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Uma entrevista com a brasileira responsável pelo legado do cineasta Ingmar Bergman na ilha de Fårö

Por
Ricardo Moreno
Em
2 outubro, 2015

No final do ano passado, a advogada e cinéfila paulista Helen Beltrame-Linné, 35, assumiu a direção do Bergmancenter, na ilha de Fårö, na Suécia. Ela é responsável por preservar toda a memória do cineasta Ingmar Bergman (1918-2007).

Natural de Ribeirão Preto, Helen ajudou na fusão entre as cervejarias Ambev e Interbrew, do Brasil e da Bélgica respectivamente, em 2004, quando ainda era advogada. Depois de largar a profissão para se dedicar ao cinema, ajudou a produzir algumas peças de teatro, se envolveu na comunicação do Festival do Rio e trabalhou naZazen Produções, de José Padilha.

Ela também acumula cursos de Direito Comercial pela Université de Paris 2 e Cinema na Sorbonne-Nouvelle (Paris 3). O trabalho como diretora-geral da fundação surgiu meio que por acaso. Depois de trocar o trabalho na Zazen por um curso de cinema em Paris, ganhou uma bolsa para um programa de residência no Bergmancenter, na Suécia. Acabou casando-se com um sueco, se mudou para Estocolmo e, tempos depois, conheceu Kerstin Brunnberg, presidente do conselho da fundação, que a convidou para dirigir o centro.

Leia a entrevista que fizemos com ela:

Por favor, fale um pouco sobre o acervo do museu. Ele contém mais objetos referentes à obra do cineasta ou a sua vida pessoal?
O Bergmancenter foi criado para responder ao interesse que existe a respeito do Bergman, especialmente naqueles que visitam Fårö. Ele desenvolveu ao longo dos 40 anos que morou aqui uma relação muito especial com a ilha, não só dela a sua casa, mas também locação de seus filmes – no total ele rodou 5 longas de ficção e 2 documentários aqui. Por outro lado, ele sempre foi avesso idéia de se criar um mausoléu em sua homenagem, então o nosso trabalho no Bergmancenter é contar a história dele aqui em Fårö, mas sem focar excessivamente no indivíduo. Então não temos quase nada de objetos pessoais dele aqui, exceto por alguns móveis que usamos na biblioteca e outra coisas assim. Eu diria que o maior foco é seu trabalho e as relações que desenvolveu com os locais aqui na ilha.

Que tipo de público costuma visitar o museu?
Muito variado – desde Bergmaníacos a suecos que vêm passar o verão aqui na ilha e querem um passatempo num dia de chuva! Fårö é uma ilha de veraneio, então existem muitos suecos que vêm passar as férias de verão aqui. E quando acaba o verão, é tão pouca gente que vem aqui, que o museu fica fechado!

bergmancenter-faro-helen-2Fotos: Maria Molin/Gotland.net

De que maneira você acredita que o museu facilita, ou proporciona, um contato mais aprofundado do visitante com a obra de Bergman?
Por essa relação extremamente especial que Bergman construiu com Fårö, eu acho que a visita ao museu revela muito sobre quem ele era e a opção que fez de se mudar para uma ilha isolada no Báltico, onde moram 500 habitantes durante o inverno. Nesse sentido o Bergmancenter é um lugar que não poderia existir em outro lugar, não poderia ser em Estocolmo. Todos que visitam saem muito tocados, acho que é uma experiência única que acrescenta muito.

No Brasil, Bergman é visto como um cineasta excepcional, dono de um estilo único, de uma obra imediatamente reconhecível. Como ele é visto na Suécia de hoje? Você acredita que seu legado siga conquistando novos admiradores a cada ano?
Na minha opinião os grandes mestres terão sempre espaço. O Bergman talvez tenha sido “moda” num certo círculo intelectual (especialmente fora da Suécia) nos anos 70 e 80, mas a verdade é que ele fez um cinema atemporal, que passou totalmente ao largo de maneirismos de época e mesmo de temas que eram atuais lá atrás e não o são mais. A grande força do cinema dele é falar do ser humano, de questões ligadas à nossa existência, e isso sempre vai atrair aqueles que se interessam por esse tipo de questionamento. Esse ano durante a Bergman Week nós fizemos um grande programa em torno de Sonata de Outono. O filme é de 1978 e o comentário mais frequente que tivemos nas discussões sobre o filme durante a semana foi: “Nem parece que foi feito há quase 40 anos!”.

2018 marca o centenário de nascimento de Bergman. Vocês já estão planejando as comemorações?
Sim, os contatos tanto na Suécia quanto internacionais estão a todo vapor. O interesse pelo Bergman é quase que certamente maior fora da Suécia do que aqui, então as conversas são com festivais internacionais, cinematecas de peso como a francesa e a alemã. Nosso objetivo é que Ingmar Bergman esteja nos quatro cantos do mundo em 2018.

bergmancenter-faro-helen-1

Existe algum cineasta sueco que possa, na sua opinião, ser apontado como um sucessor de Bergman, ou ao menos sofrer muito sua influência?
Isso é complicado. Bergman se tornou um nome tão imenso no cinema sueco, que uma parte grande dos artistas daqui tem quase que no sangue uma certa rejeição a ele. Então a gente nota que a maior parte dos filmes inspirados ou baseados em Bergman são estrangeiros. Os maiores nomes do cinema sueco atual, como Roy Andersson, Lukas Moodysson e Ruben Östlund, já falaram muito mal do Bergman inclusive publicamente.

Que conselho você daria a um brasileiro que decida visitar o museu? Melhor época do ano, o que fazer na ilha, passeios combinados que por ventura possa haver…
Eu sempre recomendo aos brasileiros que venham para a Suécia no verão. Tem muita gente que tem aquela curiosidade com neve, e diz que a gente aí no Brasil já vive na quentura o ano inteiro. O grande lance do verão aqui é que o país muda completamente, as pessoas se abrem, tudo funciona, vai todo mundo pras ruas, pras varandas, pra fora mesmo. E os dias são longuíssimos, em muitos lugares não chega nem a escurecer, o sol vai descendo e passa rente ao horizonte e começa a subir de novo. Então é muito especial, mágico mesmo. Quanto a Fårö e o Bergmancenter em si, o museu por enquanto fica aberto de maio a setembro, então é uma época em que a ilha está a todo vapor, com restaurantes abertos, praia, lojinhas. Antes e depois disso é uma coisa mai “Bergmaniana”, pois a ilha esvazia, fecha tudo, mas tudo mesmo, e ficam aqui somente os 500 gatos pingados que moram durante o ano inteiro.

bergmancenter-faro-helen-4Ingmar Bergman

O museu tem alguma coisa que pode ser vista somente aí? Como o trecho de algum filme inacabado, sobras de filmagens…
A gente procura sempre mostrar material que não está a “um Google de distância”, então tem fotos, depoimentos, vídeos, muita coisa exclusiva. Durante a Bergman Week desse ano, por exemplo, mostramos os “backstage films”, ou seja, filmes que o próprio Bergman fazia da equipe durante as filmagens.

O trabalho de Bergman no teatro também é privilegiado no museu?
Não.

Descreva como é um dia de verão perfeito em Farö?
Para o Bergmancenter é um dia nublado, para o museu ficar bem cheio (risos). Para mim confesso que um dia perfeito é antes do verão começar mesmo, no início de maio, quando a ilha começa a florescer, com dias longuíssimos, quase sem noite, e ainda silenciosa sem a invasão dos turistas…

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