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Teodoro Bava quer salvar o planeta — uma bituca por vez

Por
Lilian Kaori Hamatsu
Em
28 agosto, 2019

Imagine só: enquanto caminha pela Avenida Paulista em um dia nublado, alguém joga uma bituca de cigarro no chão. Nada de extraordinário para quem vive na cidade e – infelizmente – interpreta a situação como cotidiana. De repente, entra em cena Teodoro Bava e a noção de civilidade que o leva a tocar o ombro do indivíduo e dizer: “desculpe, acho que você deixou cair isso aqui”. Aos 21, ele não é mais o menino que trocava desenhos animados por programas documentais da Discovery e do Animal Planet. Até a publicação dessa matéria, também não é o adulto que já concluiu a faculdade [de relações internacionais, que nem pensava em iniciar lá em 2016]. Alheio ao tempo, mesmo que parte dele, Teo divide a vida entre o trabalho na Reload – empresa que vende xampus em garrafinhas de água reutilizadas –, a carreira como modelo e as recorrentes sessões de terapia comportamental que frequenta por pensar demais em como salvar o mundo a longo prazo. Em uma tarde cinza, batemos um papo sobre tudo isso:

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Paulistano acostumado com a vida urbana, de onde veio a sua conexão com a natureza?

Inicialmente dos programas que eu assistia durante a infância e me faziam entender um pouco mais sobre o assunto. Depois do contato com a terra e os animais nas fazendas da família. Hoje em dia, vem de dois importantes mentores que tive: o professor Marcus Nakagawa, com quem lancei a primeira campanha de marketing de causa na ESPM Social, e o Filipe Sabará, que me chamou para reinventar a Reload.

O que essas referências influenciaram no seu cotidiano?

Venho de uma família de fazendeiros que criavam gado pra corte, sempre visitei Goiás durante a infância e via o boizinho Rabicó. É muito difícil criar uma vida pra ser abatida depois. Não faz sentido pra mim. Em Gonçalves e Monte Verde, em Minas, tive muito contato com a natureza também por meio das fazendas. Fiquei por um tempo sem ir e a primeira coisa que fiz ao voltar foi colocar o pé na terra. Não sabia o quanto aquilo era especial e importante pra mim. Lembro com clareza de um dia em que estava caminhando com a minha mãe pelo bairro [Alto de Pinheiros], virei pra ela e disse: “mãe, posso te falar uma coisa? Tô pensando em parar de comer carne”.

E a sua jornada na Reload, como começou?

O Brasil é um país de muita gente que não tem oportunidades, então acredito que se você tem, vai lá e faz. Fui atrás de diversas startups pra participar ativamente de uma mudança e das quarenta propostas que enviei, recebi respostas de duas. Ambas pediam desculpas por não terem nada pra mim. Continuei procurando e achei uma plataforma de microcrédito, passei três meses lá e o Filipe Sabará me chamou pra reinventar a marca dele. A Reload nasceu do desejo de instigar a pensar o modo como produzimos, consumimos e descartamos. Nada se perde, tudo se transforma e enxergamos valor no lixão. É burrice jogar fora diariamente o que alguém desenhou, outra pessoa fabricou e teve todo um processo lento até chegar na sua mão. Nosso óleo de moringa vem da Namíbia, colhido e plantado por mulheres que usam esse trabalho para se livrarem de situações de violência e pobreza extrema. Muita gente cria pra ser menos negativo, nós queremos ser positivos. Não produzimos as garrafinhas, pegamos depois de usarem, higienizamos, mandamos como insumo para o fabricante e comercializamos o que seria descarte em forma de produto, prolongando a vida útil daquele material. A natureza é feita de abundância e não de escassez. Quem quer que a natureza dure pouco é a mesma pessoa que está atrás de fazer dinheiro imediato e perpetuar fortuna. Não queremos só que o comprador mantenha a garrafa como recipiente e coloque mais shampoo, mas também pretendemos colocar isso de volta no mercado caso ele não queira mais essa embalagem.

Como foi pra sua família acompanhar essas mudanças no seu estilo de vida?

Minha família é muito tranquila e super me aceitaram. Não só por desvincular minha alimentação dos insumos animais, como também quando me assumi. Foi um conhecimento novo, até então eu estava em um relacionamento com uma menina. Fui atrás de terapia, conversei com amigos e em nenhum momento fiquei com medo de contar pra ninguém. Tenho sorte porque minha família é super incrível e acaba que dei um exemplo. Quem é mais velho e vê a nossa geração dando tanta importância pra temas como esses acaba repensando o que era tão banal e cotidiano na visão deles.

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Você comentou que é apontado pelos colegas como o ecochato. Como você vê a nossa geração?

