipanema.

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Então você curte tudo o que o Rio oferece?
Demais! E não só a Zona Sul da cidade. O Rio nunca me cansou e, quando um amigo diz o contrário, insisto que eles não sabem circular direito: eu vou pra Paquetá, pra Madureira, pro Méier, pra Ramos, pra Ipanema ou pro Leblon. Basta ter um pouco de curiosidade, vontade e abertura para explorar tudo. Amo o Rio de Janeiro! Estar aqui me faz bem.

Qual a sua última descoberta fashion?
Sabe aqueles chinelos slides, que parece Rider dos anos 90? Então, ele não sai do meu pé: eu vou trabalhar com ele, no Rio e em São Paulo, tomo banho com ele, vou à praia com ele. Ele é o meu melhor amigo: comprei preto, rosa, branco e transparente. Meu fiel escudeiro ultimamente!

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