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Transpira, a festa performática, feminista e sem vergonha

Por
Fernanda Nascimento
Em
20 agosto, 2018

Amanda Grimaldi e Camilla Molica cantam funk feminista, promovem beijaço e distribuem panfletos com o passo-a-passo para lamber buceta na festa que organizam desde o ano passado

Prepara o glitter, o maiô e avisa suas glândulas sudoríparas que elas vão trabalhar bastante. Bas-tan-te, alertam Camilla Molica e Amanda Grimaldi. A Transpira, festa performática que as duas cariocas promovem desde o ano passado, é sobre feminismo, é sobre colocar a mulher como protagonista, mas é também sobre criar um universo sem censura, sem julgamento e sem opressão. “A gente brinca: venha como você quiser transpirar”, explicam. “É uma festa que fala de mulher, mas não é só pra mulher. Esse discurso tem que chegar em todo mundo e promover uma troca. É um dominó”. Elas mixam as músicas que tocam ao vivo, pegam o microfone para cantar o funk feminista que escreveram, organizam beijaço no meio da festa pra liberar o amor, distribuem um apito que funciona como sirene anti-assédio, levantam a bandeira do aborto e entregam panfletos com um passo a passo de como chupar uma buceta direitinho. E fazem tudo isso de maiô em cima do palco, com luzinhas de LED em volta do corpo, para provar que as mulheres podem brilhar, podem se amar, e podem ser livres.

Transpira
Amanda Grimaldi (à esquerda) e Camilla Molica na apresentação da Transpira | Foto: Last Nite

“As pessoas falam que a gente é um show. Porque, para além da pista, da festa, tem essa coisa performática, de fazer intervenções durante o set. Acho que a Transpira é um todo mesmo, uma parada, uma atmosfera. É colocar a buceta na mesa, é um pé na porta”, diz Amanda. Esse bolo glitteriano começou a crescer logo que saiu do forno, em abril do ano passado. Camilla e Amanda se conheceram no teatro e estavam elaborando mil e um projetos quando foram convidadas para um festival que propunha aos participantes se reinventar. Elas, que são atrizes, resolveram arriscar como DJs e nasceu a primeira apresentação da Transpira. No boca a boca dos amigos, foram convidadas para algumas festas e, quando viram, estavam todo fim de semana levando esse alvoroço cintilante para algum lugar do Rio de Janeiro.

Transpira
Foto: Kaio Caiazzo

Evoluíram na performance, começaram a estudar aparelhagem e mergulharam numa pesquisa musical que prioriza músicas interpretadas por mulheres – e, é claro, olha com cuidado para as letras, especialmente dos funks, o ritmo predominante no setlist. “Tem muito funk falando de coisa importante, colocando a mulher em outro lugar, e tem as próprias funkeiras, né?”, diz Amanda. “Já aconteceu também da gente brincar com essa coisa do funk machista, colocar pra tocar e cantar em cima da letra”.

Elas pegam no microfone e falam tudo. Se alguém avisa que uma turma não tratou uma menina direito, elas param a música pra dizer que aquilo não é bem vindo ali. Quando distribuem o panfleto do passo a passo lambe buceta criado pela @sunsarara, também acaba rendendo assunto. “Rolam uns caras que não querem receber, falam que já sabem e não precisam. Aí a gente fala: olha, gente, entregamos aqui o panfleto pra ensinar uma coisa básica e tem homem que acha que sabe tudo. A mulherada pira!”, conta Camilla. “Mas é mais a provocação, né? A gente vive num mundo do pau e quer tornar isso mais plural”, diz Amanda.

Transpira
@sunsarara

O figurino, que é uma peça do conceito da Transpira, às vezes causa uma confusão na cabeça dos homens. “A gente está ali no palco de maiô, dançando, rebolando, fazendo tudo que a gente quer fazer. E tem gente que vem tocar, passar a mão. Eu gosto quando essas coisas acontecem porque rola um diálogo direto ali. É tipo: eu deixei você fazer isso? Porque se eu deixei tá tudo lindo, mas eu deixei? É sobre isso que estamos conversando aqui”, diz Camilla. “O que a gente tenta fazer ali é abrir um canal num lugar em que vai acontecer o ritual da Transpira. Que é pra nós um ritual muito íntimo, muito pessoal. Somos mulheres jovens, que também estão pensando e entendendo sobre nosso corpo, nossos desejos. A gente tinha muito medo de confundirem nosso figurino, nossa maneira de estar lá em cima, de objetificarem nosso corpo. Mas se alguém me objetifica não sou eu, é o olhar deturpado do outro. Então a gente se desprendeu disso”, conta Amanda.

Transpira
Foto: Thiely Leoni

No fim do ano passado, com poucos meses de vida, a Transpira foi eleita uma das cinco festas mais legais do Rio pela coluna Gente Boa, do jornal O Globo. “A Transpira é muito viva. As coisas vão acontecendo e quando a gente vê já estamos fazendo. Ela não tem muito controle e a gente adora isso”, diz Camilla. Esse ano, elas resolveram lançar um bloco de Carnaval, que juntou duas mil pessoas num cortejo atrás de um estandarte de uma xoxota gigante com um clitóris brilhante. Além de circular pelas festas do Rio de Janeiro, elas foram ao festival MECAInhotim, em junho deste ano, e já quicaram e rebolaram em São Paulo também. Mas o plano agora é levar a Transpira para outras cidades e espalhar esse discurso por todo o canto.

Transpira
Amanda e Camilla no bloco de Carnaval da Transpira | Foto: Bernardo Santos

Camilla e Amanda usam o Instagram como um canal de diálogo com quem tiver afim de conversar com elas, além de divulgar a agenda das festas. Mas tem gente que para elas depois das apresentações para essa troca. “Teve uma menina que veio falar com a gente quase chorando: cara, vocês disseram tudo que eu queria dizer e isso é muito importante”, conta Camilla. “Tem mulher que acha que o feminismo é um monstro de sete cabeças, mas não é. É uma onda e a gente está sendo contaminada por ela. E isso é bom pra todo mundo”, diz Amanda. No que depender da dupla, essa onda vai ser um tsunami.

Fotos de abertura e encerramento: Crédito: Julia Assis e Rodrigo Lopes

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