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Especial: a real da maconha na Califórnia (1 de 4)

Por
Eloa Orazem
Em
5 agosto, 2016

Falta água para quase tudo na Califórnia, mas o verde resiste – e não estou falando dos gramados das mansões de Beverly Hills, que sucumbiram às maquiagens e tinturas artificiais para garantir sua cor. Eu falo da maconha, a planta que movimenta bilhões de dólares e que ainda não foi completamente entendida, determinada e regulamentada pela sociedade americana civil e jurídica.

Balizando por entre leis pouco precisas e suas brechas, a erva pode ser usada para fins medicinais em 23 estados norte-americanos e na capital do país. Em cinco casos – Alaska, Colorado, Oregon, Washington e Washington DC –, o consumo recreativo da maconha também é legalizado.

Apesar dessas concessões jurídicas a nível estadual, a manipulação da planta ainda não é contemplada nas leis federais, o que torna tudo um pouco mais frágil. E questionável. O problema é que, quando se faz muitas perguntas em ambientes tão habituados a um silêncio conivente, as portas se fecham sem respostas, então foi preciso pular algumas janelas para tentar entender melhor como funciona o negócio da maconha na Califórnia, o estado mais populoso dos Estados Unidos e o primeiro a autorizar, em 1996, o uso da erva em terapias e no combate a doenças.

Pode ou não pode, eis a questão

A ignorância é uma benção cara para a maioria das pessoas que apenas responde “sim”. Em uma quinta-feira, isso custou a um jovem californiano US$ 5 mil, um valor que não foi destinado à multa ou fiança, mas aos serviços de seu advogado de defesa, o Dr. Bruce M. Margolin, provavelmente o maior especialista no setor.

Desde a época da faculdade, nos idos dos anos 1960, Bruce dedica sua prática jurídica ao entendimento das leis que regem as drogas e atua declaradamente na legalização de qualquer substância. Com ampla presença política no estado, o advogado, que já foi candidato a governador, acompanhou de perto e ativamente a aprovação e implementação da lei que garante o consumo da maconha para fins medicinais.

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Como a regra tem muitas lacunas para interpretações dúbias e parece não satisfazer por completo esse complexo mercado, ela é submetida a constante alterações e, por isso, anualmente, Margolin atualiza um livreto com cerca de 40 páginas explicando a lei em vigor, mostrando casos de processos reais como exemplo e reproduzindo reportagens interessantes a respeito da maconha e sua legislação.

“A lei ainda é muito confusa e, no final das contas, um indivíduo pode ver sua liberdade ou integridade financeira sendo julgadas por alguém que apoie suas decisões em crenças pessoais. Uma vez, um famoso professor de uma prestigiada universidade foi pego com maconha e levado ao juiz, que não concordava com sua visão política. Foi um dos casos mais doloridos de se perder”, comenta o advogado.

Embora imperfeita e extensa, a lei tem alguns pontos que não se pode ignorar: os californianos acima dos 18 anos em posse de uma carta de recomendação médica e do Patient Identification Card (uma espécie de cartão de identidade de paciente), podem comprar e usar legalmente a erva dentro do estado como bem entenderem – seja fumando, vaporizando ou comendo. É proibido o consumo da planta em lugares públicos e quando ao volante e, ainda que toda a documentação esteja em dia, alguns policiais podem, quando desconfiados de alguma fraude ou inverdade, levar o usuário a júri.

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“Nesses casos uma das coisas que mais pesa na decisão do juiz é o testemunho do médico quanto à importância do uso da maconha. E é bom frisar que, apesar do parecer do profissional ser um divisor de águas, apenas um papel assinado por ele pode não ser o bastante para livrar uma pessoa de uma confusão maior. Isso porque, segundo as autoridades, o documento pode ser facilmente falsificado, mas não o Patient Identification Card, por isso é imprescindível que o usuário californiano o tenha sempre ao alcance das mãos”, explica Margolin.

As consecutivas chamadas por motivos semelhantes levaram o advogado a criar uma espécie de cartilha de comportamento durante abordagens policiais e o aplicativo gratuito 420 laws, que traz vídeos, testemunhos, chat (sem muita movimentação) e o botão do pânico, que, quando acionado, grava em nuvem o diálogo do usuário com a autoridade presente e diz exatamente o que deve ser feito nestas situações: fique calmo, mantenha as mãos no volante, seja respeitoso e educado, mostre seus documentos, não abra o vidro por completo e não responda perguntas que possam lhe comprometer, apenas diga ao policial que você não fez nada de errado e gostaria de entender porque foi abordado – e nunca se esqueça de ser cordial.

Tanto esforço e investimento são, segundo Bruce, motivados pela sua crença pessoal de que ninguém deveria ser preso por porte ou uso de maconha ou qualquer outra droga: “é preciso saber distinguir uso do abuso, que não são práticas iguais e não devem ser tratadas iguais perante a lei. Acho que todo mundo deveria ser livre para fazer e experimentar o que quiser, desde que não machuque ou coloque em risco outra pessoa. Somos um país livre e está na hora de agir como tal”.

Pacientes e “pacientes” (entenda as aspas a seguir) são autorizados a cultivar as ervas em um volume compatível às suas necessidades – eis aí uma brecha da lei, que sugere o cuidado de, no máximo, 6 plantas adultas ou 12 mudas, mas não coloca um número exato, porque entende que as necessidades podem ser diferentes. Caso optem por comprar de terceiros, os usuários devidamente legalizados podem fazê-lo em collectives e dispensaries autorizados, sendo que ambos podem receber alguma consideração financeira por seus trabalhos, mas não podem lucrar com isso – e, de novo, Bruce aponta aqui uma outra abertura na regra, que não deixa claro o que a justiça entende por “lucro”.

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