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7 livros que são a cara do verão em qualquer parte do mundo

Por
Carolina Caretti
Em
9 maio, 2017

Listas podem ser bastante genéricas, dado sua característica de condensar informações, mas também podem ser extremamente pessoais. Os parâmetros diferem de pessoa para pessoa, e mesmo um tema “comum” pode revelar escolhas bastante diversas. Pensar em livros com atmosfera de verão e nos motivos que nos levam às escolhas pode ser muito mais um exercício que tem a ver com nós mesmos do que propriamente com os livros. Partindo dessa constatação, escolhi alguns que, seja pelo local em que transcorre a história, seja pelo ritmo leve da linguagem, me remetem a qualidades e paisagens intrínsecas a essa estação: luz, calor, comidas, suor, desejos, praia, luar, cerveja & afins. Pega um drink gelado e vem ver, ou melhor, ler! Tem outras sugestões? Escreva o seu livro prediletoverão na caixa de comentários.

O Belo Verão,
de Cesare Pavese

Esse é mais um livro lido há algum tempo que deu vontade de reler agora. O romance do italiano Cesare Pavese foi publicado em 1949, e o título já é, por si só, bastante propenso a integrar uma lista de livros com atmosfera de verão. Mas não é apenas esse o motivo. Lembro-me do envolvimento e da cumplicidade com a história de Ginia, una ragazza em vias de passar por um momento de transição entre a adolescência e a idade adulta, que tem no verão de seus 16 anos esse momento de descobertas. É quando inicia as saídas de casa para frequentar ambientes mais boêmios, como os cafés, sempre cheios de artistas e intelectuais, na companhia de Amelia, que é como aquela amiga mais experiente que sabe bem o que dizer, por experiências pessoais, sobre esse novo mundo a ser descoberto. Com as duas garotas, imergimos no libertário universo dos artistas da época, pois Amelia é uma modelo-viva que posa para alguns pintores, ofício pelo qual Ginia também começa a se interessar. Claro que, pra completar esse “pacote verão”, ela se apaixona por Guido, um dos pintores, e segue nos aprendizados de novas experiências e sensações, do tipo dores e delícias, expectativas e desilusões. O verão, nesse romance, não é meramente coadjuvante: por ser a época em que mais estamos “despidos” e expostos, auxilia na consolidação do clima de libertação e renascimento, ou seja, Ginia despe-se da tutela alheia para assumir caminhos e escolhas próprios, que vão guiar sua formação como mulher.


A escritora portuguesa Matilde Campilho

Jóquei,
de Matilde Campilho

Este livro é um fim de tarde olhando o pôr-do-sol, em um trânsito que permite estar numa praia do Rio de Janeiro ou de Lisboa, afinal, trata-se sempre do mesmo sol. Não há fronteiras na poesia, por isso o oceano torna-se uma “fita de seda” que ondula 7.800 quilômetros para “dar utilidade ao amor”. Amendoeiras unem-se a jacarandás e as duas cidades ensolaradas são paradigmáticas das pulsões do amor, das conversas em cafés, dos cabelos ao vento, dos sonhos anotados, da areia na pele, da observação de estrelas, em diferentes línguas. É como se se construísse uma ponte aérea entre Rio e Lisboa, e estas fossem a concretização de um verão eterno: basta mudar de hemisfério e lá estão o sol aquecendo a palavra e o coração e a chuva refrescando a pele e aliviando a dor. Um livro de poemas em versos e prosas, que não nos entrega o verão numa bandeja, mas nos faz senti-lo quando, por exemplo, pretende dar cabo de um inverno “que abandonou os sorvetes e os 5 sóis”, em prol de viver com os pés cheios de areia e os cílios cheios de sal. Um livro que nos lembra a “bruma leve das paixões que vêm de dentro” quando intitula um poema com “Eu já escuto teus sinais”. Poemas com fundo musical e cheiro de maresia, que Pedro Mexia destacou na orelha do livro como sendo pertencentes a “um álbum de Verão”: um verão transatlântico e de todas as estações.


A Cidade de Ulisses,
de Teolinda Gersão

o romance da escritora portuguesa, publicado em 2011, passeamos pela cidade de Lisboa na companhia de um artista plástico e suas memórias afetivas, que nos levam a lugares conhecidos por turistas e apreciados por viajantes. Percorremos as ruas da capital portuguesa, uma cidade aberta, com luz e azul marcantes, que é porta e porto, e cujos caminhos são líquidos – de rio, mar e oceano. É por nos fazer passear por esta cidade tão solar que a narrativa assume um ar de veraneio. A história antiga, que remete ao mito de que o herói homérico Ulisses teria sido o fundador da cidade, conjuga-se com episódios mais recentes (como a crise de 2008 que afetou financeiramente a maior parte dos países europeus) e com referenciais artísticos da época, mas são as aventuras do amor entre Paulo e Cecília que embalam a leitura, como as fugas de carro sem destino previsto, que tinham apenas o céu como limite, com paisagens mudando pela janela e “Brandeburgo no leitor de cassetes”. Somos arrebatados por um espírito on the road das paradas de meio de caminho em praias quase desertas e povoados que não constam em mapas, onde se restauram fome e amor, seja em lanchonetes ou camas de hotéis, acompanhados da sensação latente de “uma bela manhã de verão”. O fim não é prudente contar, mas, com todas as voltas da vida e do enredo, acaba-se sempre por seguir o sol e aportar em outros corações. Outras praias, mesmas águas.


