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Um papo sobre design e ‘guilty pleasures’ com o jornalista Ricardo Gaioso

Por
Eloa Orazem
Em
26 junho, 2017
Em parceria com

Nada escapa aos olhos do jornalista Ricardo Gaioso, 33, que há anos vem lapidando seu senso estético e expandindo suas referências de cultura, arquitetura e design. Natural de Goiânia, formado em São Paulo pela Cásper Líbero, Gaioso complementou sua educação formal com diversos cursos internacionais – e isso inclui uma passagem pela Sorbonne, uma das mais prestigiadas universidades da França. Com o passaporte carimbado por algumas das mais importantes feiras de design e decoração do mundo, Gaioso é um dos poucos profissionais da área a vivenciar todos os lados da equação: depois de colaborar, como correspondente internacional, para revistas do Brasil e além, o goiano abriu a agência Timbre, que era responsável pelo lançamento e a comunicação de marcas e artistas nacionais. O convite para assumir a redação da Kaza foi, então, um processo natural, já que nenhum outro profissional acumulava essa expertise multidisciplinar intrínseca a Gaioso. Arquiteto do próprio sucesso, o jornalista segue firme na sua missão de deixar o mundo se não melhor, pelo menos mais bonito.

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Toda essa sua intimidade com o mundo do design e da arquitetura vem da família?

De forma alguma! Nesse ponto, a família é minha antítese. Mas minha mãe sempre falava que eu tinha que ser jornalista. É que, quando criança, ganhei aquele Meu Primeiro Karaokê e ficava entrevistando os meus parentes nas reuniões familiares: “tia Marli, o que você está achando da festa de réveillon dos Gaioso?”. Tinha até programa de rádio, uma piada! Além disso, na escola, era eu quem sempre apresentava as comemorações de Dia dos Pais e coisa parecida. Minha mãe achava que eu ia apresentar jornal televisivo.

Mas você tentou outra carreira, então?

Optei por cursar arquitetura, a princípio. Comecei em Goiás, onde nasci. Transferi meus estudos para a Belas Artes, em São Paulo, quando tinha 19 anos. No meio da faculdade eu descobri que não conseguia desenhar e minha mão sua muito, então os projetos viravam uma lama, borrava tudo! O conhecimento que adquiri, porém, foi proveitoso. Gostei de estudar perspectiva, planejamento de ambientes e tal.

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Você decorava o seu próprio quarto?

Sim, mas era muito estranho: eu experimentava cores, gessos e texturas no meu quarto, e a família achava tudo uma maluquice. Não ficava bonito como a sociedade goiana da época imaginava, mas eu achava diferente e interessante.

E de onde saíam essas ideias e referências?

Em 2001, lá no começo da então blogosfera, eu criei uma página, o Pequi. Para alimentar esse blog, eu pesquisava bastante coisa. É engraçado que eu resolvi começar meu próprio espaço depois de ler uma matéria com a Flávia Durante, publicada em uma revista digital que assinava na época. Ela tinha um blog de música, e não tinha quase mais nada nesse ambiente online, então eu aproveitei a oportunidade.

Chegou a ganhar dinheiro com isso?

Indiretamente. Quando eu mudei pra São Paulo, já conhecia muita gente do meio por conta das minhas inúmeras pesquisas para os posts. Fiz muitas conexões e networking graças a esse blog, treinei muito o olhar também.

Falando em mudança para São Paulo, foi fácil se inserir aqui?

Muito, porque eu já conhecia essas pessoas e já tinha uma relação de amizade com elas. Agora, uma coisa que descobri não faz muito tempo é que é mais fácil mudar de país ou de cidade do que mudar de bairro. Eu vim dos Jardins para o Higienópolis, e precisei de uns bons seis meses para construir uma nova rotina. É que é outra cultura e outra logística: lá você já tinha os seus lugares favoritos e sabia como e quando tudo funcionava. Até construir os novos valores daquele bairro, demora um bocado, mas é recompensador, porque as coisas só têm valor se você descobriu aquilo, por algum motivo.

