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Manu Rodrigues: de Paris a São Paulo, por uma vida mais ordinária

Por
Fabiana Corrêa
Em
29 abril, 2016
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Criadora da marca de acessórios Cabana Crafts, Manu traduz no seu negócio aquilo que acredita para a própria vida: fazer as coisas no seu tempo, resgatando a essência e valorizando a frugalidade da vida, algo tão importante e menosprezado nas grandes metrópoles.

Manu Rodrigues trocou Paris por São Paulo em busca de dias mais simples. Na capital francesa, circulou entre as grandes grifes da moda e gravou nomes como Lacoste e Hermès no seu currículo de estilista. A sofisticação parisiense era bacana mas, depois de cinco anos, ela queria mesmo era um banho de sol e de mar. Em vez de caminhadas pela Champs-Élyseés, seus melhores momentos, agora, são a bordo de um pranchão nas ondas do litoral norte de São Paulo. Era exatamente isso o que essa paulistana imaginava quando voltou pra cá em busca de um cotidiano mais ordinário: surfar nos dias de folga, correr no parque, trabalhar perto de casa, almoçar com a família… Logo que chegou, no entanto, recebeu um chamado irrecusável: substituir a estilista Clô Orozco, morta em março de 2013, na Huis Clos. E lá foi ela. Mas por pouco tempo. Só para ter certeza que esse negócio de grandes empresas não era mesmo sua praia. E foi nessa toada que criou a marca de acessórios Cabana Crafts. Sem querer — ou melhor, sem planejar, mas querendo muito — a estilista acabou engrossando o coro do movimento slow fashion que começa a ganhar espaço no Brasil. Seus acessórios são feitos pra durar bem mais que uma estação e, como ela, não ligam muito para a moda que vem das passarelas. Mas, para criar essas peças simples, e essa vida idem, Manu foi primeiro conhecer o mundo. E daí extraiu só o essencial.

Você tem 30 anos mas já fez uma carreira no Brasil, depois uma carreira internacional e faz pouco virou empreendedora. Como foi conseguir espaço em marcas tão famosas tão cedo?

Fui para a França estudar, mas já tinha alguma experiência, já tinha trabalhado na Maria Garcia, a linha jovem da Huis Clos, quando a grife estava no auge. Na faculdade, em Lyon, mandei currículo para um estágio na Lacoste apenas porque apareceu a vaga. E me chamaram. Fui trabalhar com o diretor artístico, que depois me levou para a Hermès. Eu fazia as roupas que iam para o desfile, mas vivia espiando o ateliê de couros, que me fascinava. Ia almoçar com o pessoal que trabalhava lá, comecei a olhar e a aprender. Foi aí que nasceu uma vontade de fazer acessórios. Já voltei para o Brasil pensando nisso, mas logo veio o convite para assumir o estilo da Huis Clos, na época em que a Clô tinha acabado de falecer. Como nós éramos bem próximas, senti que precisava retribuir, aprendi muito com ela. A ideia era entregar só uma coleção, mas acabei ficando duas. Ao final, reforcei o que já sabia, não queria mais atuar nesse mundo da moda, com tantas coleções, desfiles, showroom, correria. Queria uma vida mais tranquila, um outro ritmo. Eu não tinha flexibilidade e isso é importante porque a gente já não trabalha mais só enquanto está dentro do trabalho, né?

Foto: Larissa Felsen

Não foi à toa que precisou desacelerar. O que veio primeiro, a vontade de empreender ou a vontade de ter outro ritmo de vida?

Criei a Cabana para viabilizar um novo estilo de vida. Eu não sabia exatamente no que iria trabalhar, mas já sabia como queria viver. Saí da Huis Clos e passei um mês em Bali com essa ideia, de que eu precisava de um ritmo menos intenso e com controle do meu tempo. Então eu fui buscar uma maneira de viabilizar isso, já que não seria possível se eu continuasse no mercado de moda tradicional. Eu não sabia o que ia acontecer, pode ser que até hoje estivesse vivendo de freelances, como fiz por um tempo, mas deu certo.

