People

O projeto que celebra a arte dos encontros e da estrada

Por
Mariana Caldas
Em
5 junho, 2015

Ana Luiza Gomes é dessas que coloca a alma em tudo o que faz. Ela é designer e quando sua avó Josélia estava perto de completar 90 anos, decidiu fazer um livro sobre sua vida e fazer uma surpresa no dia do seu aniversário.

As estampas que fez para o projeto acabaram trazendo a inspiração para o blog “A Pattern A Day”, que ela lançou em 2009. De lá pra cá, criei vários projetos autorais inspirados na minha avó. Entre eles, o ‘Vovó me Inspira’, em que recebi cartas de netos apaixonados de todo o Brasil, compartilhando suas trajetórias”, conta Ana.Screen-Shot-2013-02-15-at-9.01.09-AM-500x330 O seu mais novo projeto em homenagem a vovó Josélia chama-se Andarilha. Uma plataforma que se propõe a traduzir o cotidiano em criatividade, contando histórias de quem, assim como ela, também busca inspiração em suas trajetórias de vida e família. Um cantinho de aconchego, que uma vez por mês trás um novo encontro e junto com ele um novo universo de possibilidades.

Mais do que tudo, o Andarilha é sobre a compreensão de que, no fim, não importa o destino. É no caminho que a vida acontece. E feito uma colcha de retalhos, mergulha em um Brasil que é profundo em cada pequena sutileza e mostra que, como diria o escritor Mia Couto, “a viagem não começa quando se percorrem distâncias, mas quando se atravessam as nossas fronteiras interiores.” Conversamos um pouco com Ana sobre suas novas andanças e foi lindo.

Em que momento da sua vida o “Andarilha” nasceu?
Depois de um encontro com duas primas, decidimos fazer um livro sobre a história de vida da minha avó Josélia como uma surpresa no seu aniversário de 90 anos. Para este trabalho, desenhei diversas estampas. Foi quando comecei um primeiro blog, o A Pattern a Day, que nasceu das minhas pesquisas sobre estamparia, moda, design e arte. De lá para cá, criei vários projetos autorais inspirados na minha avó. Entre eles, o “Vovó me Inspira”, onde recebi cartas de netos apaixonados de todo o Brasil, compartilhando suas trajetórias. Comecei a pesquisar o Brasil por meio das pessoas e seus cotidianos. Como alguém que se inspira na história de sua família para criar projetos de conteúdo e pesquisa; no Andarilha, vou em busca de conhecer pessoas que também têm como referência sua própria cultura e suas trajetórias de vida e família para criar.

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Qual foi a sua maior motivação?
Durante o ano passado, trabalhei entrevistando diversos artistas brasileiros e curadores, sempre questionando o processo criativo de cada um. Minha grande motivação é fazer um projeto que traduza o cotidiano criativamente. Por isso, continuo a investigar os processos, as andanças, a caminhada, as escolhas de rumos. Como apaixonada por arte e cultura, isso me move. Meu mapa é o humano. No centro, estão os saberes: conhecimentos e modos de fazer enraizados no cotidiano.Como protagonistas, os criadores: atuantes na construção de uma memória afetiva comum. Minha língua, aliás, é o afeto.Meu tradutor são as diversas formas de expressão: arte, música, gastronomia, fotografia e audiovisual.

Me conta um pouco sobre a sua vó…
Minha avó nasceu em Angicos, no Rio Grande do Norto; morou em Recife, depois veio para Minas pelo Rio São Francisco, morou em Belo Horizonte, Brasília, e um bom tempo em Cuiabá, onde passava os finais de semana em uma casa na Chapada dos Guimarães.Ela foi costureira de vestidos de noiva, teve um armarinho, foi cozinheira de mão cheia, sempre cantarolava para mim algum versinho… Falando assim parecia um doce, mas era uma rapadura. Mole nada. Temos uma sintonia (por sonhos ainda; por aqui nos despedimos em 2012) muito forte. Sou sua pipoca. Ela é meu suspiro.

Me lembro que em seu último aniversário, enquanto eu tentava ainda ter sua atenção com tantos bisnetos disputando colo, lá fora meu pai brincava com meu sobrinho igual criança e ali surgia um novo avô. Acho que o renascimento que envolve a relação de avós e netos nos permite o tempo para brincar, para o lúdico, para criar. Esse tempo que a contemporaneidade veio engolindo e que busco resgatar no Andarilha.

Das andanças da minha avó, herdei primos pelo País. Herdei a mania de ouvir diferentes sotaques na mesma família. Herdei as longas viagens de ônibus. Herdei a vontade de ser Andarilha.

Quais foram as maiores alegrias desde que o projeto começou?
Ele foi lançado recentemente, mas as pessoas são sempre minha grande alegria. Desde aquelas que conheço nos papos até aqueles que fazem o Andarilha comigo, como o ilustrador e músico Bruno Nunes, o multimídia e também músico Viquitor Burgos, o programador e grande amigo Bruno Tomé, minha jornalista e apoiadora Cecília Garcia e a minha referência para projetos de pesquisa e curadoria, Adélia Borges, com quem trabalhei recentemente. Poder ter o apoio de pessoas para fazer um projeto autoral é motivo de sobra para muito alegria!

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Quais os encontros mais inspiradores?
No Andarilha, compartilho só encontros que me inspiram muito. Por isso mesmo os meus relatos são mensais. Talvez o mais marcante até então tenha sido o do Costinha, músico e poeta alagoano que resgatou seu oito baixos após anos de luto para tocar para o Andarilha. A música é na minha vida este constante lembrete de que sempre é possível renascer. Compartilhar este momento com o Manoel foi um reencontro comigo mesma, foi uma certeza que estava no caminho certo.

Achei muito lindo este conceito de inspiração pela família. Em tempos de tanta informação não se fala muito no resgate das nossas próprias raízes. Pra você, qual a importância dessa conexão com a nossa própria história?
Autoconhecimento. Estamos tão voltados a buscar sempre externamente aquilo que nos é referência que esquecemos que nossa própria caminhada e nosso próprio cotidiano são fontes de inspiração tão importantes.

Selma, uma arte-educadora que conheci pelo Andarilha, me deu um mantra para o projeto quando disse: “não pertenço a lugar algum, o meu território sou eu e percorrê-lo já é uma caminhada infinita”.

Andarilhos são assim. Vivem o caminho. Buscam, em sua família, inspiração. Em sua cultura, referência. Em si, trajetória.

O que mais te inspira na vida?
A arte, sempre.

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