Nessa mudança de apartamento, o que trouxe da antiga morada?

Deixei tudo lá e comecei do zero. Essa casa está longe de estar do jeito que eu quero e muita coisa ainda vai mudar. Na outra, ainda tinha muita coisa provisória, que ficou. Amei essa oportunidade de deixar tudo lá e recomeçar, mas eu adotei uma única regra: eu só vou comprar o que eu gostar muito. Então fiquei dois meses sem escorredor de prato, por exemplo. Por isso tem demorado tanto. A casa é um organismo vivo, é preciso ir aos poucos. Mas além de não me apressar para escolher as coisas, também tomo meu tempo para definir o lugar de cada item: você muda o sofá de lugar e muda a energia da casa toda. Então testo alguns móveis em diferentes posições até dar a ele um lugar fixo, ou pelo menos mais duradouro, porque eu curto essa coisa meio nômade aqui dentro.

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Qual o ambiente da casa está dando mais trabalho?

Provavelmente o quintal, porque é o lugar que exige plantas e, junto com ele, vem a parte de lavanderia. Estou começando agora e adorando fazer esse cantinho, mas é um processo bem cármico, de difícil solução. Acho que com muito verde eu chego lá.

O que é a casa pra você?

A casa vai mudando e se moldando a gente. Antes eu fazia muita festa, mas hoje eu gosto de fazer almoço e jantares para um grupo menor de pessoas, de modo que seja mais fácil e profunda a interação.

E o que você procura numa amizade?

O contraponto dos meus pensamentos e opiniões. Eu gosto de gente que não concorda com tudo o que eu penso ou faço. Talvez seja uma característica bem aquariana, essa coisa de se misturar com vários grupos diferentes. Eu adoro o high-low. Tenho amigos super diferentes e às vezes faço experimentos de juntá-los – e não são poucas as ocasiões que os testes dão super certo.

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Seu trabalho pede um senso estético apurado. Isso transborda para a sua vida pessoal, também? Acaba julgando as pessoas pelas aparências?

Estética, ao meu ver, não é a última moda, aquilo que acabou de ser lançado, é a personalidade da pessoa. Uma pessoa interessante tem uma estética que condiz com isso. O mais do mesmo é entediante. Tem muito idiossincrasia. Não é uma questão de beleza, porque isso varia, mas o diferente é o que chama atenção. Tudo o que provoca e questiona me atrai.

Partindo dessa ideia de que design tem a ver com personalidade, o que você acha de São Paulo e do Brasil pela aparência?

Reflete tudo aquilo que nós somos: tem a ver com a gente pelo caos. Vivemos imersos em muita informação e em uma mistura aleatória. Dito isso, queria ressaltar que às vezes funciona. Mas, na maioria dos casos, é um eclético caótico. As tendências, aliás, surgem como uma resposta dos excessos do dia a dia. Por exemplo, se você vive em uma cidade marcada pela poluição visual, a sua casa tende a ser um lugar mais clean. É uma busca ao equilíbrio frente aos excessos. Percebo muito isso na Escandinávia. Como lá é muito frio e tem muita neve, as cores chamam muita atenção, daí a predominância por tons pastel e o uso de tonalidades. Como aqui no Brasil temos o verde e a explosão de cores da nossa tropicalidade, a gente não gosta muito de usar cor. Além disso, a cor exige um alto grau de conhecimento e bom senso maior – eu mesmo nao me arrisco muito com cor, porque não é fácil.

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O design brasileiro está evoluindo e assumindo suas raízes?

