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Marina Sena: com pelos e sem pudor, a cantora do sertão mineiro que quer conquistar o mundo

Por
Lilian Kaori Hamatsu
Em
28 junho, 2019

De ascendência indígena e cabocla do sertão, Marina Sena equaliza os ambientes com uma voz melodiosa que ecoa sem esforço. Nascida em Taiobeiras, cidadezinha do interior de Minas Gerais, abandonou a escola sem finalizar o ensino médio pra viver de cantoria. Aos 22 anos, transita entre Montes Claros e Belo Horizonte na intenção de expandir suas fronteiras. “Conviver com pessoas que não são do norte de Minas me fez enxergar que é exatamente de lá que eu sou”, diz. Libriana e apaixonada pela vida, ainda garante: a mesa do bar é uma boa sala de aula e Maria Mariana, sua amiga historiadora com nome de protagonista de novela mexicana, a melhor professora. A seguir, toda essa irreverência:

Como foi trocar Taiobeiras pelo mundo?

Em Taiobeiras só existia pagodão, sertanejo e as bandas de metal, onde eu colava frequentemente. As únicas músicas autorais por lá eram as do Swingão do Gueto. Eu era fã, ia em todos os shows, sabia todas as letras, acho orginal pra caralho até hoje e me representa muito. Na época eu achava que só dava pra viver de música tocando esses estilos, não sabia que existia cena underground e alternativa. Para mim, ou tu era Caetano Veloso ou era um ninguém. Aos 17, fui passear em Montes Claros e tava tocando blues em um pub. Nunca tinho visto aquilo na minha vida, fiquei emocionada, liguei pra minha mãe e falei que queria morar por lá e viver disso.

Qual é a sua relação com Montes Claros, essa cidade pra onde você se mudou no intuito de fazer música?

Vou passar duas horas fazendo propaganda, alguém me segura. Minha paixão é de lá, a capital do norte de Minas, a periferia da periferia que dizem que é pobre. Na realidade, acho um lugar riquíssimo. É o Brasil profundo, um aglomerado de pessoas em uma cidade pequenininha com apenas dois shoppings. Montes Claros valoriza a cultura, a história, os tropeiros que passavam por ali, os catopês, o movimento negro. Agradeço o tempo todo por ter passado por um lugar que é tão importante para a formação social de uma pessoa. Essa terra me ajudou muito a enxergar melhor as minorias, distinguir oprimido e opressor. Fizeram a gente pensar que era pobre pro colonizador chegar e plantar um monte de eucalipto. Estamos nos reafirmando, ocupando nosso espaço e dizendo: “não vem colonizar a gente não porque nós somos muito mais nós do que ocês”.

O que te influencia a compor além do universo musical?

O que mais me inspira são as minhas vivências. Principalmente o sertão de Minas Gerais que é de onde venho e as coisas do cotidiano. Apaixono, faço música. É assim.

No momento, o que não sai da sua playlist?

Ultimamente o primeiro álbum de Djavan, só voz e violão. É uma pedrada, você vira e fala: “nossa senhora, queria que meu primeiro disco fosse assim”. Pra mim, ele é o maior hitmaker do país, o Michael Jackson brasileiro. Na minha playlist tem ele, Gilberto Gil e Gal Costa. Da cena mais atual é Duda Beat, Biltre, Lamparina e a Primavera…

Além da música própria, você toca em outros dois grupos: a Banda da Lua e o Rosa Neon. É difícil abrir mão da individualidade em prol do trabalho coletivo?

Sempre tive dificuldade em compor com outras pessoas porque considero minhas músicas muito boas. Aí quando alguém apontava alguma coisa antes, eu pensava: “jura que você vai dar pitaco? Não faça isso”. Uma vez mudaram toda a minha composição e fiquei emburrada, mas passou meia hora e eu percebi que tinha ficado ótima. Cedi. Nesse dia percebi que precisava me libertar e compor junto, aceitar outras ideias e abandonar o egoísmo.

Em julho o Rosa Neon estará em Portugal e na Alemanha para algumas apresentações. O que você espera do verão europeu?

Que seja um verão de verdade, bem montes-clarense: de 40 graus, sem vento e aquele solzão queimando a pele.

Você tem uma relação muito forte com o verão, que é cenário recorrente nos seus clipes e composições. De onde veio essa paixão?

