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54 horas em Milagres: o roteiro perfeito de um Nordeste idílico sem axé, sem barraca de praia e sem aglomeração

Por
Adriana Setti
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A meio caminho entre Recife e Maceió, no estado do Alagoas, repousa um canto do Nordeste cuja vida ainda é como ela era: peixes-boi nadam livremente, o coqueiral só dá trégua na areia da praia e a vida segue no ritmo das charretes

A areia é fina e branca. A moldura? Um coqueiral sem fim. O mar está ora cheio e morno, ora vazio com piscinas naturais láááá na frente – afinal, estamos em frente a uma das maiores barreiras de corais do mundo, com 130 quilômetros de extensão. A meio caminho entre Recife e Maceió, no estado do Alagoas, repousa um canto do Nordeste que merece ser estudado em laboratório. Aqui não há barraca na praia, não há vendedores ambulantes, não há repentista, não há axé (ou pagode, ou forró, ou qualquer acorde). Aqui simplesmente não há – nem resort, nem hotelão, nem muita gente por perto. Há, sim, pequenas jangadas de madeira colorindo o horizonte aqui e ali; gostosas piscinas em pousadas cheias de charme pra alternar com os mergulhos no mar; lagostas sempre frescas e caipirinhas raiz feitas no capricho – de caju, de mangaba, de acerola. E uma lua cheia que insiste em nascer no mar só pra deixar tudo de repente ainda mais mágico.

O pequeno trecho entre São Miguel dos Milagres e Porto de Pedras, delimitado pelos rios Camaragibe, de um lado, e Manguaba, do outro, foi apelidado de Rota Ecológica não sem razão. Nesses 20 quilômetros de puro sossego, os peixes-boi nadam livremente, o coqueiral só dá trégua na areia da praia e a vida segue no ritmo das charretes, das bicicletas, dos programas de TV que são exibidos em praça pública como décadas atrás. Deixe em casa as baladas, as noitadas, o agito (que só acontecem, e com comiseração, no réveillon). Alugue um carro pra ter liberdade de circular pela região (praticamente não há transporte). Aqui a vida ainda é como ela era. Ou como deveria ser – porque uma cerveja artesanal, um bom expresso ou um pão de fermentação natural não fazem mal a ninguém.

DIA 1

17h
Mar quente, cerveja gelada

A Praia do Patacho, arroz de festa em vários rankings que elegem as praias mais bonitas do Brasil e do mundo, é amor à primeira vista, daquelas que inspiram sair correndo, se despindo e jogando a roupa pro alto para entrar correndo no mar. E aí vem a melhor surpresa: a água aqui não é morna, é praticamente quente. Ou seja: se jogue sem medo de ser feliz, mesmo se o sol já tiver se escondido atrás dos coqueiros. Depois do batismo, nada como entrar no clima com uma cerveja bem gelada – aproveite para conhecer a Deco Galerie, um espaço ultracharmoso de janelões turquesa e ares provençais idealizado pelo francês Christian Noviot, dono da Pousada Patacho, que fica em frente. O espaço é um mix de loja, café e espaço de exposições, com mesinhas providenciais para aquele relax no fim do dia.

20h
Mixira no prato!

Mixira, em tupi, quer dizer mistura. Talvez essa seja a melhor síntese da Aldeia Beijupirá, pousada toda inspirada nas tradições indígenas brasileiras, à beira-mar na Praia do Laje. É no restaurante (à luz de velas!) que o verbete se revela em sua melhor forma – pense em combinações de peixe com coco, canela e banana; camarões com gorgonzola, arroz de goiaba e bacon crocante; polvo ao leite de coco, perfumado com curry e farofa de cuscuz. Pra acompanhar, invista numa boa caipirinha de Sagatiba envelhecida – a de caju é imbatível. Independentemente da escolha, a sobremesa tem que ser uma só: cartola, um mix de banana frita com doses generosas de queijo, açúcar e canela. Pra se acabar sem pensar no biquíni nosso do dia seguinte!

Deco Galerie, a lojinha que é só inspiração em frente à Pousada do Patacho | Foto: Divulgação

DIA 2

9h
No meio do caminho tinha um coqueiro

O dia amanhece cedo por aqui – oficialmente o sol nasce antes das 5h. Madrugar nas férias é contra qualquer religião, mas programe-se para caminhar sem rumo pelas praias logo depois do café da manhã (dê uma olhada na tábua das marés – as águas precisam estar recuadas para se conseguir passar de baía em baía). Pelo caminho, é comum as companhias serem uma só: enormes coqueiros com as raízes expostas, que parecem correr em direção ao mar.

