Entre lixo, passarinhos e silêncios, a modelo mineira transforma cada corrida em um exercício de presença, cuidado e reencantamento com o mundo.
Na montanha, pressa não serve pra nada. Correr com urgência é correr contra o tempo. Quem corre com calma aprende a escutar. Liza Simões aprendeu isso tropeçando: nos próprios limites. E no lixo que encontra pelo caminho.
Modelo e artista visual, Liza corre sozinha por trilhas de terra batida nos arredores de Belo Horizonte, em Minas Gerais. Corre entre árvores, folhas, bichos, mas sempre com os olhos no chão. O que muita gente ignora, ela recolhe: papel, plástico, latinha. Tudo vai pra meia, pro top, pros bolsos, pras mãos. “Descobri que isso tem nome, plogging, ou plug and run. Mas, pra mim, é só um jeito de cuidar.”

Cuidar é o que move Liza. Dela, dos outros, da paisagem. Correr virou um ritual onde corpo e cabeça fazem acordos: o que dá pra levar, o que é melhor deixar. “O corpo limita. Ensina que não somos imortais. Mas também é nele que a gente sente a vida.” Já a mente, segundo ela, sonha, sabota, exige. É ali que moram os tropeços invisíveis: as cobranças, os amores que apertam, os pensamentos que exigem demais.
E é nesse desequilíbrio que ela encontra equilíbrio. “Não existe fórmula. O equilíbrio perfeito mora no desequilíbrio imperfeito.” Liza corre pra respirar. Pra sentir. Porque perder o ar, às vezes, é uma forma de lembrar que está viva.
Correr, pra ela, tem algo de oração. Não no sentido religioso, mas íntimo, quase instintivo. “A montanha cobra, mas também devolve. E o que ela me dá é autoconhecimento.” Espiritualidade, aqui, é o encontro entre o corpo que sente e a mente que observa. É prestar atenção nos pés, na trilha, no cheiro do mato. É ver um papel caído e se curvar pra pegar.

Liza fala das pequenas coisas com cuidado raro. Como se visse beleza até no que foi descartado. Talvez por isso a prática de recolher lixo enquanto corre tenha surgido tão naturalmente. “Vejo um lixo, enfio na meia, dou um jeito de carregar.” A consciência ambiental, ali, não é militância. É rotina. E sensibilidade.
É com a história da Liza que começa a websérie O que eu penso quando eu corro?, uma parceria entre The Summer Hunter e Netshoes. Ao longo de oito episódios, a gente corre junto com quem faz da corrida um jeito de se reorganizar por dentro. De cuidar da mente, do corpo, do agora. Porque mesmo sem saber exatamente pra onde ir, correr pode ser uma forma de continuar.