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A estranha força que emana das fotos de Marcelo Gomes

Por
Lilian Kaori Hamatsu
Em
17 julho, 2019

A fim de vencer uma timidez muito superior aos seus quase dois metros de altura, Marcelo Gomes viu na fotografia a oportunidade de externalizar pensamentos e um amplo fascínio pela arte. Com olhos curiosos, nenhuma formação técnica e “escrita semelhante a de uma criança de doze anos”, como ele próprio descreve, logo encontrou sua maneira de comunicar raciocínios e sensações. As pinceladas de luzes, cores e texturas que caracterizam seu trabalho podem ser vistas nas páginas de publicações como The New York Times, The New Yorker, Harper’s Bazaar e Dazed. Além disso, campanhas para gigantes da tecnologia como Apple e Nikon, retratos encomendados por marcas de moda como Tiffany & Co. e DKNY, e capas de discos como Vagarosa (2009), da cantora Céu, completam a galeria do fotógrafo.

Há duas décadas vivendo longe do país, Marcelo pouco exercita o vocabulário brasileiro, mas acredita que “a língua portuguesa é a coisa mais linda do mundo todo”. De mudança pra Paris, relembra suas raízes, influências e discorre sobre o futuro:

Foto: Marcelo Gomes | Nikon

O mundo não é chato

Durante a infância e os primórdios da adolescência, Marcelo fez morada em Belém do Pará, São Luís do Maranhão e Fortaleza, no Ceará. Com uma bolsa pra jogar basquete, se mudou para os Estados Unidos e acabou ingressando no curso de Ciências Políticas da Universidade de Iowa. Como se tamanha miscelânea já não fosse suficiente, trocou tudo o que havia conhecido até o momento pela agitação de Nova York.

Aos 22 anos, o sentimento de não pertencimento crescia e o desejo juvenil de viver em uma cena cultural efervescente tomava forma. “Lembro dos perrengues de quando vim pra cá. Era muito pobrinho e gastei 11 dos meus 50 dólares no cinema pra assistir Histórias Proibidas, do Todd Solondz, com trilha sonora do Belle & Sebastian. Acreditava que aqui era o único lugar no mundo onde as pessoas gostavam das mesmas músicas que eu. Me achando super singular, cheguei e encontrei mais uns cinquenta igual a mim por quilômetro quadrado. Aprendi que humildade é importante na vida de qualquer pessoa”, relembra.

Segundo o fotógrafo, a fervilhante cidade, onde viveu por mais tempo e reside atualmente, é o lugar mais próximo do conceito de “casa” que já conheceu na vida. Quinze anos depois de sua chegada, Marcelo novamente arruma as malas, dessa vez pra desembarcar em Paris no fim de setembro.


Foto: Marcelo Gomes | Stussy

No que diz respeito ao futuro, o que você espera daqui pra frente?

Estou pra lançar meu terceiro livro, o qual pretendo publicar até março de 2020. Não tenho muitos planos ou ambições, quero viver uma vida mais calma em Paris. Nova York é frenética e minha rotina de acordar cedo, caminhar, ler muitas páginas e cozinhar meu próprio almoço tranquilamente não combina muito com a cidade. Por aqui te pressionam pra fazer as coisas fora da sua velocidade. Lá é tudo mais devagar, um passeio no parque é recomendado e não digno de julgamentos. Minha ideia de futuro é me sentir mais confortável em ter um tempo dedicado ao lazer.


Fotos: Marcelo Gomes | Acervo

A vida é amiga da arte

Uma das revistas vendidas na livraria da faculdade onde Marcelo estudava era a Index. Coincidentemente ou não, a publicação lhe rendeu seu primeiro estágio remunerado em Nova York. Durante os quatro anos em que permaneceu no ofício, uma amiga experiente na área foi responsável por ensinar técnicas básicas de revelação e ampliação de fotos no laboratório da empresa. Desse modo, o fotógrafo passou de amador a assistente de um profissional renomado em pouco tempo. “Fui procurando entender, aprendendo e errando um monte. Demorou um tempo até eu sentir que tinha domínio sobre a técnica artesanal”, afirma.

Embora seu trabalho seja concretizado por meio de câmeras, Gomes é apaixonado mesmo pela pintura. “Costumo brincar que o que faço é por inveja da arte. Já que não tenho habilidade motora pra isso, tento me aproximar do que é semelhante em termos de efeito”, afirma. Desde o início, suas fotografias transitam entre o digital e o analógico, o comercial e o lúdico. Por não acreditar nos resultados como ferramentas documentais, sua intenção é sempre baseada na ideia de expressar um olhar que tem a ver tanto com o próprio fotógrafo quanto com o que está sendo retratado. Entre campanhas e ensaios, o que mais gosta de fazer são retratos e registros de viagens.


Foto: Marcelo Gomes | The New York Times

Alguns de seus trabalhos, como a viagem pela Nicarágua no The New York Times, são extremamente iluminados e calorosos. Qual foi o destino mais solar que já fotografou?

A viagem mais recente que fiz pra Nova Zelândia, em janeiro deste ano. Passei quatro semanas a trabalho e, apesar do calor, encontrei uma luz branca fria belíssima e uma natureza absurda com lagos de azuis inacreditáveis e montanhas. Tenho um carinho especial por Wanaka, em South Island.


Foto: Marcelo Gomes | Tiffany & Co.

Abraçaço

Persona de muitos ídolos e heróis, Marcelo Gomes é obcecado pelo fauvismo – movimento artístico francês do século XX – de Henri Matisse e Pierre Bonnard. Contrários ao padrão de rigor técnico clássico, os pintores manifestavam suas personalidades por meio das pinceladas cheias de textura e pouco refinamento que tanto inspiram o fotógrafo. Mas não somente de artes plásticas sobrevive o imaginário. Na literatura, a escritora Clarice Lispector e poetas como João Cabral de Melo Neto e Fernando Pessoa engrandecem o repertório.

Em destaque, o nome por trás dos subtítulos contidos nessa matéria: Caetano Veloso. “João Gilberto morreu e foi horrível. Porém, digo pros meus amigos que quando o Caetano se for, eu vou precisar de um mês de luto por não saber mais o que fazer. Cada vez mais me conecto ao trabalho dele e a ele como pessoa. É muito forte pra mim e considero esse homem o maior brasileiro vivo e meu artista favorito. Já fotografei ele e fomos apresentados algumas vezes, mas sempre pareço uma criança sem saber o que dizer. O mundo inteiro nunca vai saber o quão grande ele é até o momento em que não mais estiver”, diz. De acordo com o fotógrafo, a obra de Caetano fez com que a reconciliação com sua nacionalidade fosse possível, uma vez que sempre teve pouquíssimos amigos brasileiros em Nova York e se sentia distante de seu país de origem. Reconfortante e visionária, a música do artista faz pensar adiante.


Foto: Marcelo Gomes | The New York Times

Se você pudesse registrar um futuro mais solar por meio de uma fotografia, como seria?
Quando você me perguntou sobre isso, a primeira coisa que me veio à cabeça foi um filme dos anos 1980 que fala sobre amor entre jovens no verão sueco. A estação na Escandinávia é algo que nunca explorei, mas tenho vontade de experienciar aquele absurdo de luz até duas da manhã. Minha fotografia retrataria, em contraluz, muitos amigos de vários lugares do mundo bebendo vinho em torno de um lago na Suécia, com uma mesa farta de comida.

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