11h
Navegar é preciso

Sabe aquela imagem clássica e paradisíaca que estampa as vitrines das agências de viagem, de águas que variam entre o azul e o verde esmeralda, sempre transparentes, em Maragogi? Agora tire de cena a multidão de jangadas e turistas, acrescente uma pitada a mais de transparência e cardumes de peixes coloridos e pronto: bem-vindo às piscinas naturais do Patacho. Elas se formam a cerca de 2 quilômetros da praia e são o passeio mais imperdível da região. Com a água calminha pela cintura, é possível passar horas boiando e brincando de “terra à vista”. Prepare um cooler com cerveja ou vinho gelado e o dolce far niente fica melhor ainda. Os passeios costumam sair da Praia do Laje, onde os jangadeiros dão expediente. Procure pelo Beitolo (tel. 82 99340-6008) – além de narrar as mais fantásticas histórias de pescador, ele pesca peixes e lagostas enquanto você se diverte nas piscinas e depois prepara um belo almoço na areia da praia, com um molho de ervas mantido a sete chaves que é de morrer. Importante: marque o passeio com antecedência, pois os horários exatos das saídas dependem das marés.

Vista aérea das piscinas naturais do Patacho: um mar pra chamar de seu| Foto: Cristian Lourenço/iStock

16h
A vida como ela é

Recupere-se da orgia do almoço passeando pelas vilinhas da região. Minúsculas e donas de pouco mais que uma rua principal, São Miguel dos Milagres, Porto da Rua, Tatuamunha e Porto de Pedras são pontilhadas aqui e ali por um bonito casario do século 19 de fachadas em tons pastel. A vida corre devagar, com suas gentes nas janelas como estátuas ou sentadas à porta de casa, fazendo da calçada a sala de estar. A AL-101 é a principal artéria local – ficam às suas margens interessantes lojinhas de artesanato, caso da Sol Nascente, que vende de redes a luminárias e jogos americanos; da Artesanato Rústico, onde a dona Doralice esculpe lindas peças em madeira (os animais são incríveis); e da Toca do Tatu, com ares de Vila Madalena, onde a designer de interiores Kuka de Carvalho e seu marido, o inglês Michael de Carvalho Clifford, o DJ Cliffy, fizeram uma incrível curadoria de arte nordestina. Sabe aquele expresso que fez falta no almoço da praia? Aqui ele é providencial.

20h
Volta ao mundo à mesa

Logo na entrada, as mesinhas espalhadas pelo gramado do restaurante Amor são o convite perfeito a um vinho rosé português bem gelado. Pra acompanhar, a pedida é o brasileiríssimo tartarife, um tartar de rosbife com queijo coalho e cubinhos de palmito. Depois, na hora dos pratos principais, brilham as massas artesanais feitas in loco, à italiana. O raviolão de massa fresca recheado de camarões no azeite, coberto com molho de queijo, é especial. Detalhe: recentemente o restaurante começou a fazer o próprio pão de fermentação natural. Lázaro Ramos, Taís Araújo e Regina Casé são habitués na época do réveillon. 

DIA 3

Chalé Praia da Pousada do Toque: umas das primeiras e a mais querida | Foto: Divulgação

10h
A piscina do vizinho

A Praia do Toque, onde fica a Pousada do Toque, uma das primeiras da região (e ainda hoje uma das melhores e mais queridas) também tem as suas piscinas naturais incríveis. Chegue cedo à beira-mar, combine um passeio, faça nada sob o sol. Quando bater a fome, embrenhe-se pelas ruinhas de terra até chegar à maior joia da região: o restaurante da Renata e do Lucas.

13h
Almoço no quintal

Horta orgânica, coqueiros, hibiscos… É assim, literalmente no quintal que já foi da casa deles e frugalmente batizado de No Quintal, que os ex-fisioterapeutas paulistas Lucas Nogueira e Renata Amorim recebem os clientes. Tente pegar a deliciosa mesa debaixo da palhoça e prepare-se pra uma orgia. Pra começar, o suco de abacaxi com capim santo é uma perdição. Depois, a dúvida é escolher entre a salada morna de polvo ou o curioso carpaccio de melancia com rúcula e castanha de caju, como entrada. Entre os pratos principais, lagostins na manteiga de ervas com musseline de jerimum, bobó de camarão, carne de sol…O happy ending fica por conta da cocada de forno, cremosíssima, um pecado capital servido lindamente numa casca de coco.

17h
Happy Hour no Patacho

Cervejas artesanais ou gin tônica? Dadinhos de tapioca com geleia de pimenta ou saborosas empadinhas? O fim do dia na praia mais especial da região é mais gostoso no Empório Patacho Café e Artesanato, ideal pra abrir o apetite antes de um jantar pra lá de especial.

Peixe com berinjela da Xuê: cardápio muda de acordo com os ingredientes mais frescos do dia |Foto: Divulgação

20h
Grand finale

Com passagem pelas cozinhas do D.O.M e do Hotel Emiliano, o chef italiano Guido Migliorini dá asas à sua imaginação a poucos passos do mar no restaurante da sua Pousada Xuê. As receitas mudam de acordo com os ingredientes frescos do dia, mas algumas já viraram clássicos – é o caso do tartar de abacate com lagostim, servido com entrada. Há uma boa carta de vinhos para acompanhar as delícias que saem da cozinha. É fundamental fazer reserva com antecedência.

Foto de abertura: Praia do Patacho | Crédito: Cristian Lourenço/iStock
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