People

O diálogo sociopolítico de David Charles, criador de “Gay Chorus Deep South”

Por
Lilian Kaori Hamatsu
Em
30 abril, 2019

O publicitário, documentarista e criativo David Charles Rodrigues fala sobre vida solar, carreira aprazível e Gay Chorus Deep South, seu projeto que acaba de sair do papel para ganhar as telas de Tribeca e outros grandes festivais pelo mundo.

Filho de pai brasileiro, mãe grega e nascido em solo americano, David Charles Rodrigues não deixou que o sentimento de não-pertencimento lhe definisse ou limitasse: “ao invés de fazer disso um problema, transformei em uma qualidade, no meu superpoder, utilizando o que aprendi em outros lugares para fazer da minha realidade algo ainda melhor”, conta. O publicitário, documentarista e diretor criativo fala sobre a vida solar, a carreira aprazível e Gay Chorus Deep South, seu novo projeto, do qual é idealizador e diretor, e que acaba de sair do papel pra ganhar as telas do Tribeca Film Festival e de outros grandes festivais nos Estados Unidos e no mundo.


davidcharlesrodrigues

David, the creator

Estrangeiro onde quer que esteja, o rapaz de sotaque mineiro e riso fácil chegou ao Brasil aos 8 anos de idade e encontrou alguns muitos desafios até realmente transformar em profissão o desejo de criar diálogos sociais no universo do audiovisual. “Acredito que a melhor maneira de espalhar uma mensagem positiva, de ativismo e de mudança, é por meio do entretenimento. Estou sempre buscando metáforas ou expressões artísticas que tenham um discurso importante por trás. O intuito é sempre o de criar uma sociedade mais afável e um mundo melhor”, afirma David.

Para um adolescente de classe média baixa vivendo em Belo Horizonte, cursar cinema em um momento onde o mercado era quase insignificante dentro de sua realidade foi inviável. A solução pra continuar a sonhar com uma carreira criativa? Optar pela publicidade. Enquanto procurava por estágios e distribuía currículos, chegou a ouvir de uma diretora de criação que jamais seria contratado por seu trabalho extremamente versátil e variado. Hoje, faz uso da animação, da arte, do audiovisual e da visão criativa tantas vezes subestimada pra construir projetos que transformam acontecimentos históricos e discussões humanísticas em narrativas relevantes e íntimas ao público.

Sob o sol da Califórnia, onde mora atualmente, carrega a resiliência adquirida nos anos em que viveu no Brasil e a ética de trabalho intrínseca às influências americanas como ferramentas pra transitar entre o universo publicitário e o entretenimento. Com um documentário já celebrado por grandes festivais e publicações, uma série de televisão em pré-produção e uma mente pulsante, David Charles garante que o tempo de incitar mudanças e falar sobre progresso é hoje: “estamos em um cenário político de regressão, que é um reflexo do que o povo está vivendo. Qualquer trabalho artístico que não ajude a combater esse ódio e discriminação que estão acontecendo pelo mundo agora é perda de tempo”.

As criações e as criaturas

Embora a presença de assuntos relevantes e delicados seja uma constante em seus projetos, David faz questão de destacar outro fator importante para a própria construção como profissional: as colaborações com colegas da comunicação, da tecnologia e do entretenimento. Afinal, ao compreender que por trás de grandes produções e companhias existem pessoas fazendo tudo acontecer, blindou seu ego da possibilidade de deslumbre com propagandas como as que desenvolveu para Apple, Google e a franquia Avatar. “Tive a oportunidade de trabalhar com o James Cameron e, dezoito meses antes do filme sair, nos encontramos para mostrar um vídeo que era basicamente o pitch para a FOX. Olhei para aquilo e pensei: até o cara que tinha acabado de fazer Titanic, o filme que mais ganhou dinheiro na história, precisa vender o peixe dele. Ou estamos fodidos, ou vou estabelecer a expectativa de que você deve estar eternamente correndo atrás do que acredita”.

Durante a eleição presidencial de 2016, disputada por Hillary Clinton e Donald Trump, David criou a campanha Vote Your Future ao lado dos consagrados diretores Alejandro González Iñárritu, David O’Russell e Joss Whedon. A oportunidade de desenvolver roteiros baseados em motivações extremamente pessoais de cada um dos artistas que emprestaram suas vozes e imagens para convocar o voto dos cidadãos americanos foi fundamental na decisão do publicitário por perseguir o sonho antigo de criar para o cinema. “Esse foi realmente um dos projetos mais significativos na minha vida, não somente por trabalhar com gente como o Iñárritu e o DiCaprio, isso foi realmente uma honra, mas porque conseguimos mais de 300 mil pessoas dispostas a registrar o voto. Infelizmente o Trump ganhou, mas diferentemente do Brasil, aqui não é obrigatório votar e isso foi uma vitória grande”, revela.

Em parceria com Gary Baseman, desenvolveu os documentários Mythical Creatures, onde aborda o holocausto ucraniano sob a visão profunda do próprio artista, e Boo, o retrato fantástico de uma jovem influenciada pelo punk rock dos anos 1980 em Salem, cidade famosa pelas histórias de bruxaria. O superpoder de criar histórias passíveis de divertimento, emoção e aprendizado trazem a melhor maneira que o criativo David encontrou para comunicar sua mensagem: o sentimento. Para ele, “o jornalismo e as escolas já trazem a proposta didática, então a gente precisa do emocional do entretenimento pra se educar e se abrir pra novos mundos”.

It’s not only about acceptance, it’s about celebrating who they are

Mais do que um filme sobre os direitos civis da comunidade gay nos Estados Unidos, Gay Chorus Deep South é a expressão da beleza e da dignidade de um coral de 300 homens que transforma música em aceitação, senso de comunidade e bem-estar social. A obsessão de David Charles por retratar a jornada do grupo pelo sul dos Estados Unidos, considerada até hoje a região mais conservadora do país, demonstra o valor que o projeto ganhou em suas mãos.

Em uma conversa com Jimmy White, um dos membros do coral e protagonistas do documentário, David percebeu o sentimento que gostaria de transmitir através das telas: “ele é de Jackson, no Mississippi. O pai não o aceita, mas ele falou que há uns 15 ou 20 anos, quando se juntou ao coral, precisou fazer uma audiência e, quando entrou pra cantar, foi a primeira vez que viu uma sala com 300 gays num palco com as luzes acesas. Isso porque a cena homossexual costumava ser escondida, no escuro, no underground”. Nesse contexto, o fato de serem atrações principais em teatros importantes e copiosamente aplaudidos por um trabalho que revela a essência da personalidade de cada um traz aos membros do coral a celebração de suas vidas.

David Charles revela que a produção recebeu convites de diversos festivais internacionais e será exibida em cerca de 30 deles, incluindo o Tribeca Film Festival, mas enfrenta uma certa resistência de entrada e divulgação no Brasil. “Tivemos aceitação por todo o mundo, menos no meu próprio país. Eu enfrentei condições bem precárias enquanto vivia em Belo Horizonte e quero inspirar brasileiros criativos a fazerem o que eu fiz”, revela. No que diz respeito à conjuntura sociopolítica mundial, sua missão é “provar que a divisão ideológica que os EUA e o Brasil estão enfrentando existe, mas a proporção é mitológica e bem menor do que acreditamos que é”. Para David, por meio do diálogo é possível não deixar a política destruir a humanidade que reside nas pessoas.

abandono-pagina
No Thanks