Em seu aniversário de 81 anos, prestamos nossa humilde homenagem a esse compositor e pesquisador, um dos mais belos e profundos elos de conexão entre o Brasil e a África.
Nascido em Cachoeira, no Recôncavo Baiano, Mateus Aleluia trouxe novos ventos à MPB a partir dos anos 1960, ao integrar — com Dadinho, Heraldo e, depois, Badu — os Tincoãs, primeiro grupo a expressar amplamente a herança cultural dos povos africanos que constituíram a sociedade brasileira. Cordeiro de Nanã e Deixa a Gira Girá são algumas das maravilhas compostas pelo trio.

Faz música espiritual

Embalada por acordes de violão que arrepiam todos os pelos do corpo, sua voz de barítono faz algo remexer entre o estômago e o coração, invadindo a alma e nos colocando em contato com um “algo mais”.

“Os Tincoãs revolucionaram a música brasileira ao harmonizar o canto afro-religioso. Representam um Brasil insurgente que, apesar de ser vítima dos piores males coloniais, nunca deixou de produzir beleza. É uma fonte inesgotável de inspiração pra mim, ainda mais agora, quando o país está vivendo um momento de reconhecimento da cultura negra.”
Emicida, cantor, compositor e apresentador, em entrevista ao The New York Times
É ponte entre Brasil e África
Em 1983, Mateus Aleluia embarcou com os Tincoãs rumo a Angola pra acompanhar Martinho da Vila em um show — e só voltou 20 anos depois. Na capital angolana, encontrou “uma outra Bahia” que o fez aceitar a si mesmo. Nessas duas décadas, dedicou-se à pesquisa sobre a ancestralidade musical pan-africana do Brasil.

É nesse Shangri-La dourado
Que sonho já de outras vidas
Sereia nesse mar de sonhos
Bailando em ritos coloridos
Luanda, mistério
Resgatou-me a vida
Só
Quando eu vim pra esse mundo
Eu mostrei minha cara
Sem marcar bobeira
Cantei o meu canto
E fiquei por cá
Coisa castiça
Coisa tão bonita
Coisa tão faceira
Cantei o meu canto
E vi Luanda
Letra de Fogueira Doce (2017)
Só melhora




No retorno ao Brasil, inspiradíssimo, deu continuidade à sua trajetória artística em carreira solo e lançou os álbuns Cinco Sentidos (2009), Fogueira Doce (2017), Olorum (2020) e Afrocanto das Nações 1 (2021), indicado ao Grammy Latino. Feche os olhos, aperte o play e decole.
É aula de antropologia

Desde 2020, Mateus Aleluia desenvolve o projeto Nações do Candomblé, dedicado a refazer as pontes entre as matrizes musicais do culto do candomblé e os cantos sagrados africanos. Afrocanto das Nações 1 é o primeiro volume da tradução dessa pesquisa em álbum.

“Tento falar a língua do meu interior. Muita coisa que eu quero dizer, não consigo com palavras. Nosso vocabulário é pobre, não acompanha. Então, procuro a linguagem dos orixás, dos vodus, a língua dos anjos. E sai como se fossem vocalizes. O que é isso? Eu não sei, mas minha alma sabe. E quem escuta sente.”
Mateus Aleluia em entrevista a Pedro Bial (Conversa com Bial)
Crédito da imagem de abertura: Vinicius Xavier / Divulgação