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Sem luz, câmera ou ação: quem sabe, faz ao vivo

Por
Eloá Orazem
Em
26 fevereiro, 2016

O intervalo entre a chegada e a partida é cada vez maior, porque uma coisa é atravessar uma avenida ou uma noite, outra é atravessar um país e uma história. Mas não se preocupe – cedo ou tarde, ele volta: vira-lata sabe bem o caminho de casa, só não tem data e nem horário marcado para chegar. E não adianta o conforto da cama, comida e roupa passada, porque nada o prende por muito tempo. Sempre foi assim, desde criança. Veja você que Raul Aragão, 30 anos, nasceu em Recife e criou-se no Rio de Janeiro, mas depois que atendeu aos chamados das ruas, não parou mais: tudo é escala nesse mundo de conexões que o fotógrafo mezzo carioca, mezzo recifense criou para si. Nômade puro-sangue, Raul não tem destino final, mas registra suas intermináveis idas e vindas em cliques coloridos, espontâneos e inspiradores – tudo sem flash, claro, porque quem precisa disso quando se tem os melhores verões nas pontas dos dedos?

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Que honra tê-lo no Brasil!
Tenho viajado muito, eu sei, mas essa é a melhor época para me encontrar em casa, porque é verão aqui no Brasil e tem um monte de coisa rolando, enquanto o resto do mundo está parado.

Sua vida sempre foi esse viajar infinito mesmo?
As pessoas acham que eu comecei a colecionar carimbos no passaporte há pouco tempo, graças ao I Hate Flash, mas a verdade é que eu sempre fui assim. Para você ter uma ideia, no álbum de formatura do colegial, meus amigos todos aparecem em fotos “sérias”, com planos traçados, e eu apareço de mochila nas costas e com uma placa escrita “Peru” nas mãos, porque em vez de me preocupar com o vestibular, eu fui viajar – fui lá pro Peru mesmo.

Mas você acabou prestando vestibular e cursando faculdade?
O único vestibular que eu passei foi design, na ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing), aqui no Rio. Depois de 6 meses na faculdade, dei um tempo e fui morar em Nova York, com uma mão na frente e outra atrás. O dólar estava quase 3 reais. Fui morar lá pra trabalhar ilegalmente – e fiz um pouco de tudo: fui barman, barista e dog walker. Fui demitido umas três vezes, morava num gueto, a duas horas de Nova York. Passei muito perrengue, mas cresci muito como pessoa – e foi lá, ainda que comprei a minha primeira câmera e comecei a praticar.

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E a fotografia surgiu do nada, por acaso mesmo?
Cara, minha mãe sempre me empurrou fotografia, porque ela ama essa arte, apesar de ser médica. Eu sempre soube que queria uma profissão criativa. E embora eu seja formado em design, sei que é uma profissão que pede organização e eu sou muito outdoor, não sou do escritório. Eu preciso estar na rua, eu frito num lugar fechado. Reconheci na fotografia um estilo de vida e uma profissão que poderia se moldar a mim, e não o contrário.

Existe um gap importante entre querer e poder. Você comprou sua câmera, mas como começou a ganhar dinheiro com isso?
Depois de morar em Nova York pela segunda vez, passei seis meses morando na Austrália e, de lá, me mandei para o sudeste asiático, com a clara intenção de mergulhar na fotografia mesmo. Passei pela Índia, Nepal, Tailândia, Laos, Camboja… Fiz um mega mochilão com a câmera na mão. Na volta ao Brasil, organizei uma exposição e isso me deu alguma projeção, tanto que fui chamado para participar de um projeto da Marinha, que a minha mãe era coautora, e eu fui fotografar no Haiti, no pós-terremoto e, com a ONU, fotografar a estação Comandante Ferraz, na Antártida, a base que pegou fogo depois de dois anos. Para deixar tudo mais rentável, abri minha própria empresa de fotografia de casamentos e eventos.

Então tudo já estava bem redondo quando você entrou para a equipe do I Hate Flash?
Tinha acabado de sair de uma agência de marketing esportivo que tinha fundado com o meu cunhado. Confesso que fiquei um pouco “assim” com a ideia de voltar a fotografar festinha, e naquela época o I Hate Flash era só um site. Mas o tempo foi passando e eu apliquei toda a minha expertise e experiência nessa nova empreitada. Paralelo a isso, a gente pegou a onda das festas que começaram a sair das boates para se apropriarem de outros lugares. Embora crescíamos da porta para fora, continuávamos bem amadores da porta para dentro – a gente tinha que comprar nota para atender clientes como a Petrobrás, para você ter ideia! Finalmente resolvemos abrir empresa e fazer tudo direitinho, porque a gente estava entrando em outros mercados, como o publicitário.

