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Dona Suzana, do RéRestaurante, é o tempero mais querido do Solar do Unhão, em Salvador

Por
Fernanda Nascimento
Em parceria com
true

Há pouco mais de 6 anos, o quintal que Dona Suzana mora numa das vielas da comunidade Solar do Unhão serve a melhor moqueca de Salvador. Agora, o Netflix descobriu: o RéRestaurante está num dos episódios da nova temporada da série “Street Food: América Latina”

Naquela segunda-feira, a moqueca não foi para o fogo na cozinha do RéRestaurante. É que o mar não estava para peixe, literalmente, e os ingredientes que Dona Suzana prepara saem direto da rede de pesca de seu marido, Antonio. “Volte lá para o meio da semana que eu te sirvo uma comida bem gostosa”, avisou. É assim que ela trata todo mundo, como se estivesse abrindo sua casa para compartilhar uma refeição. E na verdade está.

Faz seis anos que o quintal de Dona Suzana, numa das vielas da Comunidade Solar do Unhão, em Salvador, virou oficialmente um restaurante. A cozinheira havia deixado o ofício de lado depois de levar um calote de um empreiteiro que a contratou para fazer comida durante as obras dos telhados da comunidade. “Tive que lavar muita roupa para pagar os sacos de arroz e feijão que comprei fiado”, conta. “Me revoltei e falei: nunca mais vou vender comida.” 

Fotos: Wendy Andrade

Mas a fama de seus pratos não foi esquecida pelos vizinhos e, um dia, apareceu em sua porta Júlio Costa, autor de alguns dos grafites que estampam os muros da comunidade. “Ele perguntou pela minha comida e eu avisei que aqui não era restaurante, não.” Mas ela serviu um prato para ele naquele dia, e no outro, e quando viu Júlio havia divulgado para todo mundo o tal do restaurante da Dona Suzana. No seu aniversário de 57 anos, em 2013,ganhou uma placa com o nome, RéRestaurante, uma referência à maneira arrastada como pronuncia a palavra. 

De lá para cá, o sucesso só aumentou. “Já atendi italiano, francês, americano, colombiano, nigeriano… Conheci tanta gente”, diz. Num fim de semana de verão, a espera por um lugar numa das seis mesas de plástico com vista para a Baía de Todos-os-Santos pode ser longa. Mesmo depois de comer a moqueca de peixe, camarão ou arraia vendidas a preços módicos, ninguém se levanta dali. A cerveja embala a visita até Suzana decretar que está fechando. Afinal, ela acorda todos os dias às 6h da manhã para começar a preparar o banquete do almoço.

Dona Suzana coloca no fogo até 20 quilos de peixe logo cedo para atender a todos os clientes, mas nem sempre a conta dá certo. “Uma vez, eu tinha 20 pessoas esperando comida quando acabou tudo. A sorte foi que um pescador da Gamboa apareceu com uma arraia enorme, e o Antonio correu para limpar”, diz. “A dona das águas nunca me deixa sem peixe.” 

O sucesso do RéRestaurante fez com que novos negócios surgissem na Comunidade Solar do Unhão, que é acessada a pé pela entrada do Museu de Arte Moderna. “Já abriram bar, restaurante, vão inaugurar loja, mas todo mundo chega aqui perguntando por mim”, afirma. “Até copiaram minha placa num lugar lá no Iguatemi, igualzinho, e tive que pedir para tirar.” Envergonhada, diz não ter nenhum segredo especial em sua moqueca. Mas o fato é que o tempero desse lugar é um só: a própria Dona Suzana. 


É nos botequins da cidade, entre os amigos reunidos em torno de copos de cerveja, petiscos e, com sorte, música boa, que mora a alma da boemia. O pessoal do dominó continua por lá, enquanto novos endereços pipocam pelas ruas do Brasil, provando que dá para se reinventar sem perder a tradição. A Bohemia gelada acompanha, mas o que importa mesmo são os encontros.
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