Nossa geração se mata cada vez mais. Somos bombardeados de coisas ruins, a mídia muitas vezes apresenta o problema e não mostra a solução. Aí ligo a televisão e quero me matar. Vivemos em uma sociedade caótica, de gente que coloca os filhos no vestibular para perpertuar o sofrimento que tiveram durante as próprias vidas. Já passei por uma angústia que muitas pessoas possuem e que as impede de transformar dor em inconformismo. É esse sentimento que faz você levantar a bunda do sofá e ser ativista, seja lá qual for o seu tipo de luta. Tem tanta gente que faz muito e não fala nada, não dá pra ser militante de sofá. Vejo uma galera indo atrás de empregos que não vão fazê-los mais felizes, só pra ir atrás de uma ideia social de sucesso. Nossa geração precisa dar a cara a tapa e arrumar o que foi feito de errado anteriormente.

O que você não teve tempo pra fazer ainda?

Nessa nova fase da vida, eu entendo que não adianta viver só de propósito e tentativas de salvar o mundo. Também é necessário cuidar de si mesmo. Faltou tempo pra eu pensar em espiritualidade e religião. Quero correr atrás disso. E estar com amigos pra ser sincero e livre ao falar sobre o que penso.

Quando você fala em cuidar de si mesmo, o que isso quer dizer?

Dar a devida atenção ao modo como você se alimenta e pratica esportes. Adoro nadar, bebo muita água e acredito que organização é essencial quando o assunto é cuidar de si mesmo. Desde que assumi uma alimentação plant-based, durmo muito melhor e minha recuperação muscular evolui rápido, além de uma maior disposição para trabalhar. Meu corpo é um organismo e precisei entender que o físico também afeta a mente. Por algum tempo, carreguei o peso do mundo nas costas e precisei retirá-lo para poder viver.

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Você acabou de retornar de um mochilão pela Europa. Quais foram os maiores aprendizados adquiridos por lá?

Fui com alguns dos meus melhores amigos e foi uma viagem de desentendimentos, reconciliação e muitos abraços. Nos aproximamos muito por conta dessa crise dos 21 [anos], de não saber o que cada um vai fazer da vida. Viajar em grupo me fez perceber que não comunicar nunca será a melhor opção, se você confia, compartilhe o que sente. Quando estava lá não queria nem voltar, mas chegando aqui decidi ficar. Valorizamos tão pouco a nossa terra que jogamos bituca de cigarro no chão, um negócio que te satisfaz por um pequeno momento e depois é problema de todo mundo. O entendimento que eles tem do valor de manter o lugar onde você vive limpo é algo que espero ver por aqui.

E os melhores lugares que visitou?

Em Amsterdã, aproveitei muito a minha própria companhia, fiquei bebendo vinho e pensando na vida e como é importante estar de bem consigo. Já em Turim, na Itália, fiquei andando sem parar e fazendo o exercício de imaginar as felicidades e problemas de cada pessoa que cruzava meu caminho. Ao invés de pensar o quanto o vagão é cheio durante a hora do rush, pensava em quantas histórias cabiam ali dentro. Meus melhores dias passei em Hvar, na Croácia, ao lado dos amigos e curtindo a beleza do lugar. A cidade que mais gostei foi Praga, antiga porque na guerra não foi destruída, com pessoas que não são as mais calorosas do mundo, mas que fazem parte de uma cidade super romântica. Moraria em Lisboa pelo ar, pelo clima, pela comida, pelo vinho e pela energia.

O que é desconectar?

Cozinhar, tomar um vinho, sonhar, beber cerveja com amigos e ser curioso ao perguntar da vida deles mais do que fala da sua. Me cercar de pessoas boas e viajar é o que me faz perceber que desconectei. Conversar me mantém vivo. Considero meus piores dias aqueles que fico o tempo todo no celular.

Com o que precisamos nos conectar?

Precisamos perceber outras pessoas para nos conectarmos. Dar bom dia e conversar mesmo com quem está presente no seu cotidiano e você não conhece intimamente é fazer da vida dessas pessoas melhor e da sua mais significativa.

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Teo, o mundo está mudando?

Acredito que em todos os lugares existe gente de boa e má fé, mas sim, tem uma galera mudando o mundo. Ou você fica na ilusão de que um dia tudo vai ser diferente, ou investe seus esforços em mudar todo dia as pequenas coisas que trarão uma real mudança. Talvez a mudança não seja tão rápida quanto esperamos, pelo menos não no nosso tempo de vida. Sempre teremos um tipo de satisfação própria, mas espero que não façamos nada só por nós mesmos e deixemos algo para os outros.

Qual é o seu vislumbre de um futuro mais solar?

Não sou apenas “ecochato”, como também sou gay. Navego em dois universos que poderiam fazer da minha vida muito mais difícil, mas faço parte de uma bolha e felizmente nunca passei por situações de preconceito. Não tenho a pretensão de ser perfeito porque vou ficar querendo, meu objetivo de vida é engajar pessoas para que sigam seus propósitos. Os meus são esses dois. No futuro, que não só estejamos em um mundo onde as pessoas vivem livremente, mas que vivam livres por si próprias e não por alguém. Nossas vidas, muitas vezes, se resumem ao que acreditamos ir de encontro às expectativas de outra pessoa. Não tem que ser assim.

Fotos: Mariana Valente

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