Bairro de Lisboa ao pôr-do-sol


Sonhos de Uma Noite de Verão,
de William Shkespeare

Calvino afirmou que ler os clássicos é melhor do que não ler os clássicos, então voltemos a algum verão do século XVI, no teatro de William Shakespeare. Não é somente pelo óbvio título estival que o drama integra esta lista, mas pela atmosfera de fantasia, romance e criatividade que inunda uma noite em uma floresta de céu estrelado. Acho que para quem, como eu, sentou pra ver as histórias no delicioso “Rá-tim-bum”, do comecinho dos 90, Titânia, Puck e Oberon, com suas características de seres encantados, são memórias afetivas e felizes de tardes com biscoito recheado e leite achocolatado. A noite de verão shakespeariana tem referências clássicas e mitológicas, e é basicamente uma “Quadrilha” de Drummond (que depois Chico cantou), em que feitiços comicamente trocados dão conta de encontros e desencontros entre pares, em uma trama que mistura personagens “humanas” com elfos, fadas, sátiros, ninfas, e nos transporta tão eficazmente ao universo do maravilhoso que até acreditamos que, nos verões das florestas medievais, essas criaturas de fato existiam. A peça incita inúmeras e diversas leituras, que passam por acepções filosóficas, psicológicas, sociais, mas o que prevalece é a magia causadora de uma baita vontade de estar naquele ambiente de fantasia, ouvindo flautas e sentindo cheiro de mato. Nada mal dormir e sonhar em uma noite de verão de um bosque encantado, com um Cupido agilizando as paixões e preparando o tão superestimado “final feliz”.


Gabriela, Cravo e Canela,
de Jorge Amado

O romance de Jorge Amado já começa a nos envolver no título, com essa rima sensorial que dita os tons e cheiros que prevalecerão na narrativa de 1958. Penso que todo brasileiro talvez saiba alguma coisa de Gabriela e de Jorge, mesmo sem ter lido este e outros textos seus. É algo do inconsciente coletivo, mas também das inúmeras adaptações televisivas que fizeram da personagem um símbolo de Brasil, com seus costumes, comportamentos e paisagens. É aquela relação bastante óbvia: pensamos em Jorge Amado, pensamos na Bahia e, por conseguinte, em calor e um eterno verão todo sensual, pois Gabriela é uma viagem por sabores e desejos potencializados pelo clima quente que faz com que os corpos exibam os tons do sol e o brilho do suor e sejam, por isso, objetos da sensualidade que enreda a trama e a linguagem. As descrições evidenciam coxas, seios, braços, sorrisos, e colaboram para a criação do imaginário em torno da aparência da personagem, que é uma força instintiva da natureza e prepara quitutes que dão água na boca de qualquer leitor que já tenha experimentado os sabores baianos. Assim, em meio a vatapás e acarajés, fica-se imerso em uma prodigiosa Ilhéus, com sol e chuva, noites de luar e aquela sensação delícia de quem acabou de hidratar a pele quente após um dia de mar. Não há maneira de ler Gabriela e não se imaginar em uma atmosfera tropical e delirante de leveza e complacência, deitada numa rede ou tomando banho de bica. Deu até vontade de reler!


Memória de Minhas Putas Tristes,
de Gabriel García Marquez

Fui ler esse livro do colombiano Gabriel García Márquez, que é uma de suas últimas publicações (2004), pensando que talvez o odiaria (e odiando pensar que pudesse odiá-lo, hehe). Já sabia de antemão o enredo, e a história de um velho que queria transar com uma virgem para comemorar seus 90 anos era meio perturbadora, sei lá, acho que era um tipo de “sororidade” atuando no inconsciente. Mas a literatura é boa também por isso: quando a gente esboça um preconceito, ela vem e dá na nossa cara. E com Gabo não poderia ser diferente. Memória entra nessa lista porque, apesar de colocar em questão a decadência vital do ser humano, celebra o fato de se ter podido chegar até aí, como se o tempo fosse marcado por um relógio de sol, com nascimento, auge e ocaso. A personagem, que nunca se deitou com nenhuma mulher sem pagar e pretendia ter uma noite com uma adolescente virgem, descobre, naquela altura, não só o encanto de contemplar uma mulher nua dormindo sem necessidade de sexo, mas também o amor de sua vida aos 90 anos, capaz de ressignificar toda sua existência, concluindo que “o sexo é o consolo de quem não é arrebatado pelo amor”, e que este, por sua vez, “não é um estado de alma e sim um signo do zodíaco”. A aura solar é marcante na ambientação do romance, que se passa no Caribe colombiano, especificamente em Barranquilla (região, aliás, bastante célebre na obra do escritor, com destaque para a paradisíaca Cartagena das Índias), descrevendo lugares e costumes da cidade litorânea, como os sedutores homens de ternos brancos e camisas de listras azuis, as mulheres de corpos bronzeados, os bosques de árvores frutíferas, as noites de lua cheia, fazendo pano de fundo a um enredo que, a despeito de qualquer brutalidade que pudesse advir da vontade do velho, revela as delicadezas mais genuínas da alma humana quando sob o signo do amor.


Isso Também Vai Passar,
de Milena Busquests

Escolhi esse romance publicado em 2015 pela catalã Milena Busquets como o que “promete” exalar calor porque ainda não o li. Foi indicação de um amigo e, além da sinopse intrigante, passa-se em Cadaqués, uma cidade do litoral da Catalunha que também ainda não conheço, mas basta já ter estado alguma vez na Costa Brava para ser inundado por uma nostalgia que me faz querer comprar o livro amanhã. Se vou gostar da história que aborda as maneiras de se lidar com o luto e o comportamento de uma geração mais madura não sei, mas que a viagem pelo verão espanhol vai me comover é certo.

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