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O muralismo feminino e poético de Hanna Lucatelli

Por
Laura Cesar
Em
8 junho, 2019

Existem mil e uma maneiras de espalhar amor, mas Hanna Lucatelli a faz por meio da arte. Com pincéis e tintas na maleta, ela transita pelas ruas do Brasil em busca de paredes, muros e portões para eternizar as suas ilustrações. Que, no caso, são única e exclusivamente de rostos femininos. Na mente criativa de Hanna entram todas as etnias e raças, desde que sejam de mulheres com características físicas distintas, mas que se encontram nos traços de figuras fortes que representam liberdade e resistência. Seus desenhos parecem deusas, só que as da nossa Era: modernas, empoderadas e protagonistas das suas próprias narrativas. A grande maioria tem tiara de flor na cabeça, cores pastéis ao fundo e são acompanhadas de mensagens inspiradoras, como “Amar atrai amor”, “agir com o coração e confiar” e “que nada nos distraia do agora”. Frases que acolhem nos dias difíceis.

Uma das obras da Hanna Lucatelli, produzida durante o Encontro de Grafite de Maringá

Mas esqueça aquele amor romântico e idealizado ao admirar os desenhos de Hanna, pois as suas criações artísticas não são sobre isso. “Eu falo do amor espiritual, aquele que permite a conexão com o outro. É sobre vibrar luz, vibrar amor e amar o próximo como a ti mesmo. E isso, na minha opinião, vem muito da força feminina”, conta. É por isso que, para criar uma representação mais mística, sem gerar identificação com uma figura existente, ela inventa cada rosto que pinta. A única exceção é Marielle Franco, assassinada em 14 de março de 2018, que com muita sensibilidade foi representada pela Hanna à convite da Ação Educativa – Associação que atua nas áreas da educação e cultura.

Não é difícil encontrar suas obras por aí, principalmente em São Paulo, cidade que nasceu e mora até hoje. Da Vila Madalena a São Mateus, passando por pontos conhecidos como Sesc Santana e Minhocão – onde deixou a sua marca num mural de 45 metros de altura na lateral de um prédio – os desenhos de Hanna impactam de longe. E é preciso de muita coragem e força de vontade para pintar nas alturas, ainda mais com chuva, vento e resfriado, como foi o caso do Minhocão. “Quando comecei a pintar, anos atrás, minha meta era ter um andaime. Pensava: no dia que alguém financiar isso é porque realmente estou profissional”. Parecia impossível, mas Hanna fez acontecer, e provou, mais uma vez, que mulher não tem que estar acompanhada de um homem para grafitar um prédio. Ou a rua.

A sua coragem não para por aí. É preciso de muita para viver de arte e ainda ser mãe. Aos 19 anos ela engravidou e, desde então, cria seu filho sozinha. Uma forma de resistência diária, já que além de lidar com questões muito mecânicas do dia a dia como mãe, ela precisa se manter criativa e aberta às novidades como artista. “O lance de criar fora de casa tem muito a ver com a maternidade, porque é o único lugar que consigo realmente focar. Pintar em casa, onde tenho compromissos rotineiros, mata a minha criação”, diz.

Mas sua relação com a rua existe desde nova. Criada na Freguesia do Ó, região periférica de São Paulo, Hanna andava pelo bairro com a turma do grafite, mas na época, apenas como observadora. Por ser um ambiente predominantemente masculino, conforme crescia, foi ficando perigoso e parou de frequentar. A arte, nesse sentido, proporcionou a retomada à rua, só que dessa vez, ocupando-a de fato – sozinha e com pinceladas. Se por muito tempo não era claro pra Hanna o porquê de retratar apenas mulheres, hoje ela sabe bem o seu propósito. “Minha esperança é que as pessoas se conectem com o feminino ao olharem pro meu desenho. Quero quebrar a cultura do medo para que possamos nos reconectar e ocupar o espaço novamente. A gente se sente na defensiva o tempo todo, falta ser um pouco abraçado”.

As ferramentas de expressão

A relação da Hanna com arte é desde o berço. Antes mesmo de começar a falar, já desenhava. Detalhista, como boa virginiana, sempre gostou de observar as coisas à sua volta e copiar, da maneira mais precisa possível. Sua mãe, professora de história da arte, foi sua grande inspiração e incentivadora, até chegar à rebeldia da adolescência e decidir seguir um rumo totalmente oposto: o da administração. Mas pra quem tem alma de artista, trabalhar na bolsa de valores, como era seu objetivo, seria praticamente impossível.

Hanna Lucatelli com a segunda edição da revista The Summer Hunter, no MECAInhotim | Crédito: Henrique Thoms

Foi então cursar teatro pra se redescobrir e conectar com outras formas de expressão. De lá, não trabalhou como atriz, mas nunca mais abandonou a área da criação. Em 2014, formou em Design de Moda, se descobriu grávida e começou a traçar uma carreira nesse meio. Trabalhou em algumas agências, esboçou a ideia de uma marca própria e até abriu um brechó no ano seguinte – o modelo mais sustentável e coerente que encontrou dentro da moda. Nesse período tocando o negócio de casa, a pintura e o desenho voltaram como hobby.

“Por eu não ver isso como uma profissão, eu só pintava o que queria e acabei desenvolvendo um estilo próprio. Minha mãe me estimulou um dia a pintar na parede de casa com tinta. Fiquei meio obcecada por isso e comecei a divulgar nas redes sociais”. Quando se deu conta, já estava levando seus desenhos para a rua.

Se as habilidades no teatro, pintura e costura já foram testadas, esse ano, chegou a hora de arriscar na música. Em maio, Hanna agitou a pista do MECAInhotim como DJ e, num único set, conseguiu trazer um pouco do seu trabalho nas artes plásticas, unindo vozes de mulheres de diversos lugares do mundo. Abaixo, compartilhamos um pouco dessa energia, pra dançar e celebrar o feminino.

Ouça aqui:

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