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Audino, o estudante que leva Nietzsche, Maquiavel e outros pensadores para a quebrada

Por
Fernanda Nascimento
Em parceria com

Aos 18 anos, o estudante de história traduz no YouTube conceitos complexos para uma linguagem acessível e democratiza o conhecimento que transformou sua vida.

“E aí molecadinha que nos assiste, primeiramente um forte abraço, um cheiro e um amasso. Audino Vilão aqui na voz, trocando umas ideias de mil grau”, se apresenta Marcelo Marques, sem economizar nos gestos ou nas gírias. Nos vídeos de seu canal no YouTube, Audino explica o empirismo de John Locke falando da decepção de encontrar feijão no pote de sorvete na geladeira e desenrola os conceitos de Immanuel Kant com comparações a um churrasco entre amigos. Traduzir a filosofia para a linguagem da quebrada é o objetivo do estudante de história que já foi assistido mais de 1 milhão de vezes desde meados de junho, quando postou o primeiro vídeo falando de Karl Marx em gírias paulistas.

Foto: arquivo pessoal

“A linguagem é a principal barreira que segrega”, explica Audino, apelido que já adotou como nome. “A filosofia foi escrita em línguas antigas e, quando foi traduzida para o português, os caras colocaram 300 mil palavras difíceis, que a galera pobre nem sabia que existia”. Morador da 019, como chama sua quebrada em Paulínia, no interior de São Paulo, ele percebeu que podia ajudar muita gente a questionar e refletir sobre seus problemas — afinal, “o que não falta na quebrada é problema”. “Quando um moleque de 15 anos que mora numa favela, não conhece nem o pai dele e estuda numa escola precária consegue entender um conceito extremamente difícil da filosofia, ele abraça aquelas ideias”, diz. “Ele vai parar na frente do espelho e pensar: onde aquele negócio que o Audino falou se encaixa na minha vida? E isso é muito importante. A filosofia vem pra mudar vidas”.

Aos 18 anos, o estudante conta que não entendeu muita coisa quando leu o primeiro livro de filosofia, ainda no Ensino Médio. Para decifrar “Crepúsculo dos Ídolos”, de Friedrich Nietzsche, ele precisou recorrer a resumos, vídeos e palestras de filósofos contemporâneos que admira, como Mário Sergio Cortella e Luiz Felipe Pondé — com quem, inclusive, participou de uma live algumas semanas atrás. Além de escolher conceitos que já estudou, Audino dá preferência aos assuntos cobrados nas provas do Enem e dos vestibulares. “Também estou fazendo esses vídeos para deixar a galera do EAD, da escola pública, um pouco mais em pé de igualdade com a galera da escola particular, que tem toda uma estrutura virtual pra estudar”, explica.

Dois meses depois de ver seu canal viralizar, Audino quer continuar inovando. Sua próxima empreitada — com lançamento previsto para quando alcançar a marca dos 100 mil inscritos — é um rap filosófico, que está produzindo ao lado do grupo Inquérito. “O rap sempre trouxe a questão da sociologia e da história, então isso consegue chegar na quebrada de uma forma acessível. Os Racionais MCs desde os anos 90 trazem pautas sociais sobre racismo, violência, segregação. Mas a filosofia, não”, diz. “Nunca vi uma música dissertando o conceito de maiêutica do Sócrates ou de amor do Tomás de Aquino”. Seja na música ou na resenha, ele quer ver chegar mais longe o conhecimento que transformou sua vida. “Não estou empobrecendo a filosofia, só estou deixando ela mais acessível”, afirma.

Ensinar é um sonho antigo de Audino, que já ouviu até da família questionamentos sobre a escolha de se formar professor. “O pessoal fala: você é maluco? Vai ganhar mal, ser maltratado”, diz. “Existe uma visão marginalizada da escola na quebrada e isso é uma barreira que impede o ensino de evoluir na favela. Os caras não botam fé que o aluno pode ser alguma coisa na vida, passar numa universidade. Mas não é bem assim”. Os comentários em seu canal, de pessoas dizendo que conseguiram refletir sobre a própria vida ou de professores que estavam desanimados e agora querem compartilhar seus vídeos em sala de aula, são combustível para ele seguir na missão. “Se você tem um conhecimento e consegue passar ele de forma acessível, faça!”, diz. “Conhecimento não tem classe social ou econômica. Conhecimento é para todos”.


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