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As minas do longboard dancing estão ressuscitando o estilo livre do skate

Por
Eduardo Ribeiro
Em
12 setembro, 2018

Guanabara Boards se prepara para lançar o filme ‘The Girls of Guanabara’, em que mulheres do coletivo de skatistas surgido no Rio aparecem mostrando sua habilidade nos passos de dança sobre o skate longboard

A modalidade longboard dancing vem se destacando cada vez mais no cenário do skate, e o Brasil é um dos países mais bem representados nesse rolê, principalmente pela visibilidade do coletivo Guanabara Boards, fundado pelo skatista de longa-data Alex Batista. O que se vê no Rio de Janeiro, onde nasceu o coletivo, e em outros lugares do mundo, é um resgate do freestyle dos anos 1980 transposto ao longboard. Nas antigas, nomes como Bruce Walker já faziam isso, e parecia mesmo que eles estavam dançando balé sobre o skate em movimento. Mas aí o street skate se popularizou, nos anos 1990, e o lance deu uma miada. Com a evolução tecnológica recente, porém, a angulação maior dos eixos de longboard, feitos para suportarem violentos carves em curvas de ladeira, deu mais qualidade também à performance no flatground, ressuscitando a prática. Foi a combinação das tricks do freestyle dos anos 1980 com o jogo de corpo do downhill slide e a plástica do footwork que deu origem ao dancing atual.

O vídeo The Girls of Guanabara, dirigido pelo americano fera dos vídeos de skate Brett Novak e a inglesa Teresa Madeline, com lançamento previsto para até o final do ano no canal da Guanabara Boards no YouTube, retrata justamente a evolução do longboard dancing nacional em seu melhor momento. E com um recorte único (assista aqui, aqui, aqui e aqui algumas cenas raws que estarão presentes no filme). A produção estrelará especificamente as mulheres integrantes do coletivo, num retrato inspirado pelo conceito do clássico vídeo de skate Public Domain, da Powell-Peralta, em que Stacy Peralta abre a narrativa dentro de um casarão com uma decoração bem louca, vai até a varanda, dá um 360º e sai pra desbravar o concreto da cidade com os amigos. Aqui, acontece a mesma coisa. Ana Maria Suzano, Sara Watanabe e a própria Teresa surgem explorando com habilidade e fluência impressionantes picos do Rio que parecem até desenhados para o long dance.

Longboard Dancing Guanabara Boards Rio de Janeiro
A partir da esq., em sentido horário: Beatriz Gavelak, Teresa Madeline, Sara Watanabe e Ana Maria Suzano
Fotos: Divulgacão/Guanabara Boards

“Quisemos fazer o vídeo só com meninas porque achamos que as mulheres precisam ter representatividade no skate. Minha esposa [Teresa] veio com o lance do empoderamento feminino”, diz Alex, “pra mostrar que as meninas têm muita habilidade além da beleza. Por isso o vídeo foca mais nas manobras e na paisagem e momento do Rio de Janeiro durante o qual produzimos o vídeo, durante o carnaval de 2017.” Segundo ele, não só o Brasil, mas também a Coreia do Sul, França, Espanha, Estados Unidos, Japão, Alemanha, Holanda e China, contam com praticantes desse desdobramento do freestyle.

Quem tem vivência na remada de skate pelas ruas e pistas sabe que na cena do long rolam menos dogmas em relação a estilo e combinação de manobras. Tal receptividade, acredita Alex, está entre os fatores mais importantes para o crescimento de interessados. “Mas posso afirmar”, chama a atenção, “e não por ego, que foram os vídeos que andamos fazendo desde 2013, principalmente os da Ana Maria Suzano.” O que ele diz é verdade. Ana surgiu aos 14 anos num panorama em que as pessoas só mandavam carving em cima do pranchão e introduziu os pivôs e giros, e o footwork, o cross step, o Peter Pan [cruzando as pernas de frente], flips, backwards, g-turns e shove-its. A galera ficou de cara. Os vídeos dela já ultrapassaram a soma dos 80 milhões de visualizações. O mais famoso é o que a mostra de vestido branco fazendo um balé descalça sobre o skate. Com sua notável desenvoltura, ela influenciou a cena da Coreia inteira. “As minas de lá só andam de vestido ou saia, em razão de terem sido influenciadas por esse vídeo”, relata Alex.

