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Como esse casal encontrou na roça um jeito mais autossuficiente de viver. Eis o que a gente pode aprender com eles agora

Por
Mariana Weber
Em
31 março, 2020
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Numa fazenda em Catuçaba, no interior de São Paulo, Peèele, Yentl e a pequena Pilar, de 2 anos, se descobriram capazes de produzir o que a maior parte da gente delega: de queijos a conservas, de utensílios a casas. Sem ter planejado, eles se prepararam para uma vida mais autossuficiente.

A curiosidade pela origem das coisas moveu os publicitários Peèle Lemos, 38 anos, e Yentl Delanhesi, 33, a se embrenhar nos saberes da roça. Em terras que tinham comprado em Catuçaba, no interior de São Paulo, resolveram aprender a plantar, criar animais, preparar receitas, construir. A ideia se transformou na fazenda experimental Lano-Alto (já falamos deles aqui), lá no alto da Serra do Mar, e depois no Lab, um empório na Vila Madalena. E o que inicialmente era um refúgio para escapadas da rotina paulistana virou um jeito de viver com mais autonomia e conexão com os tempos da natureza — incluindo o tempo de Pilar, a filha de 2 anos do casal.

“A busca por entender os processos trouxe um lado de fazer. E ele acaba dando um poder que a gente nem imaginava o tamanho”, diz Peèle. Na fazenda, ele e Yentl se descobriram capazes de produzir o que a maior parte das gentes da cidade delega: de queijos a conservas, de utensílios a casas. Seus guias para grande parte das tarefas: conhecimento tradicional (vale apelar para os vizinhos) + Youtube.

Sem ter planejado, eles se prepararam para uma vida mais autossuficiente. “Neste momento, se tivesse que parar de comprar tudo do mercado, acho que a gente se daria bem.” Porque têm galinhas e sabem como matá-las e processá-las. Têm porcos e sabem transformá-los em alimentos que duram meses. Têm vegetais plantados, como mandioca, batata-doce e banana, e sabem se planejar para plantar mais para os meses seguintes — ou coletar PANCs nos arredores. Têm vacas que dão leite e com ele sabem preparar queijo, manteiga, creme de leite, doce de leite.

Se não vivem só do que produzem, é também porque acreditam que não seria eficiente — uma busca constante é pela eficiência de tempo, dinheiro, energia, ingrediente. “E a autossuficiência nunca foi um norte nosso.” Em vez disso, vendem a produção na loja/restaurante na Vila Madalena. Com a pandemia de covid-19, no entanto, decidiram fechar o espaço temporariamente e compartilhar suas receitas em vídeos no Instagram — “nessa dinâmica de trabalhar a escassez para ter abundância”.

Com Yentl filmando, Peèle demonstrando e Pilar aparecendo aqui e ali, os vídeos mostram processos como a transformação da mandioca em puba, tucupi e tapioca ou do creme de leite em creme de leite fermentado, leitelho, manteiga e manteiga tostada. Usam ingredientes da fazenda, mas também podem ser feitos com o que se compra no supermercado. 

Mais do que ensinar esta ou aquela receita, os posts compartilham algo que não tem a ver só com saber fazer, mas com a forma de encarar esse fazer. E isso serve para qualquer lugar, mesmo a cidade. “Sempre se pode aplicar esse resgate da conexão com as coisas: saber de onde vêm, como são os processos, quantos ingredientes saem de um produto”, diz Peèle. “Agora a gente sabe o trabalho que dá tirar leite da vaca, fazer uma cerca ou cuidar para a queijaria ficar limpa. E percebeu que está numa geração que perdeu esse contato com o tempo das coisas e o trabalho que elas dão.”

Para Peèle, cortar intermediários ajuda a religar essa conexão. Na prática: se não for criar galinhas, pelo menos tente comprar o bicho inteiro para entender que aquilo que você está comendo já teve vida e não surgiu do nada em uma bandeja de isopor; se não tem vacas e quer iogurte, tente fazê-lo a partir do leite do supermercado. Bônus: “Vai ficar 10 mil vezes melhor.”

Ser um fazendeiro experimental, a Lano-Alto explica em um post no Instagram, é “experimentar soluções e ideias em ‘tempo real’, de uma forma compartilhada, em uma lógica beta”. “A maior dificuldade é estar sempre sendo lembrado — na prática — que não temos controle das coisas, que os imprevistos são constantes e que a natureza tem um tempo e uma sabedoria que a gente não tem como medir. Lidamos com muitas variáveis e responsabilidades. É equilibrar pratinhos toda hora todo dia.”

De um jeito ou de outro, não estamos todos nessa?

Fotos: Nani Rodrigues
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