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Felipe Morozini: nos outros, a sensibilidade de enxergar a si mesmo

Por
Eloa Orazem
Em
11 agosto, 2016
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Felipe Morozini ensina que artista não faz arte; artista é — e suas obras vêm ao mundo por parto induzido, sem anestesia, de uma dor e de uma beleza que a gente processa no âmago e transborda pelos olhos.

Céu e inferno disputam a (p)arte mais paulista da cidade, que dorme e acorda do outro lado do espelho, a tela viva que Felipe Morozini insiste em chamar de janela. Morador do centro de São Paulo, o artista tem a cabeça nas nuvens, literalmente: seu apartamento, que um dia foi de sua avó, fica na cobertura do prédio, no 13º andar, e é lá do alto que o fotógrafo entra em contato com o divino: a humanidade em estado puro que desfila pelo tapete urbano, também chamado Minhocão. Dono de uma arte moderna e sensível, Morozini ganhou projeção internacional com seu projeto “Jardim Suspenso da Babilônia”, que “plantou” flores no Elevado Presidente João Goulart — o antigo Elevado Costa e Silva, que mudou de nome para se adaptar melhor à cara (e à alma) da velha São Paulo e do novo paulistano. Com uma câmera, um lápis ou um bocado de tinta, Felipe Morozini ensina que artista não faz arte; artista é — e suas obras vêm ao mundo por parto induzido, sem anestesia, de uma dor e de uma beleza que a gente processa no âmago e transborda pelos olhos.

Antes de se dedicar às artes, você cursou direito. Mudou de rumo por influência familiar, foi?

Não, na minha família ninguém tinha relação com arte. Escolhi estudar direito porque era meio idealista em relação a alguns assuntos. Achava que podia fazer justiça através da lei, mas percebi que talvez isso só aconteça na prática. Hoje tenho a consciência disso: que talvez com a minha fotografia e com a arte, eu acabo fazendo mais com e pela cidade.

Você sentiu que essas opções mais racionais, tanto pelo direito, quanto pela cidade, foram de alguma forma limitantes para o seu desenvolvimento artístico ou pelo contrário, eles foram mais “gasolina”?

O direito me tolheu, me censurou e censurou tudo que eu imaginava de uma sociedade justa. Ao contrário da cidade, por pior que seja, por mais feia que seja. É isso que eu percebi que me estimula. Então se eu tive um estímulo negativo pelo direito, na cidade eu peguei um estímulo negativo e positivei a coisa. Eu sempre falo que São Paulo é motor para grande parte do meu trabalho. E as pessoas sempre me falam que mesmo em um lugar feio elas veem nas minhas fotos ou nas minhas frases, uma poesia que talvez não exista fácil. Já me perguntaram, por exemplo, se eu moraria no Rio de Janeiro. Respondi que não, porque o Rio de Janeiro é maravilhoso. Então, talvez, esse caos que São Paulo e os grandes centros urbanos têm, é meio sedutor para qualquer pecador e para qualquer artista.

Fotos: Thays Bittar

Mas você não acha que São Paulo está ficando, digamos, mais amigável nos últimos anos, com ocupações de espaços públicos e tal?

As pessoas estão direcionando o caminho que a nossa cidade vai ter. Vou pegar um exemplo que conheço bem: o Parque Minhocão. O uso dele pelas pessoas ressignificou o lugar e fez as autoridades competentes olharem para lá e pensar: “bom, o que faremos?”. Porque era uma estrutura só para carros, mas agora, 20 mil pessoas vêm passear aqui todos os domingos. Então em vez de fechar, vamos estruturar, dar segurança, iluminação. Hoje, quando eu penso no Parque Minhocão, eu estou falando da cidade. O que acontece dentro do parque está acontecendo na cidade e isso é muito interessante, porque não se falava do espaço público há cinco anos. Se eu chamasse as pessoas para vir tomar sol no Minhocão, me chamavam de louco. E eu chamava já. Hoje, acham super legal e vem todo mundo, trazem os filhos, amigos deixam as bicicletas dos filhos na minha casa. Então, é uma mudança de pensamento e uma mudança de comportamento. Tem muita gente pensando nessa cidade; nessa nova cidade, que não é “carro-dependente”. Novas alternativas de mobilidade, de locomoção.

E você acha então que é inevitável que o Minhocão, eventualmente, seja um parque 24 horas por dia, 7 dias por semana?