As minas do longboard dancing estão ressuscitando o estilo livre do skate

Quando começou a andar de skate, Ana foi gradualmente abandonando os outros esportes que praticava, no caso, vôlei e handball. “O skate me conquistou de primeira”, conta. “Era o único momento em que eu tinha um tempo só pra mim e podia relaxar, curtir sozinha e pensar nas coisas que estavam acontecendo. Foi isso que mais me atraiu na modalidade: poder me expressar com toda a singularidade que o longboard permite.” Atualmente, ela mora em Vitória, Espírito Santo, mas cresceu na orla de Camburi, no Rio, e foi lá que aprendeu a manobrar. “Quando vou ao Rio, a orla continua sendo o meu pico preferido, mas também gosto de andar no espaço do MAM e na Praça Mauá.”

Longboard Dancing Guanabara Boards Rio de Janeiro
Teresa Madeline e Ana Marina Suzano

Na opinião da skatista, o mais legal do vídeo em fase final de edição é que mostra a beleza da paisagem carioca em harmonia com os movimentos da dança no skate. “O vídeo conseguiu, com todo o talento e a originalidade das lentes do Brett, traduzir o clima que vivemos naqueles dias de gravação”, comemora Ana Maria Suzano. “Além disso, tenho que admitir que o skate me ensinou a ser mais malandra, principalmente porque gosto de andar à noite, quando os lugares ficam mais vazios.”

Sara Watanabe concorda, e frisa que a mensagem mais importante da produção é o empoderamento feminino. “Queremos mostrar o poder do long dancing”, diz ela. “Acho importante, já que, às vezes, rola um certo preconceito em relação às mulheres no rolê ou mesmo em campeonatos. A premiação nunca é igualitária, por exemplo. Juntas somos mais fortes e podemos conquistar mais espaço.” Entre as minas da crew, Sara é reconhecida pela perfeição de manobras como as variações de nose manual (equilibrar só com as rodas da frente), principalmente o swedish nose manual. No momento, ela treina para acertar o shove-it 360º (fazer o skate dar um giro completo sob os pés), entre uma variedade de novas manobras, mas nada com intenção de competir. “Levo o skate como algo pessoal e de puro lazer. Há quem leve para um lado competitivo e técnico, o que eu não curto, pois deixa de ser divertido”, opina.

Longboard Dancing Guanabara Boards Rio de Janeiro
Longboard Dancing Guanabara Boards Rio de Janeiro
Brett Novak registra Ana Maria e Sara em ação no Rio

Para a inglesa Teresa Madeline, tudo começou no surfe. Ela descobriu o esporte aquático na Austrália, onde morou por um ano, mas, de volta a Londres, não pôde mais praticar. A solução foi passar para o snowboard em visita a regiões montanhosas, até que, novamente morando na cidade, descobriu no longboard a melhor opção para sentir aquela mesma boa vibe na rotina urbana. “Enquanto curtia de skate, no entanto, percebi o quanto era raro ver mulheres andando também. Tanto, que quando saia por aí com o skate debaixo do braço no trem, as pessoas ficavam com os olhos pregados em mim”, recorda-se. “Então, decidi usar meu conhecimento profissional para começar um projeto de vídeo e blog para contar histórias de outras mulheres praticantes de esportes de board.”

As pesquisas da fotógrafa, filmmaker e escritora a trouxeram ao Brasil, onde começou a apurar pautas para um vídeo sobre mulheres skatistas daqui e acabou conhecendo o Alex, hoje seu companheiro, e a turma toda do coletivo Guanabara Boards. Foi assim que ela acabou entrando para a crew. Quer dizer, na verdade foi de um jeito mais doloroso. “Cheguei pra conhecer o pessoal e, ao descer uma ladeira, caí de cara no chão. O Alex me acudiu, me levou para o hospital, e este foi o nosso primeiro encontro [risos]. O resto é história”, brinca. Embora já mandasse bem no long, foi por aqui que ela descobriu e aprendeu o dancing. “Quis fazer este filme porque nunca existiu um registro do tipo que mostrasse o alto nível de habilidade e criatividade das mulheres no longboard. Faz parte da minha missão profissional e pessoal colaborar para uma mudança no discurso sobre representação feminina nos esportes radicais”, defende a idealizadora.

As minas do longboard dancing estão ressuscitando o estilo livre do skate

Foto de abertura: Da esq. para a dir., Ana Maria Suzano, Teresa Madeline, Beatriz Gavelak e Sara Watanabe | Crédito: Divulgação/Guanabara Boards