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O surfista e ex-publicitário que estimula a empatia por meio de algo raro hoje em dia: o diálogo

Por
Lilian Kaori Hamatsu
Em
31 julho, 2019

Depois de abandonar o cargo de diretor de arte no mercado publicitário e as responsabilidades como administrador de empresas – funções que exerceu por mais de vinte anos –, Renato Zurlini decidiu que olhar pra dentro era também seguir em frente. Aos 47, corre todas as manhãs, surfa quando pode e socializa o tempo todo: seja em rodas de amigos, nas aulas em que atua como professor universitário ou mesmo no papel de terapeuta. No comando da Primeiros Diálogos, empresa que fundou com intuito de colocar em prática o seu dialoguismo, que nada mais é que o exercício, cada vez mais raro, de sentar, frente a frente e, voilà, dialogar, Renato reflete sobre o mundo e auxilia clientes em buscas pessoais. Acostumado a ser ouvinte, Renato finalmente expressa suas palavras em um bate-papo sobre carreira, realizações, vida em sociedade e futuro mais solar.

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Como foi perceber que apenas trabalhar com publicidade e propaganda já não te satisfazia?

Entrei na publicidade em 1998 e fiquei na mesma empresa onde comecei como estagiário por três anos. Depois disso continuei na área, mas numa agência própria e contando com a expertise de uma galera que conheci no antigo trabalho. Lá por 2012 senti que precisava criar algo mais colaborativo, incentivando a troca direta entre clientes e equipe. Daí surgiu a ideia de estudar mediação de conflitos e como o modelo de negócio que eu tinha planejado acabou não dando certo, percebi que poderia viver disso. A propaganda já não tinha mais um propósito na minha vida – de alguma forma queria ajudar as pessoas e vislumbrei nesse caminho uma nova profissão.

Quais foram os maiores aprendizados adquiridos durante o curso que deu origem ao seu novo modo de pensar o mundo?

Justamente a essência da mediação de conflitos, que é a ausência de julgamentos, a isenção e a neutralidade. Hoje julgo muito menos, consigo entender o lugar do outro e a relação que cada um possui com seus próprios problemas, influências e reações. Respeitar a posição e os interesses alheios é a maior lição que tiro dessa experiência.

A partir desse estudo você criou o dialoguismo. Em termos práticos, como o método funciona?

É uma terapia breve, com uma sessão de 90 minutos por semana, sendo dez no total. O método tem começo e fim, e se baseia em três pilares fundamentais: vida emocional, pessoal e familiar. Ao longo do processo, trato de um dilema atual na vida do indivíduo, dentro de cada pilar, separando emoção e auxiliando na ampliação do pensamento com intuito de facilitar a tomada de decisões de maneira mais assertiva. O diálogo é baseado em perguntas provocativas que levam a pensar outras versões e percepções a respeito do relato. A ideia fundamental do dialoguismo é pensar de modo pragmático e racional diante de situações conflituosas.

O dialoguismo é a consolidação de uma nova profissão que escolheu para si. Como suas consultas se diferenciam de terapias convencionais e coaching?

Em relação a métodos mais tradicionais, que resgatam tópicos como saúde mental e trajetória de vida, as consultas de dialoguismo são mais focadas em questões objetivas e pontuais. Não tratamos de condições clínicas, mas de mudanças relacionadas ao comportamento humano em situações específicas. O grande intuito desse trabalho é auxiliar o cliente na dissolução de um problema atual que o aflige.

De alguma maneira você acredita que as sessões te influenciam no processo pessoal de tomada de decisões ou o que é trabalho fica no consultório?

Essa pergunta é interessante porque sou fascinado por histórias humanas e obviamente todos os relatos ouvidos dentro do consultório influenciam meu modo de viver, mas como repertório pra que eu possa agir sempre da melhor maneira possível. No entanto, o problema em si é de responsabilidade do cliente e depois que a sessão acaba ele o carrega consigo.

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Você é um bom ouvinte para quem consulta a Primeiros Diálogos. Quais são as vozes que te confortam e fazem pensar?

Tenho escutado bastante Rubel, 5 a Seco, Janeiro, Arthur Beatrice e Swing Out Sister. Por serem vozes potentes no meu campo de estudo, me influenciam os trabalhos de Jung, Freud e Marie von Franz. Em um cenário mais contemporâneo, ando prestando bastante atenção nas palavras de Carol Dweck (Mindset), Gerd Gigerenzer (O Poder da Intuição) e Joseph Campbell (O Poder do Mito).

Em meio ao tempo dedicado ao trabalho, qual é o papel do surf na sua vida?

Meu pai tinha uma casa na praia e comecei a surfar aos 13 anos. Me apaixonei pelo mar imediatamente, não só pelo esporte, mas pela estética. Já tinha um pensamento de diretor de arte nessa época da pré-adolescência. Ao longo do tempo, o esporte me ensinou muito do que sei sobre resiliência e força pra lidar com os problemas. Atualmente são mais de 30 anos no surf e o aprendizado que fica é que não existe uma onda igual a outra, os mares são sempre diferentes e você deve estar preparado pra enfrentar as adversidades. Surfar é viver, nunca sabemos qual tipo de onda virá, mas devemos encará-la da melhor maneira possível.

Além do surf, o triatlo também é muito especial pra você. Pode falar um pouco sobre ele?

O triatlo fez parte da minha vida por 10 anos: fui atleta de longas distâncias, corri maratonas e até competi em um ironman – competição que combina natação, ciclismo e corrida. Com isso, aprendi a lidar com as dores, os obstáculos e buscar objetivos que julgava impossíveis. A combinação desses dois esportes me trouxe repertório pra viver de maneira mais positiva.

Bem longe da praia está a metrópole onde vivemos. Como você dialoga com a cidade, um cenário muitas vezes pouco propício para conversas?

Descobri que a serenidade é fundamental na hora de estabelecer um diálogo. Ser interessado pelo outro de modo gentil e acolhedor me permitiu desenvolver relacionamentos a partir da curiosidade. O que sinto é que falta estímulo pra conversar, temos fixação por essa ideia de que não se conversa mais. Interesse é a principal ferramenta pra estabelecer um bate-papo em meio a essa vida urbana.

Em tempos de grandes embates e conflitos ideológicos, de que maneira o diálogo deve ser construído?

Por trás de cada decisão tomada por alguém há interesses e necessidades. A ideia é que haja uma construção de ideia através do diálogo pra entender as reais intenções de cada um no momento em que determinada postura foi adotada. Nessa onda de preto e branco, nós contra eles, falta realmente tentar entender o lado de cada um. Ao julgar sob influência dos próprios valores, esquecemos do coletivo. Um exercício de altruísmo e empatia é importante em tempos de agressões sociais.

Qual é o seu vislumbre de um futuro mais solar?

Meu futuro mais solar é cheio de pessoas que conversam, se interessam umas pelas outras, pensam no coletivo como essência do ser humano e valorizam a vida em sociedade. É muito mais fácil se entender sem julgamentos. O diálogo faz do universo algo muito mais solar.

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