Eu espero estar vivo para ver isso, mas eu acredito muito que só de fechar para os carros, a qualidade de vida das pessoas que moram aqui já melhoraria muito.

Sem dúvida. E foi amor à primeira vista você e o Minhocão ou de tanto olhá-lo você começou a reconhecer…

Sempre odiei. Eu moro onde minha bisavó morava e eu lembro que eu vinha aqui e achava feio e desrespeitoso o que fizeram com toda a região. Quando eu mudei para cá eu tinha uns 26, 27 anos. E em um primeiro momento, por ignorância e falta de ler mais livros, eu também achava que a melhor coisa que tinha que fazer era demolir, era desmontar o Minhocão. Depois, eu comecei a ler, eu fui viajar para todos os lugares, onde teve essa situação de um parque elevado. Vi as possibilidades e vi também que é completamente diferente a situação daqui com o High Line, de Nova York. Aqui, são as pessoas que estão ocupando e ditando o que vai ser feito; não é a Prefeitura com a iniciativa privada que vai fazer daqui um lugar turístico.

E você acha que o Minhocão é, então, a melhor síntese de São Paulo hoje em dia?

Eu acho, porque é super democrático. É completamente diferente de você ir ao Parque do Ibirapuera, por exemplo, onde você tem a contemplação da natureza, você tem bancos, lugar para rede… Aqui, não tem estrutura, como o paulistano não tem. Não foi dado o direito do paulistano a ter uma área de lazer, mesmo que essa área de lazer seja uma grande estrada e isso, para mim, é muito poético.

Quando foi que isso mudou? Quando você se apaixonou?

Eu fui estudar o que era isso. Quando foi construído, já sabia-se que nos lugares na Europa e nos Estados Unidos que construíram elevados, o entorno se deteriorou imediatamente, que a parte debaixo virou casa de morador de rua. E, assim, por que uma pessoa tem o poder de fazer isso com um bairro e com uma cidade? E aí eu comecei a olhar para o Minhocão, aquela visão do domingo, de olhar e falar: “Olha o potencial que tem esse lugar”. Hoje, o que eu vejo é isso.

E você acha que a relação do paulistano com a arte também tem mudado? Você que está a frente disso, fazendo uma arte que não é… não é para iniciantes, né?

São Paulo não é para iniciantes. E eu gosto de usar muito uma palavra que é “escala”. O paulistano tem que fazer uma arte na escala da cidade. E eu não estou no preciosismo da arte – para mim, a melhor arte é aquela que dialoga. Então, em uma cidade como São Paulo, você tem a arte do sticker, que é para o pedestre; o lambe-lambe, para o ciclista ou para o motorista de carro; e aí você tem umas empenas, que você tem que estar atento, porque senão seu olho passa na rua e você nem vê. O Parque Minhocão já tem… (contando) uma, duas, três… são cinco empenas com arte, são seis jardins verticais, agora vai sair o sétimo, que vai ser o segundo maior do mundo. Essas coisas acabam mudando o hábito das pessoas. Eu vejo aqui como um laboratório que as pessoas, se dá certo, elas podem aplicar em outros lugares. Não precisa ser uma via elevada, pode ser ali no Córrego das Corujas, sabe onde é?

Está gostando da entrevista? Que tal continuar a leitura com uma trilha diferente, só com sons da natureza, que o Felipe criou especialmente pra gente?

É na Vila Madalena?

É, tipo Vila Madalena, Pinheiros, que era um córrego sujo e hoje todas as crianças do bairro vão brincar lá. São experiências. A cidade é uma grande experiência, um grande laboratório, e eu me sinto até um privilegiado de estar vendo isso da varanda da minha casa e presenciando essa outra cidade. Eu sei que eu tenho uma responsabilidade muito grande e que eu sou um dos maiores incentivadores dessa situação. Eu sempre fiz de tudo poeticamente para mostrar para as pessoas o uso dele sem ser para carro. E, por exemplo, a gente fazia pesquisa de hashtag no Instagram e nosso Instagram tem, sei lá, 15 mil seguidores, o que não é nada, mas é muito, porque esse parque não existe, mas ele existe. Entende? É muito legal. Por exemplo, eu sigo os parques de Nova York. Todos eles são parques mesmo e tem gente contratada para fazer o Instagram; tem mais de trezentas pessoas para cuidar do parque. Aqui é um parque que as fotos são alimentadas pelos usuários, a gente só dá “regram”: as fotos lindas das pessoas nuns momentos com umas legendas lindas enaltecendo a cidade. Eu sei que São Paulo não é fácil, mas, poxa, é tão legal ver toda essa gente junta. É uma situação do ser humano em relação à natureza. O pôr do sol no Minhocão é lindo.

