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Como a portuguesa Rita Xavier está usando o verão como motor social para transformar milhares de vidas na Indonésia

Por
Ricardo Moreno
Em
14 abril, 2020
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Apaixonada pela estação, a portuguesa Rita Xavier encontrou num dos mais solares destinos do mundo uma forma de ressignificar a sua vida e de transformar a de milhares de crianças pobres.

Rita é uma pessoa solar. Em todos os sentidos: seja por conta da pele naturalmente morena, herança única da bisavó Lola (o restante dos descendentes da família Alvim Xavier veio ao mundo com muito menos melanina), seja pela predileção que ela tem por programas diurnos, de preferência em destinos com vocação para um verão sem fim. Entre as diversas viagens que essa precoce empreendedora e publicitária portuguesa já fez ao longo dos seus 25 anos de idade, a Indonésia ocupa uma papel de destaque. Foi no arquipélago do Sudeste Asiático que ela já voltou três vezes, e também foi lá que nasceu o mais ousado e estimulante projeto social de sua vida — uma ideia anterior à pandemia de covid-19, mas que agora parece ter ainda mais força, significado e valor. Na entrevista a seguir, feita por whatsapp e email, você vai perceber que Rita veio ao mundo à passeio, desde que esses passeios tenham impacto positivo e profundamente transformador, na sua vida e na do maior número de pessoas possíveis ao seu redor. “Gostaria que todos saíssemos desta pandemia mais unidos e com mais amor para dar e vontade de retribuir em forma de abraços, beijinhos e conversas, e não em simples mensagens de Whatsapp ou likes no Instagram”, diz ela.

Fotos: Arquivo pessoal

Em poucas palavras, nos conte quem é você?

Sou uma sonhadora incansável. Vivo para criar, ter ideias, projetos e ver coisas bonitas acontecerem. Apaixonada pela minha família, pelos meus amigos e por fotografia analógica. Vidrada no mar, na praia, na natureza e em tudo o que o mundo tem de mais simples e livre. 

O que você faz no seu dia a dia em Lisboa?

Trabalho comunicação e imagem de marcas de moda. Também tenho a minha própria label, a Onceadaywear, e tento criar impacto positivo no mundo com a Mainan

Do que se trata o projeto Mainan?

Mainan quer dizer brinquedo em bahasa, que é língua oficial da Indonésia. O projeto surgiu em 2018, quando aconteceram os terremotos em Lombok. Naquela altura a Indonésia já tinha um papel muito especial para mim — era a minha terceira vez no país e sempre que ia levava roupas ou brinquedos para as crianças. Esse ano viajei com uma mala cheia de brinquedos. Após entregá-los e perceber a reação delas, sabia que precisava multiplicar aquele sentimento. Foi aí que a Mainan surgiu: durante uma escala de 7 horas no aeroporto de Kupang me dei conta que gostava de juntar o sentimento e o brilho nos olhos da crianças que receberam os brinquedos e a situação trágica que acontecia em Lombok. Voltei da Indonésia com tudo planejado. E tão logo que cheguei à Lisboa já comecei a montar o projeto. Quatro meses depois eu tinha 6.000 brinquedos prontos para embarcar para Lombok, seis voluntários para distribuí-los e um fotógrafo que nos iria acompanhar e contar a nossa missão com a verdade e a transparência que eu tanto tinha sonhado. 

E qual era o seu objetivo?

Espalhar a magia dos sonhos e fazer a diferença na vida dessas crianças em situações de perigo. A questão é que isso nunca aconteceu! Ao chegarmos, ainda no aeroporto, nos obrigaram a pagar 35 mil dólares em impostos se quiséssemos liberar os brinquedos. Não tínhamos esse dinheiro, de modo que, no dia 21 de janeiro de 2019, o governo incinerou as cerca de 250 caixas que havíamos levado. Mesmo sem eles fomos até Lombok, e lá passamos mais de três semanas visitando vilas e brincando com todas as crianças. Demos o que de mais natural e bonito se pode dar no mundo de hoje: tempo e amor. Depois desta missão a Mainan renasceu com o intuito de fomentar a brincadeira em vez do brinquedo, e o tempo que se dá em vez do material que se recebe. 

Por que você escolheu a Indonésia?

Eu e a Indonésia temos uma longa história de amor. É minha segunda casa, um dos destinos onde sou mais feliz no mundo. Onde ando descalça o dia todo, vejo o pôr do sol diariamente entre mergulhos no mar e apanhando conchas na areia. Trata-se de um país leve e com pessoas que me ensinaram novas maneiras de ver o amor e a família. Sou apaixonada pelas crianças indonésias e pela forma como elas encaram o mundo. Foi um país que me mudou, que me tornou mais humana e mais ligada ao que realmente importa. 

Exposição com cerca de 250 fotos em Lisboa, Portugal

Desde a ideia inicial do Mainan, o que ele já mudou e onde está hoje?