Em Montes Claros é muito calor, todo mundo anda quase de biquíni. Pra você ficar pelado por lá, nossa, você tem que estar muito pelado porque a galera já anda meio que sem roupa. Como é muito calor, o povo gosta de rebolar, dançar muito e viver livre. Sou apaixonada por isso.

Você parece ter uma relação muito própria com seu jeito de vestir. Costuma mudar radicalmente?

Se eu te mostrar uma foto minha de dois anos atrás você não reconhece. Meu estilo era saião, flor no cabelo e tropicália. Quando raspei meu cabelo, fiquei mais boyzinho e não conseguiam distinguir se era homem ou mulher. Agora que ele tá crescendo de novo, já dá vontade de deixar o andrógino pra usar costas nuas.

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Então o seu cabelo tem uma influência forte na maneira como você se expressa?

Total. A maioria de minhas músicas fala em pelos e cabelo. Nada em mim é depilado, meus cabelos crescem livremente. Tenho a impressäo de perder a força quando corto, é a ideia de Sansão e Dalila. Sou tão apegada que quando depilo o sovaco, logo penso: meu Deus, tô muito feia, perdi tudo.

Essa relação com a estética parece muito forte e confortável pra você. Sempre foi assim?

Não, na verdade ainda estou no processo de aceitação. Hoje, quando estou com vergonha de alguma coisa no meu corpo, paro e falo: “não, isso não é seu, vai firme mesmo que isso te incomode, aguente pra se libertar”. Quando eu morava em Taiobeiras, nem a barriga mostrava. Morria de vergonha do meu umbigo que é pra fora. Já no meu primeiro show, lancei uma saia e um top. De lá pra cá só fui piorando, certa vez me apresentei de calcinha e sutiã. Agora penso que um dia ainda vou subir no palco pelada e aí eu quero é ver!

Existe alguma palavra pela qual você nutre um carinho especial?

Tem três. ‘Maluvida’, que ouço minha avó falar desde que eu era criança e representa aquela pessoa que não escuta ninguém, que é mal educada. Particularmente me identifico porque sou esse ser que entra na casa dos outros e já pergunta: “oi, tem comida?”, que senta de perna aberta e incomoda as pessoas cheias de etiqueta. Sou do interior e quando vou pra capital sei quando alguém está pensando “lá vem a da roça”. Perto dessa gente, começo a falar mais errado do que já falo só pra pirraçar. Outra palavra que amo é ‘peleja’, gosto muito da sonoridade de “pelejei para fazer num sei o quê”. E ‘moss’, a abreviatura do povo das Gerais pra moço. Não satisfeitos em abreviar a palavra, ainda abreviamos a abreviatura: “pega isso ali pra mim, ô m”.

O que acha disso de falar errado, não seria essa uma expressão da sua própria linguagem?

De acordo com a língua portuguesa padrão, é errado. Mas eu amo, é o jeito mais certo de se falar na minha opinião. Se quem tá ouvindo não entender, sem problemas, eu explico. Problema nenhum em ensinar.

Em pouco tempo de carreira você conquistou muitos espaços, fez amizades importantes e já coleciona histórias divertidíssimas. Você pode explicar como foi parar na festa de aniversário da Anitta?

Uma amiga montes-clarense é produtora de cinema no Rio de Janeiro. Ela me apadrinhou e, inclusive, foi quem me ajudou a gravar com minha primeira banda no estúdio mais caro da cidade. Um dia, Mariana Ximenes liga pra ela e diz: “tá rolando festa na casa de Anitta, aquela sua amiga que é muito fã dela não tem vontade de ir não?”. Saí direto de Montes Claros para o aniversário no Rio.

Qual é o vislumbre que você tem de um futuro mais solar?

Engraçado que eu estive pensando nisso vindo pra cá [no espaço do TSH na Vila Madalena]. Aqui é tudo tão limpo, tão arrumadinho, muito diferente de lugares onde já estive antes. Acho que um futuro mais solar é aquele onde as pessoas vão parar de viver uma utopia, de criar um mundo dentro de um mundo que é um lugar que não existe. No dia em que a galera enxergar a realidade das coisas e abandonar todo o ego muita coisa vai mudar. Você não vai mais olhar as pessoas de cima pra baixo, todo mundo equiparado vai se ver de igual pra igual. Esse é um futuro solar.

Fotos: Sarah Leal

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