Você, que olha muito pela janela, já testemunhou alguma cena ou algum momento que te marcou profundamente?

Tem uma que é bem significativo pra mim. Eu fotografei um bebê no Minhocão quando não existia essa ideia de “parque”, uns cinco anos atrás. Era uma mãe com um bebezinho engatinhando até chegar ao meio de uma pista. Então, eu fotografei um bebê no meio de uma rua, e para qualquer pessoa, aquela imagem ia ser um absurdo, né? Esqueceram um bebê. Mas foi tão lindo saber que não ia passar nenhum carro e que aquele bebê poderia continuar ali, simplesmente sendo bebê. E eu, no dia, fiquei bem emocionado e depois disso são milhares de momentos que eu registro semanalmente. Imagina que eu devo ter, mais ou menos, umas 150 mil fotos de tudo o que aconteceu nesses 15 anos.

Então você passa uma boa parte do seu dia olhando pela janela?

As pessoas me perguntam sempre isso e parece que eu fico, né?. Que eu sento em uma cadeirinha e fico vendo. Só que o meu apartamento é inteiro com janelas. Eu tenho 360 graus de janela, então estou sempre em uma posição privilegiada, que me permite ver as coisas acontecendo nos apartamentos e na rua. Aos domingos faço questão de ir até a minha varanda para ver o parque lotado – outra cena também bem significativa, porque eu me emociono dominicalmente.

Bonito saber que a cidade feita de pedra não lhe endurece a sensibilidade…

Eu tenho certeza disso e quem fala o contrário é porque endureceu por si. Sabe uma coisa que eu sempre penso? Nas crianças que crescem no Iraque. Como você faz para ir para a escola sabendo que um hospital foi bombardeado? Se aquele meio definir cada uma daquelas pessoas, vai ser todo mundo nada. Você vai ser nada. E no Rio de Janeiro é o contrário, você vai ser sempre pintor, você vai ser sempre poeta, você vai ser sempre cantor, vai fazer música. É a postura de cada um em relação ao seu meio.

Você vez ou outra sente a necessidade de sair da cidade e se reconectar com a natureza para se encontrar um pouco?

Muito, muito, muito, muito. Dos meus amigos, sou quem mais tem essa necessidade, e eles nunca entenderam como que eu moro aqui.

Porque parece que a gente sempre tem dificuldades em lidar com essas grandes dualidades, né?

Para mim é uma questão física. Eu estou no último andar e o que eu vejo é céu – 70% de todas as minhas janelas é céu. Vejo o sol nascer, o sol morrer. Eu vejo a lua nascer, eu vejo a lua morrer. Eu vejo pássaros – agora, por exemplo, eu estou falando com você, e estou vendo seis pássaros no telhado do prédio vizinho, enormes. Eu tenho uma relação. E dentro da minha casa, eu tenho muita planta. Para mim, é muito fundamental. Eu sou conhecido pelas batatas doces crescerem na minha mão. Elas nascem na minha casa e viram plantas, elas vão nascendo e é muito lindo.

O que muda em você nesses momentos mais próximo da natureza?

Silêncio. É o silêncio. Você não imagina como eu me sinto quando eu deito em um lugar longe daqui. E pode ser na casa da minha mãe, que é no Tatuapé, sabe?

Então esse apartamento te dá, mas te pede muito. Ele te leva ao seu limite?

Sim, eu vivo no limite. Vivo super estressado e nervoso, e tenho certeza que é por causa disso, do barulho.

Você acha que às vezes esse estresse, essa raiva, transparecem no seu trabalho ou você consegue filtrar o que há de melhor em você?

Eu acho que consigo filtrar. Minhas imagens são poéticas. Claro, o que você mais vê é a solidão, que eu acho que é uma condição humana, principalmente nos grandes centros urbanos. Então, eu, como pessoa que mora sozinha, eu só posso ter tirado 150 mil fotos porque estava sozinho. E tirei fotos de 150 mil pessoas sozinhas.