Você arrisca tentar racionalizar o sucesso do I Hate Flash?
Hoje o alternativo toca funk e o playboy toca o indie, e eu acho que a gente foi o catalisador de muita coisa. O público AAA quer ser cool também e, às vezes, a única coisa cool nas festas era o I Hate Flash – porque, cá entre nós, um monte de cara com camisa polo erguendo taça de champanhe não dá, não é legal.

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E rola muita inveja?
Acho que ego é inerente a qualquer profissão criativa. No começo do I Hate Flash, eu tava fotografando algum barzinho ou evento na zona sul e um cara que estudou comigo chegou com aquela roupa de escritório perguntando: “Raul, que você tá fazendo, cara, fotografava festinha? Você estudou na ESPM!”. E eu dizia: “Não é todo mundo que chega lá, né?”. E é foda, porque, meses depois, o cara me contrata pra alguma coisa e ele vê que eu levo a vida que ele quer levar.

Então você sente que chegou lá?
Nem tudo são flores, claro. Quem vê o meu Instagram (@raularagao) ou do I Hate Flash (@ihateflash) não sabe que meu ombro tá dilacerado, minhas costas estão fodidas e meu cotovelo também. Viajei, trabalhei muito e não me cuidei – tô pagando caro por isso. Mas muito além das questões físicas e do excesso de trabalho, eu tenho pensado mais mesmo é em questões internas.

Quais questões são essas?
Ano passado eu fui ao Vale do Silício três vezes e ouvi muita coisa. O americano é pragmático, os caras fazem acontecer. Eu absorvi muito tudo aquilo. Não tem como ser medíocre. There is no free lunch. Eu não me aceito mais num determinado nível e não aceito voltar. Sou muito inquieto e até meio insatisfeito – o que não é ingrato, porque eu valorizo muito a minha vida. Mas sempre fico pensando no próximo passo, para onde ir.

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E você tem investido nessa direção?
Sempre considerei viagem um investimento, mas sei também que ela pode ser uma grande armadilha, quando ela não tem propósito algum. Viajar pra tirar selfie, para ir pra balada e tomar droga… Conheço uma porrada de gente que viaja o mundo inteiro em busca da próxima night, e eu te pergunto: o que essa pessoa tá acrescentando na vida? Essa pessoa nem tá ligada na música, não tá ligada na tendência. Eu acredito na pesquisa, na imersão.

Qual viagem sua foi a mais marcante?
Nossa, foram várias. Mas a Índia me marcou muito pela espiritualidade. Japão e Israel também foram memoráveis.

Pensa em morar fora?
Eu trabalho muito bem na pressão, no fast-paced, então sei que me criaria em Nova York, e toda vez que vou pra lá, faço muito contato e tenho grandes oportunidades de trabalho. Penso em morar lá, sim, só que antes de me mudar, preciso ter tudo aqui muito redondo.

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Você se cuida bastante?
Tenho tentado respeitar mais o meu corpo e tentado dormir mais à noite. Há três meses deixei de comer carne vermelha. Assisti o documentário Cowspiracy, produzido pelo Leonardo DiCaprio, e achei bem impactante. Talvez possa parecer insignificante que uma pessoa tenha decidido parar de comer carnes vermelhas, mas pelo menos estou diminuindo a demanda. E, pra ser sincero, nem sinto falta de picanha ou steak – mas tenho saudade de um bom prosciutto! A mudança, porém, tem valido a pena: sempre enfrentei a sonolência diurna; só ficava ativo por volta das 6 da tarde. Depois que eu cortei carne vermelha, isso acabou. E, quer saber? Acho bom colocar umas restrições na vida para ter disciplina.

E o que fazer com toda essa disciplina, essa vivência internacional e conhecimento técnico?
Quero, num futuro próximo, ser acelerador de pessoas e projetos. Sei que é muito importante correr atrás dos próprios objetivos e ralar pesado para atingi-los, mas eu tenho plena consciência dos meus privilégios. As oportunidades são o que nos leva até o sucesso, e elas não são distribuídas de maneira justa ou igualitária: o caminho é bem mais fácil quando se tem a pele branca e os olhos claros. Abocanhar uma boa chance profissional depende do seu talento e competência, da sorte e daquela cota genética que lhe foi entregue no nascimento. Meu sonho é poder ajudar as pessoas e ser um facilitador; um acelerador de sonhos.

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