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So(y)frida: você pensa que é bonito ser feio? Não é. Mas é muito mais barato

Por
Eloa Orazem
Em
21 agosto, 2015

Tô tão feliz que a Frida Kahlo tá bombando mundo afora, gente, porque ela me salva da solidão todos os dias.

Não recorro à mexicana por sua genialidade e talento, mas por sua aparência mesmo: estamos nos tornando quase gêmeas.

É que qualquer tratamentinho estético nessa Los Angeles superfaturada custa uma pequena fortuna.

Cheguei nessa terra toda montada, com unhas feitas, sobrancelhas bem desenhadas, depilação em dia e cabelos “naturalmente” saudáveis.

Mas a natureza não perdoa a alta do dólar e a fratura exposta da minha conta bancária, e logo abriu alas para a Betty, A Feia, que há em mim soltar a franga e os frangalhos que eu ainda insisto em tentar varrer pra baixo da maquiagem.

pobre e feliz_bety a feiaEu, a Feia

Num misto de indireta e bem querer, ganhei de aniversário um voucher para fazer as unhas. Manicure e pedicure nessa terra custam, em média, 40 doletas – com a gorjeta inclusa (e não adianta reclamar, que se você não der tip, todo mundo te olha feio, mais feio que o espelho!).

Para fins de comparação, em São Paulo, eu pagava cerca de 35 reais pelo mesmo serviço.

pobre e feliz_chorando

Fui ao salão três dias depois de assoprar as velinhas e fiquei pensando em que momento pediriam o meu passaporte, porque em algum lugar entre a minha casa e o centro de beleza, eu cruzei a fronteira com o Vietnã e não percebi.

TODAS as pessoas que ali trabalhavam vinham do pequeno país asiático – mulheres e homens.

Aparentemente a simpatia não embarcou com a galera, que trabalha num ritmo acelerado.

pobre e feliz_feia

Sentei numa poltrona superconfortável e uma moça de uns 20 e poucos anos assumiu os cuidados da minha mão enquanto uma pobre senhora foi incumbida da missão de ajeitar os meus pés. A mais jovem até puxou papo, num inglês difícil de entender.

Falamos brevemente sobre amenidades até que ela perguntou sobre o meu visto.

Aparentemente, se você não é cidadão americano, esse papo de visto marca presença em toda e qualquer rodinha de imigrante.

Expliquei a ela sobre o meu visto de imprensa, ela sorriu e logo “anunciou” aos seus colegas na sua língua materna – entre aspas porque eu não tenho ideia do que ela tava falando, mas só podia ser sobre isso, né?

Rolou um silêncio meio constrangedor (pra mim) e o gelo só foi quebrado pela coitada aos meus pés:

– Você quer lixar a planta do pé, senhora? – perguntou.

– Eu quero, sim, por favor.

– São cinco dólares a mais.

– Ah, então não sei se dá, porque eu vim sem a minha carteira. Trouxe só aquele voucher de 40 dólares e a gorjeta tá inclusa nesse valor.

– Então não vou lixar.

Fiquei meio indignada que aquele serviço não estava incluso no tratamento de pedicuro, como acontece no Brasil, mas fiquei ainda mais indignada que as duas começaram a conversar no idioma vietnamita e a rachar o bico.

pobre e feliz_sonho meuSonho meu

Aparentemente a minha pobreza é uma piada pronta – ou talvez elas estivessem rindo dos meus calos gigantescos: “menina, olha isso aqui, parece o Everest!”; “diz que é jornalista, mas trabalha é nazobra aqui de Los Angeles”; “cê acha que é travesti? Olha esse cascão, isso não é coisa de mulher, não!” – imaginava eu, constrangida com as minhas falhas genéticas.

Vinte minutos depois de começarem os trabalhos (a Inha, minha manicure cativa, leva uma hora pra fazer o mesmo), as vietnamitas cobriam as minhas unhas com uma mistura que só pode ser de leite ninho, porque, olha, eu nunca vi um esmalte esfarelar daquele jeito.

Pronto, agora que as garras estavam apresentáveis, era só cuidar de todo o resto para voltar a ficar parecida com outro ser humano, mas, como disse antes, terceirizar os serviços estéticos é abusar da boa vontade (e do limite) do cartão de crédito: 100 dólares pela depilação, 50 dólares para tirar a sobrancelha e 250 dólares para cuidar da juba. Somando tudo isso a gente percebe que é mais fácil terceirizar a beleza toda e pagar pra alguma mina gata se passar por você.

Sem um terço dessa grana, a gente tem que se virar como pode. Cacei a pinça presa lá no fundo do estojinho de maquiagem e me pus na linha de frente do espelho.

Respirei fundo e comecei a guerra contra a feiúra.

Perdi.

Tomei uma lavada: um 7 x 1 violento.

Além de desiguais, as minhas sobrancelhas me garantiriam o papel da Alex Vause em Orange Is the New Black, porque as sobrancelhas da Laura Prepon são de chorar, e as minhas estavam iguais.

pobre e feliz_alex vause credo sobrancelhaOi

Mas eu fico ainda mais feia quando choro, e eu precisava dar férias ao espelho.

A depilação a cera foi substituída pela boa e velha gilete e agora eu posso lixar as unhas nas minhas próprias pernas, olha que legal. NOT.

El bigódon est tombée com a ajuda de um creminho santo que eu trouxe do Brasil, mas já já a bagaça vai acabar e a tia Betty, A feia, vai vir tona mais uma vez.

pobre e feliz_eu sem fazer a barbaEu sem fazer a barba

Sentir na pele (e na autoestima) o efeito desse capitalismo selvagem do mercado estético me fez ter a certeza de que beleza não é uma questão de talento, é uma questão de débito ou crédito.

Só não custava nada ela aceitar fiado também, né?

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