O que você aprendeu sobre o ser humano ao observá-lo em silêncio aí do alto do último andar?

A necessidade do diálogo. Aprendi que ninguém está sozinho, e que se achar que está sozinho, vai passar por esse planeta e não entendeu nada. Se a gente está nessa cidade é porque somos quase… se eu pensar como antigamente, somos quase uma tribo. Porque todos esses guerreiros escolheram essa tribo São Paulo? Gosto de pensar isso.

Você acha que ser humano dói?

Ser humano dói, dói muito e é bom que doa, porque a dor, eu acho, também faz irmos para frente. E para o artista, a dor é fundamental.

Tem algum trabalho seu que é tão íntimo e tão especial que você optou por não mostrar para ninguém?

Tenho uma exposição quase pronta, que vou chamar de “Confiança”, que são todas as coisas que eu fiz artisticamente e que, se eu apresentasse há dez anos, eu nem saberia explicar o porquê de eu ter feito aquilo. Ainda preciso de mais uns dez anos, que a vida me dê esse tempo a mais, mas tem coisas muito íntimas, que amigos meus falam: “Felipe, isso você tem que mostrar um dia na Bienal de Veneza”, porque é o meu âmago. São obras que falam de sexualidade, drogas, coisas pessoais do ser humano.

Você acha que o mundo está ficando meio chato?

Eu tenho certeza. E o que nos salva são essas pequenas poesias do cotidiano, que você não precisa ser artista para fazer. Eu adoro o Instagram, onde sigo umas pessoas que não são artistas, mas que me trazem um diálogo contemporâneo. Não é só selfie e comida e animais de estimação. Como fotógrafo, sou muito crítico e responsável com a produção contemporânea das minhas imagens. Quem me segue no Instagram sabe que eu não estou fazendo nada além de expandir o meu pensamento e, claro, preciso ganhar dinheiro com isso. Ontem, por exemplo, eu postei um moletom, porque agora eu estou fazendo uma coleção de moletons. É uma foto minha muito importante, são umas janelinhas, o moletom ficou lindo, só que a primeira vez que eu vi todas essas janelas e a do mesmo prédio, eu falei “gente, quanta vida, uma do lado da outra”. Eu cresci em uma casa no Tatuapé, com um monte de animais, um monte de árvore, então estar nesse lugar muda até hoje tudo o que eu faço. Seja em cenografia, seja em design de objetos, seja em fotografia, seja em escrita – eu adoro escrever também.

E qual é a forma de arte que te sai de maneira mais orgânica?

Fotografia. Ela fala antes que eu pense.

Já aconteceu de você dar um “clique” e só depois entender e significar aquilo?

Milhares de vezes. Um dos meus trabalhos mais importantes eu só fui saber o que tinha acontecido depois de uns sete meses. É a foto “O Bico”. Ela foi uma das mais importantes da minha carreira, porque eu nunca imaginei acontecer: cliquei um rolo de 36 de uma mulher e mandei ampliar em 10 x 15, vi as fotos e tinha essa lá: ela tirando um pelo em volta da auréola do bico do seio. Não dá para ver isso na foto, porque o fotógrafo tem a licença poética de escolher. Eu iria escolher ela tirando um pelo ou essa, em que, de costas, mostrou o bico no reflexo do espelho, e embaixo tem uma paisagem de uma praia.

Às vezes penso que o dinheiro tenta se apropriar da cultura por um breve período de tempo e talvez até consiga, mas eles não coexistem exatamente, não conseguem habitar o mesmo corpo por muito tempo. Você concorda com isso ou acha que não?

Eu concordo, porque já existem estudos sobre isso. Por exemplo, um case é o Soho de Nova York, que era bem decadente. A prefeitura fez um plano de distrito criativo, eles liberaram por dez anos o aluguel para artistas, era bem barato morar lá por isso. Os artistas fizeram o bairro ser super legal e depois de dez anos tiveram que sair porque o aluguel triplicou. Mas as pessoas estão sendo usadas. Ao mesmo tempo em que eu entendo que para o artista é muito importante pagar 50% de um aluguel, é quase que fundamental para qualquer criativo. Daí a minha frase “Respeite-me após me usar”. Você sabe que vai ser usado, mas me respeita no final?

Você acha que qualquer um pode fazer arte?