Na sua idade, as pessoas começam a buscar estabilidade, e você fez o movimento contrário…

É, para mim virou prioridade, mais do que ter estabilidade, ter qualidade de vida, ter tempo para minhas coisas. Poder ir correr no Ibirapuera no dia em que estou mais tranquila. Ter tempo para almoçar com minha mãe e fazer o que eu acredito. E quando você trabalha em empresa não é sempre assim. Hoje, a empresa está indo super bem, mas como pessoa física vivo mais dura do que antes… (risos). Mas, olha, sabe que eu curto muito mais? Além de gastar menos. Eu moro na frente de casa, posso almoçar lá todo dia, não uso mais carro. Curto meus dias. Tem o lado chato, fazer a contabilidade da minha empresa, por exemplo, essas coisas. Mas para isso eu sento com o contador e resolvo tudo em uma hora. Fiquei mais focada pois o tempo ganhou outra importância.

O que você faz tem tudo a ver com um movimento que está crescendo no Brasil, o chamado slow fashion, uma moda que vai contra a pressão da indústria sobre profissionais e prega o consumo consciente. Você já sabia disso quando voltou ou foi só coincidência criar a Cabana com esse conceito?

Quando eu comecei a ensaiar minha volta para o Brasil eu pensei em fazer algo meu, mas achava que aqui não teria espaço. Sabe, uma lojinha pequenina só de guarda-chuvas, outra loja de velas, em que você entra e o dono está lá? Foi aí que meu namorado, o Chico (Ferreira, chef do Le Jazz, leia aqui a entrevista que fizemos com ele para o Sai da Sombra), me disse que se ainda não existia é porque tinha aí uma oportunidade. E isso está acontecendo mesmo, esse movimento de gente interessada em fazer uma produção menor, mais autoral, que não precisa mudar a cada estação. Acabei entrando para esse nicho e conheci uma turma que trabalha como eu, fazendo tudo do começo ao fim, sem grandes linhas de produção, com mais exclusividade. Há uma comunidade que se encontra em feiras, em eventos e que se apoia em vez de competir. É um monte de gente que está querendo desacelerar mesmo. Não trabalhar menos, mas produzir em um outro ritmo, com outras prioridades.

Além dos produtores, os consumidores também são diferentes, buscam um jeito novo de comprar?

Não sou a única que está buscando esse novo estilo de vida e esse novo estilo de produto. Tem um monte de gente hoje que não quer mais ir ao shopping, comprar tudo igual ao que todo mundo está comprando, comprar em larga escala. É uma escolha consciente, querem conhecer quem faz o que estão usando, quem faz a roupa, a bolsa. As pessoas vão nas feiras, como a Feira na Rosenbaum, o Bazar da Praça ou o Mercado Manual, dos quais a Cabana participa, e conversam, veem como a gente faz as coisas, depois vêm até meu ateliê tomar um café, bater papo.

O que você trouxe das marcas onde trabalhou para a Cabana Crafts?

Hermès, Lacoste e Huis Clos têm algo em comum: são atemporais, são fiéis à sua identidade, não à moda. Isso eu trouxe comigo, me admira e me influencia. Mas eu não queria ter que reinventar a roda a cada estação! Só porque muda o trimestre você tem que fazer um novo desfile, jogar fora tudo o que criou e fazer de novo, mudar um botão de lugar, que seja. Além disso, na Huis Clos eu desenhava coisas lindas que eu não usava nunca, porque o que eu uso é jeans, alpargatas, rasteira. Eu nem tinha ocasião para saltos, roupas sofisticadas. Eu queria fazer algo que eu pudesse usar no meu dia a dia e nos meus finais de semana.

Então agora suas criações tem que incluir sempre uma rasteira e uma canga?

Pois é, minha vida está cada vez menos urbana. Eu voltei de Paris muito urbana, me arrumava toda mas, quando eu cheguei aqui, passei ir à praia todo final de semana. Então eu usava havaianas, canga, uma mala pequena. E comecei a sentir necessidade de fazer essas coisas básicas só que com um material legal, uma estampa feita à mão. Comecei desenhando o que eu precisava usar. É tudo descomplicado, atemporal, mas bonito e com bons materiais.

De onde vem sua inspiração?