Ocorreram duas coisas importantes na história recente. O primeiro é o apreço e o resgate do moderno brasileiro. Nos anos 1990, a [marca brasileira] ETEL já fazia essa coisa de revitalizar móveis. Ela lixava a tinta dos móveis e descobria jacarandá do Sérgio Rodrigues, do Joaquim Tenreiro, do Jorge Zalszupin… Esse movimento fez a gente ter orgulho da nossa história. O modernismo brasileiro é hoje comparado com o mesmo valor do modernismo escandinavo. Tem semelhanças, de linhas e contornos, com a Escandinávia, mas um não bebia na mesma fonte que o outro. Aí vieram os [irmãos] Campana, que pegaram coisas banais do cotidiano e transformaram aquilo num design com personalidade e com acabamento. Isso abriu caminho para coisas muito experimentais do design brasileiro, hoje trilhado pela Carol Gay, Bruno Jahara, Rodrigo Almeida e muitos outros que se inspiraram nos Campana para desconstruir o design industrial da época, que era o que a Tok Stok fazia. Estamos saindo um pouco desses dois movimentos para trilhar um caminho mais minimalista, mas ainda é muito forte o nosso modernismo brasileiro.

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E por acaso uma dessas experiências no exterior mudou o seu jeito de ser ou pensar?

Morei em Paris e esse período me transformou completamente. Até porque a França tem um sistema educacional de filosofia e sociologia que parte do pressuposto que todos os objetos de estudo e de discussão precisam ser vistos e pensados por meio de um prisma de 360º graus. Então, se você está estudando um crime, você tem que ler o lado do ladrão, que pode ser vítima do sistema, você tem que ver o lado da vítima, você tem que entender o sistema educacional daquela região, você tem que analisar o que levou o criminoso a fazer isso, tem que entender o lado do cúmplice, da imprensa… tem que entender tudo ao redor, para que justifique uma discussão profunda. Então, das coisas mais simples, desde decidir o café da manhã até o próximo presidente, é tudo muito discutido e analisado. Por isso a França é tão socialista e igualitária, porque todo mundo tem razão, todo mundo tem seu ponto de vista que precisa ser escutado. Você aceita melhor o próximo, você se aceita mais, você julga menos e experimenta mais.

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Você já fez trabalhos voluntários?

Fiquei dois meses no Camboja ensinando inglês. Fora isso, criei uma espécie de metodologia de recompensa: quando eu quero muito uma coisa, faço uma promessa espiritual que tenha a ver com o meu pedido Já doei um bocado de coisas assim, e acho que é um bom exercício para fazer o bem.

E por acaso você está em paz com quem é?

Estou sempre caminhando pra isso. Mas tudo na minha vida acontece com planejamento. Eu tento ser metódico para as coisas funcionarem. Minha Lua em virgem é maravilhosa, porque organiza as coisas para que tudo desenrole sem ruído. Aprendi a administrar bem o tempo. Toda quarta-feira, por exemplo, eu tiro o pé do acelerador e me dedico ao ócio criativo. Às vezes tenho mil coisas para fazer e decido não fazer nada: tenho esses momentos e acho importante. A gente começa a se respeitar, sabe? Em outras épocas, eu não conseguia dormir pensando no volume de coisas que precisavam ser feitas. Hoje em dia eu me entrego ao sono e sei que tudo aquilo pode esperar até amanhã.

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Aqui, entre nós, qual o seu “guilty pleasure”? Aquela coisa meio cafona que você adora?

Sou fashion victim, vítima total do sistema, então tenho várias coisas cafonas que adoro usar. Tenho uma regatinha trapezista toda encardida de graxa que eu uso direta em casa. É muito confortável e é perfeito para ficar em casa e para escapar até o mercado comprar chocolate e guloseimas para uma maratona de Netflix. Fora isso, eu pego calça de moletom, no inverno, e prendo na meia. Isso é o futuro!

Qual a vibe perfeita do verão pra você?

Minha receita para um verão inesquecível não é nada original, mas é infalível: praticar esportes, mergulhar no mar, encontrar os amigos e tomar um Aperol Spritz. Com bastante gelo!


Aperol Spritz

O mundo evoluiu. O sofisticado está nas coisas simples. O bom gosto não tem preço. Não é mais sobre ter, é sobre descomplicar. É sobre dividir, compartilhar.
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