People

Enxugando Gelo há 15 anos: um papo com BNegão

Por
Peu Araújo
Em
23 maio, 2018

Um dos discos contemporâneos mais clássicos do Brasil, “Enxugando Gelo”, de BNegão & Os Seletores de Frequência, completa 15 anos e ganha uma edição especial em LP

O mundo era bem diferente em 2003. A internet, acredite, não estava nos celulares, ainda se usava o telefone para ligar e os computadores não eram tão portáteis. Na música o ano foi marcado pela morte prematura, aos 29 anos, de Sabotage e também foi o período de iniciativas embrionárias como o Trama Virtual, MySpace e outras plataformas que começariam a nos trazer a música digitalmente.

Foi também o ano de lançamento do álbum Enxugando Gelo, de BNegão & Os Seletores de Frequência. O disco, que trazia funk (até o caroço), funk carioca, dub, hardcore, jazz, samba, e claro, rap. Traz um MC afiado e entrosado com uma banda competentíssima e um clássico que completa em 2018 quinze anos de existência. Na última sexta (18) o LP do disco, que já configura entre os clássicos contemporâneos, foi lançado e suas 13 faixas continuam tendo muito o que dizer. Batemos um papo com Bernardo Santos, vulgo BNegão, sobre estes 15 anos, o disco e a participação de Sabotage (1973-2003) — uma de suas últimas gravações.

Dá o play e curte aí:

O “Enxugando Gelo” está completando 15 anos. Quando você o lançou imaginava que ele se tornaria um clássico?
Eu não imaginava. A ideia era fazer um disco desabafo e não fazia ideia nem se as pessoas iam parar de ouvir o som e acharem que eu fiquei louco, mas eu precisava fazer, senti uma necessidade brutal de fazer e não imaginava que ele seria um marco pra tanta gente. Muita gente importante me fala da importância deste disco em termos de som, de pensamento, de filosofia desde um pouco depois de que ele foi lançado. Eu fico feliz demais, graças a Deus ele é um disco muito louco. Ele demorou três anos para pegar no Brasil e em menos de seis meses já tava rolando forte na Europa, porque a gente ficou indo direto pra lá em shows grandes, com mais de 1500 pagantes e o auge foi em 2010 no SWU.

Uma década e meia depois ainda continuamos enxugando gelo e dançando feito patos?
Enxugar gelo e dançar essa dança são esportes praticados aqui de forma convicta. Não tem muito jeito, a galera segue na mesma.

Enxugando Gelo

Fazendo aquela média clássica entre a Lei de Murphy e a Teoria do Caos, o que mudou nestes 15 anos?
Cara, tecnologicamente o mundo avançou, teve um monte de coisa acontecendo, muita música boa, mas também teve um retrocesso, um retrocesso mental. Eu não entendo direito, as pessoas deram uma queda no Q.I. A corda fica puxando dos dois lados, é um cabo de guerra eterno. De um lado tem uma quantidade brutal de avanço em ciência e tecnologia. Há avanço na ciência popular, tem gente fazendo coisas maravilhosas e brigando com gigantes, como os agricultores orgânicos, por exemplo, que tá gigante. Assim como a Monsanto está gigante. Esse cabo de guerra está em todas as áreas.

BNegão & Os Seletores de Frequência
BNegão & Os Seletores de Frequência em 2003, à época do lançamento de “Enxugando Gelo”: um dos álbuns contemporâneos mais clássicos do Brasil

Como rolou na época a parceria com o Sabotage em Dorobô? Qual era a brisa com o Japão?
Eu conheci o Sabotage entrando num Free Jazz, em São Paulo. Eu tinha ouvido falar pra caramba do cara, todos os amigos, gente de várias áreas dentro do próprio rap, falavam que ele era sensacional. Ele conhecia geral do Planet [Hemp], das minhas rimas, as rimas do Gustavo [Black Alien] e nessa época a gente começou a fazer um monte de show juntos com o Instituto e ficamos amigos. Ele cismou com esse lance do Japão, de cultura oriental. Ele tinha uma ideia na cabeça e fez uma mistura danada na rima dele com Coreia, Japão, China, a porra toda. E eu tinha acabado de voltar do Japão e tava com isso muito fresco na cabeça. É um país que eu tenho alguma coisa ali, com certeza já vivi numa outra vida, porque eu tenho uma ligação forte. Quando fui lá fiquei duas semanas como se estivesse em casa, andando sozinho com um dicionariozinho que eu tinha comprado e conseguindo me comunicar, conseguindo fazer as coisas. Eu fico querendo voltar. E quando o Sabota gravou, o Tejo [Damasceno] já tinha feito algumas coisas com lance oriental a base e isso também deve ter puxado o Sabota. Acabou sendo uma das últimas gravações dele. É o Maurinho, mestraço, irmão e lenda.

Você considera o “Enxugando Gelo” um álbum de quê?
É o álbum da minha vida. É a parada que mais me define sonoramente, em termos de letra, em termos de tudo.

Crédito da foto de abertura: Diniz

abandono-pagina
No Thanks