Qualquer um que tenha dentro de si essa verdade como princípio. Imagina que eu fui fazer direito, mas os meus códigos eram todos desenhados, então, dentro de mim, tinha outra pessoa que via outra coisa durante uma aula. Eu não acho que eu perdi tempo, mas talvez em uma faculdade de artes plásticas, eu teria explodido de tantas coisas que eu iria fazer.

Você acha que o boom das redes sociais também tem plastificado mais as nossas artes?

Total, é tudo igual. Na cenografia tem uma palavra que eu uso que é a “pinterização” do mundo, e a fotografia eu entendo que é a “tumblerização” do mundo. Tudo você já viu ou no Tumblr ou no Pinterest. Quem faz pesquisa, tipo… é muito chato, porque é isso. Você vai em uma casa na Vila Madalena igual a uma casa de Berlim. É tudo igual hoje. E a arte também reflete isso. Quando a gente fala o lado positivo que é a ocupação do espaço público em Berlim, está se discutindo a mesma coisa que aqui é super positivo, porque a gente está falando de cidades. Mas os estilos… Aqui no Minhocão, eu lembro quando eu comecei a ver hipsters. Umas meninas de chapéu, uns meninos de bigode enrolado. Eu acho legal, porque o mundo é globalizado, mas me faz pensar onde está, por exemplo, a menina que usa saia de frevo.

Você, como fotógrafo, deve ter a luz como sua grande aliada. Como é que o sol rege a sua vida?

Eu sou absolutamente regido pelo sol e quem me conhece sabe que eu preciso ficar uma hora, duas horas no sol, ao sol, todos os dias. E é o que eu te falei, meu apartamento só tem janela, então pela manhã, a minha sala é invadida por uma luz dourada. Depois, à tarde, vai indo para todos os quartos e, no fim da tarde, eu tenho um pôr do sol lindo na varanda, enorme, que é quase um quintal de casa de vó.

O que você acha dessa escolarização da arte? Como se você pudesse colocar a arte em um manual.

Tem um documentário incrível que se chama “Escolarizando o Mundo”. É um documentário importantíssimo, porque eu nunca concordei com todo mundo aprendendo as mesmas coisas no planeta inteiro. No Tibet, a pessoa não precisa aprender inglês, por exemplo. E aí a gente é doutrinado desde pequeno, para querer o quê? Para fazer medicina, engenharia, advogado, jornalista… Para quê? Para alimentar uma cadeia, e nesse filme fica muito claro. E para mim, qualquer tipo de escolarização é negativa. Eu vejo uns amigos meus, artistas plásticos, formados na FAAP, eles estão completamente falidos — falidos emocionalmente, porque a faculdade falou tanto que arte era uma coisa e no mundo real é outro. Olha para dentro de você e busca a sua verdade da arte. As pessoas viraram egocêntricas para atender o mercado, não para criar um diálogo.

Você usa sua arte para entender o mundo ou é o contrário, você entende primeiro o mundo e passa isso através da sua arte?

Eu acho que eu entendo mais o mundo através da minha arte.

O que você descobriu sobre o brasileiro olhando pela janela da sua casa?

Que a gente é um povo escolhido para viver uma situação não confortável, mas que deve ser algum laboratório de uma comunidade de outro planeta para estudar o que vai acontecer se juntar 20 milhões de pessoas em um lugar como esse, porque, no final, não é legal. A cidade foi feita para você não andar, para você não ir namorar de mãos dadas se você for gay. Então, eu olhando pela minha janela, eu percebo isso, que deve ter alguma razão maior que a gente não enxerga o porquê que cada um de nós que veio parar nessa cidade está fazendo aqui.

Você que tem acesso à intimidade das pessoas entre uma fresta e outra, como da moça tirando os pelos do seio, acha que está faltando verdade nas ruas?

É que hoje existem milhões de verdades, e as pessoas levantam as bandeiras achando que as verdades são absolutas. Então não é que tem pouca verdade; mas que as pessoas, cada uma com a sua verdade, estão esquecendo que, se eu crescer sozinho, vai ficar um monte de gente para trás. Eu sempre procuro, nos meus projetos, colocar o maior número de pessoas possível para a ideia ser realmente coletiva e saber que se eu ganhar um dinheiro, eu não vejo muita graça em ganhar ele sozinho. Então, a minha verdade esbarra na verdade do outro e na capacidade, que talvez eu tenha, sensível de enxergar no outro eu mesmo.

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