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Verdades inconvenientes que você precisa saber sobre o #vanlife

Por
Adriana Setti
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Depois de mais de um ano de confinamento, rodar o mundo com a casa nas costas pode parecer o caminho da felicidade. Mas viajar com uma casa móvel nem sempre é tão perfeito como no Instagram.

Depois de mais de um ano de confinamento, rodar o mundo com a casa nas costas pode parecer o caminho da felicidade. Seguindo a hashtag #vanlife, você verá casais perfeitos (normalmente com um cão labrador) tomando café à beira de lagos cristalinos; praias idílicas emolduradas pela porta de uma Kombi vintage bicolor e muitas cenas que podem fazer o seu cotidiano parecer um mar de tédio e mesmice. À primeira vista, dá até pra pensar que nada pode dar errado com essas pessoas tão plenas, desapegadas e corajosas. Mas, como tudo, esse lifestyle sobre rodas também tem muito perrengue.

Vanlifer desde 2015, o fotógrafo Pedro Beck viajou por 22 países nesse esquema. Sua maior façanha foi ter ido do Alasca à Patagônia, dirigindo um total de 120 mil km. “Quando disse que ia descer as Américas de motorhome, muita gente disse que eu ia ser assassinado, só que a vida começa onde termina o medo”, diz o carioca. “Foi a melhor coisa que fiz na minha vida, mas o vanlife da hashtag do Instagram é uma utopia. Todo mundo que produz conteúdo de dentro de uma van sabe que aquilo é de mentira”, completa ele, que agora prepara um novo rolê a bordo da Cora (@corathevan), uma Marcopolo Invel de 1980 totalmente reformada.

Pedro e os cães Sofia e Toninho em frente à Cora, uma Marcopolo Invel de 1980 total reformada | Crédito: Arquivo pessoal

Não só de viagens a lazer vivem os vanlifers. Produtora audiovisual e shaper, Joanna Campista (@joannacampista) passou um mês a bordo de um motorhome para gravar o Europa por Elas, do Canal Off. Depois, seguiu na estrada por mais dois meses, surfando nas horas vagas e editando o programa dentro de uma van, uma Volkswagen California sem banheiro ou água quente — em pleno inverno europeu. “O maior perrengue de viajar a trabalho foi carregar a bateria dos computadores e câmeras”, conta Joanna. “Tentei comprar uma placa solar, mas não funcionou. E acabei descarregando a bateria da van várias vezes”. Mesmo estando na Europa, que tem uma boa estrutura para receber vanlifers, a shaper da Indie Happy Boards encontrou dificuldades logísticas, já que muitos campings fecham no inverno, o que tornava bem mais difícil a tarefa de encontrar onde esvaziar o tanque de água suja ou tomar banho quente (sim, rolaram vários dias sem passar pelo chuveiro e muitas necessidades no mato). Em alguns países, também foi complicado achar lugares para dormir fora de campings sem infringir as normas locais ou colocar a segurança em risco — ela acabou sendo furtada no meio do caminho.

Joanna e a cachorra Natilla na road trip que fizeram pela Europa: força e resiliência
Créditos: Arquivo pessoal

Tendo que acomodar várias pranchas, equipamentos de trabalho e sua cachorra, organizar a van também não era fácil. “Depois de um tempo, acabei deixando boa parte da bagagem na casa de amigos e segui com pouquíssimas coisas”, conta. “Não é uma viagem normal em que você pode levar uma mala enorme pra postar looks diferentes no Instagram. Essas fotos dos vanlifers arrumadinhos é o que há de mais fake no Instagram. Você está na estrada, vivendo dentro de um carro. É muito difícil ficar se emperequetando”, diz. “Viver com pouco, tanto em termos de coisas como de grana e até de comida, foi o maior aprendizado dessa jornada. Levei isso pra minha vida”.

Aqui, Pedro e Joanna nos ajudam a contar algumas verdades sobre a vida on the road que as redes sociais (quase) não mostram.

Crédito: @theindieprojects

Bonita (só) na foto

Não existe uma van linda, arrumada e perfeita. Na estrada, a “casa” está sempre desorganizada, com tudo preso pra não cair. A cafeteira bonitinha ao lado do vaso de planta você só vê no Instagram. “Existe o momento em que você arruma tudo e faz a foto e existe o resto do tempo, quando você está realmente vivendo o vanlife de verdade”, diz Pedro. “Dois minutos depois da foto, as coisas voltam ao estado normal, que é a bagunça”, completa Joanna.

Arte imita a vida

“Entre o #vanlife do Instagram e Nomadland, de Chloé Zhao, o filme se aproxima mais da realidade, desmistificando esse lifestyle que é muito mais inclusivo e periférico do que a hashtag sugere”, diz Pedro. “Para algumas pessoas, financeiramente, essa é a única opção”.

Pirâmide social na estrada

Assim como a sociedade, o vanlife é uma grande pirâmide. Há quem durma no porta-malas de um carro 1980. E outros viajam em vans de US$ 100 mil dólares gastando US$ 5 mil por mês. Nem tudo é desprendimento. “É um movimento muito democrático, existe um estilo de vanlife pra todo mundo”, diz Pedro.

Crédito: @courtandnate

Um outro normal

Quem escolhe o vanlife é porque não quer uma vida “normal”. Se você não está disposto a lidar com o imprevisto, a viver com menos e a aceitar os perrengues do caminho, talvez não seja pra você. E tudo bem.

Banho de gato

Você está pronto pra não tomar banho todo dia? Essa é uma realidade do vanlife já que, quando há um chuveiro, dosar a quantidade de água do tanque (e o peso dele) é uma das questões logísticas mais importantes. “A melhor solução é um chuveiro solar, que é um saco de vinte litros de água que você coloca no teto do carro e toma banho quente à noite, se quiser”, recomenda Pedro.

Cozinha criativa

Cozinhar em uma panela só sem comer macarrão todo dia é um desafio. “Tive que ser bem criativa pra pensar em receitas nutritivas vegetarianas que pudesse fazer com o mínimo de louça e espaço possível”, diz Joanna.

Joanna em sua Kombi vintage bicolor: a solitude faz parte da vida de um vanlifer

 A solitude faz parte

Por mais que você esteja sempre acampando e conhecendo gente do mundo inteiro, o que é lindo, o vanlife tem muita solitude. É preciso estar preparado para lidar com isso. E com você mesmo.

Um é pouco, dois é demais?

Explorar o mundo a dois em uma van pode parecer ultra romântico. Mas é bom lembrar que, na realidade vanlifer, compartilhar 6m2 (dormindo em camas apertadinhas) também é uma prova de fogo para a relação. O cachorro nem entrou nessa conta…

É preciso ter resiliência

Quem embarca no vanlife precisa aprender a enxergar os perrengues com leveza e ter resiliência pra superar os obstáculos sem perder o rebolado, aceitando as condições que surgem ao invés de ficar lutando contra elas. “Passei muitos perrengues pessoais, minha cachorra quebrou a pata na viagem e alguns momentos acabaram sendo muito desgastantes emocionalmente, por outro lado, o vanlife me mostrou que eu tinha força e resiliência pra levar as coisas numa boa, o que me trouxe um grande aprendizado”, diz Joanna.

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