A Mainan começou como um projeto para levar brinquedos para Lombok, mas aí os brinquedos não chegaram e passou a ser um projeto de devoção de tempo e amor. Esta situação em que não tínhamos nada palpável para dar, só o nosso amor e o nosso tempo, foi um dos momentos mais marcantes da minha vida. O presente material era algo que somente nós achamos que eles precisavam, mas o que essas crianças realmente precisavam era de amor e atenção, algo que todos nós tínhamos e queríamos muito dar. Foi um momento muito bonito de ver: a reinvenção deste projeto. Quando voltamos à Portugal, a primeira coisa foi fazer uma exposição com 250 fotografias expostas numa antiga fábrica. Em seguida, lançamos um documentário com estreia num dos cinemas mais importante de Lisboa. E com sala cheia. Depois, ainda virou uma loja solidária onde crianças carentes de Lisboa puderam levar um brinquedo no Natal. A Mainan vive para criar impacto positivo no mundo, vive também para comunicar este impacto, para ser transparente no que faz e para encher o ser humano de empatia, amor e esperança. O que mais gosto da Mainan é que o fundamental nunca mudou: não deixamos de fomentar sonhos e espalhar o amor. 

E qual o próximo passo?

O maior objetivo da Mainan é proporcionar que crianças em situações de perigo — seja por desastres naturais ou pobreza, seja por violência física ou psicológica — possam voltar a sonhar. Neste momento, durante a covid-19, estamos ajudando elas a ultrapassarem e e perceberem essa pandemia da maneira mais saudável e terapêutica possível. 

Você reflete um estilo de vida que conecta muito com a vibe solar do The Summer Hunter. Qual a sua relação com o verão e o sol?

Eu tive o privilégio de nascer num dos países mais maravilhosos do mundo, com muito sol e uma vibe solar muito especial, por isso o verão e o sol são coisas muito importantes para mim. Vivo em Lisboa e sempre que está sol aproveito para fugir para a praia, para um esplanada ou mesmo para o parque. O sol de Lisboa é muito especial o ano todo: é comum dizerem que a luz de Lisboa é mágica. O verão é casa para mim. E não há nada que eu goste mais do que o cheiro do verão, da pele salgada, o pôr do sol na praia, a cerveja gelada, os pés descalços e a sensação que tudo fica bem melhor em dias quentes. Tenho uma relação muito especial com o sol e verão, daí parte da minha paixão pela Indonésia. 

Nesses dias de quarentena, quais são os insights que vem tendo em relação à você, à vida e ao seu entorno?

Esta quarentena veio reforçar o quão grata sou pela sorte que tenho na vida, por ter uma família, amigos, uma casa e um local seguro para viver este isolamento. Me faz relembrar que a vida é algo que está em constante mudança, que viver o presente é o mais importante pois ninguém controla o universo. Que o tempo é o bem mais precioso do mundo. Que o tempo para os nossos, para àqueles que nos importamos, é algo que devemos ter como prioritário. Vivo dizendo aos meus amigos que quando isto acabar não vou largar nenhum deles durante um mês para recuperar o tempo que estivemos longe. Quanto ao meu entorno e ao mundo, trata-se de algo que mexe mais comigo: o ato de ficar em casa é algo que vejo como uma ato de amor e cooperação universal, de pensar nos outros e nos mais fracos acima de nós e dos nosso interesses, e esta união mundial em torno de um bem maior faz-me ter muita esperança no planeta. Por outro lado sofro e me angustio ao pensar nas milhões de pessoas que não têm comida na mesa, uma casa segura, um espaço para lavar as mãos e que se sentem perdidas e com medo do futuro que parece cada vez mais incerto. Mas o meu maior insight é que o amor vence tudo. Vamos ficar todos bem e quando isto acabar vamos dar ainda mais valor às pequenas coisas da vida que tomamos como garantidas. 

Acha que o mundo sairá transformado depois da pandemia da covid-19?

Acho que sim! Estamos vivendo um momento histórico que os meus bisnetos irão estudar. Acho que vamos sair todos diferentes, vai ser um caminho duro de recuperação em todos os aspectos, seja social, seja econômico, mas acredito acima de tudo no ser humano e na sua capacidade de lutar e de se reinventar. 

O que gostaria que o mundo fosse diferente daqui por diante?

Que ele fosse mais humano, mais autêntico. Este isolamento nos provou como não fazemos parte de um país, mas sim de um mundo, e que nós devemos amar e respeitar a todos. Acho que mostrou o quanto gostamos e temos saudade da nossa família e dos nossos amigos que tantas vezes esquecemos por stress, rotina ou, pior ainda, por pura preguiça. Por isso gostaria que todos saíssemos disto mais unidos e com mais amor para dar e vontade de retribuir em forma de abraços, beijinhos, conversas e não em simples mensagens de whatsapp ou likes no Instagram. Nunca a tecnologia serviu tanto para nos ensinar que não há nada como abraçar, agarrar a mão, ouvir a gargalhada e partilhar o dia. Torço para que todas as pessoas consigam arranjar mais tempo umas para as outras.

Pode sugerir 5 contas no Instagram que te inspiram?

Gosto de muitas, mas aqui vão as minhas cinco preferidas neste momento. 

@mustique_ 
@norte_thestudio
@gimaguas
@equator 
@davidmatthewking

E 3 destinos inesquecíveis?

Sem dúvida foram Lombok, na Indonésia; Cidade do Cabo, na África do Sul; e Pushkar, na Índia. São destinos muito especiais para mim, com uma energia muito incrível.

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