Eu tinha uma sandália que foi comprada na Grécia, feita por um artesão local, que eu amava. Mas que já estava caindo aos pedaços! Só que não conseguia achar outra igual em nenhum lugar. Por incrível que pareça, é muito difícil encontrar coisas simples. Foi assim que eu comecei, fazendo a sandália que eu queria usar. Melhorei o fecho, o solado, mas continua a mesma sandália simples. Só que melhor. Aí fui aumentando a linha, fiz um sapato oxford, uma mochila. E quando eu vi, eu tava fazendo algumas peças de roupa, porque era o que eu precisava para sair e trabalhar. Foi meio orgânico.

A Cabana saiu nas revistas Vogue e na Harper’s Bazaar logo de cara, um espaço que muita marca grande nem consegue. Como foi isso?

Do nada! Eu tinha uma amiga que foi uma das primeiras a comprar uma sandália minha e ela trabalha na Vogue, mas na área comercial. Então usou a sandália e mostrou para alguém da redação, que resolveu fazer uma matéria. Então foi assim que veio, algo superespontâneo. As pessoas estão precisando de novidades.

Estou vendo que você decorou seu ateliê com achados de viagens e acabou criando peças com as estampas desses achados. Você coleciona esses achados?

Sempre fui ligada nessa estética de mapas de viagens. Esses que você vê aqui, por exemplo, já viraram uma canga. Juntei os de Paris ou de Nova York, os tapetes e estampas de Bali, outras coisas que vi por aí e saí criando. As peças da Cabana são um quebra-cabeças dos lugares pelos quais passei e que marcam minhas criações.

Você está vestida de uma maneira simples, com tecidos naturais, sem maquiagem. Como compõe seu estilo?

Eu sempre gostei de materiais naturais, com textura, mais rústicos. Estou cada vez mais Cabana, visto cores básicas. Engraçado como a gente muda de acordo com o entorno. Quando eu morava em Paris, eu me arrumava muito mais, usava maquiagem, o ambiente me influenciava. Aqui, com esse calor, com o meu trabalho, ando mais a pé, quero ficar mais confortável e fresca. Eu vivo a minha marca e ela me reflete. É uma troca.

Como você se cuida?

Eu tento levar uma vida mais natural, na medida do possível. Comer em casa, ingerir menos produtos industrializados… Faço yoga há muito tempo, hoje corro ao ar livre, na rua, não tenho vontade de ir pra academia. Gosto de ver gente, de ver a praça, o céu. E agora eu surfo aos finais de semana. Meu namorado surfava e eu sempre achei bonito esse esporte. Aliás, eu adoro esportes, gosto de estar ao ar livre. Aí fizemos uma viagem juntos para o Chile em que eu fiquei olhando, só com vontade. E na volta ele me ensinou. E quando eu fui pra Bali, passei um mês tomando caldos. Vou de pranchão, que é bem menos radical. Fomos agora para Costa Rica e foi uma viagem de surfe total.

Quais foram os destinos que você mais curtiu?

Viajei muito pela França. E também foi legal ir para a Grécia e Japão. Me sentia um E.T. Até hoje aquela viagem mexe muito comigo. O visual, a cultura, as coisas que você nem sabe que existem… É um tempo diferente, um espaço que as pessoas ocupam de um jeito diferente. Voltei até mais delicada, mais contida nos meus gestos, foi muito louco.

Mas hoje você parece bem expansiva…

Sim, acho que já voltei ao que era antes (risos). Eu gosto de falar, sou expansiva, sim, mas também adoro ficar sozinha. Eu alterno. Eu gosto muito de estar com uma pessoa, falar e conversar, mas estar com muita gente me cansa.

E o que é estar sozinha para você? O que você faz nesses momentos de solidão?

Ficar quieta mesmo, fazer algo por mim, ler, pesquisar algum assunto que eu goste. Eu alugo uma casa no sertão da Barra do Una [litoral Norte de São Paulo], e lá não pega celular. Lá gosto de ficar quieta, ter tempo só para pensar, silenciar. Às vezes me sinto um pouco atropelada, então ficar off me ajuda a ir mais fundo nos meus pensamentos. É nesses momentos que eu pego um romance pra ler. Porque em São Paulo é diferente, quando eu vejo o tempo passou e estou no celular vendo algo que nem lembro. Lá eu posso ficar sem tecnologia, desligar, não fazer nada.

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