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Renan Quevedo e sua jornada pelo interior artístico do Brasil

Por
Fabiana Corrêa
Em
12 dezembro, 2018
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Ele deixou o emprego em uma agência de publicidade para percorrer o Brasil e conhecer centenas de artistas populares

O Brasil é grande. E Renan Quevedo já desconfiava disso fazia um tempo. Mas confirmou mesmo em abril desse ano, quando voltou de sua viagem de quase sete meses pelo país, depois de passar por 17 estados de todas as regiões brasileiras (mais o Distrito Federal) e percorrer 27.183 quilômetros. O Vale do Jequitinhonha, onde vive a ceramista Noemisa Batista dos Santos, em Minas Gerais; Belo Monte, em Alagoas, onde está o escultor Seu Jassom; o Vale do Catimbau, onde vive José Bezerra, artista que tira tudo o que é tipo de bicho de pedaços de pau jogados na caatinga, onde nasceu e vive. O projeto de Renan, chamado Novos para Nós, é uma tentativa de resumir um pouco do que os artistas populares estão fazendo Brasil afora e que a gente mal conhece.

A ideia da viagem veio de um chamado da alma. Daqueles que não nos largam até que sejam atendidos. A alma de Renan estava querendo sair pelo sertão, pela serra, pela praia, pela caatinga, pelo cerrado. Para qualquer lugar do Brasil onde houvesse alguém fazendo arte bem brasileira, popular, rústica, ousada e de uma criatividade tão grande que não precisa de referências. “Eu disse pro meu chefe que não estaria disponível para trabalhar naquele final de semana, aluguei um carro na sexta à noite e dirigi 14 horas até chegar ao Vale do Jequitinhonha, em Minas”, diz Renan. Tudo isso foi para encontrar Noemisa Batista dos Santos, ceramista que ele já visitou mais de 20 vezes daquele final de semana de 2014 para cá.

Renan (acima), e sua sala de casa: ele vive cercado de arte | Fotos: JP Faria

Reconhecida mundialmente, Noemisa é uma das principais da região, famosa pelo artesanato com o barro do vale. Mas o que Noemisa faz não tem nada de artesanato – Renan explica logo a diferença: não é a repetição de um ofício aprendido, mas a tradução de seus desejos de artista. Até porque, muitas vezes esses artistas são considerados uma desgraça para as famílias empobrecidas, uma vez que fazem arte enquanto poderiam estar trazendo comida para casa. “Entendi que a Noemisa esculpe o que ela gostaria de viver, seus sonhos. São peças felizes, cheias de detalhes, onde o casamento e a maternidade sempre aparecem”, diz. Essa ideia ficou mais clara no dia em que Renan levou um vestido de noiva de sua avó para a casa da artista. “Sem pedir, ela entrou no vestido e me contou que ser enterrada assim era seu sonho”.

Essa proximidade com os criadores foi construída ao longo dos quatro anos em que Renan usava férias, feriados e finais de semana para visitá-los. As viagens foram se tornando o ponto central de sua rotina. O trabalho como diretor de arte em uma agência de publicidade já não fazia mais sentido e tudo o que girava em torno de sua vida na cidade não parecia bem. O negócio era esperar ansiosamente a próxima viagem, o próximo artista, a próxima história a ser ouvida e recontada. “Eu levava muitas peças para minha casa e comecei a perceber que todos os amigos queriam saber quem era o escultor, como vivia aquele pintor, qual era a realidade dos artistas”.

E assim, em uma noite, ele se deu conta do caminho que iria trilhar. Não sabia ainda que seriam 27.183 quilômetros ou quantas histórias ouviria, mas começou a traçar um plano. Em sete meses, colocou tudo de pé, alugou um carro, pediu demissão do emprego, juntou as economias e foi. “Meu único compromisso era contar uma história a cada dia. E, em 200 dias, contei mais de 300 delas”, diz. Gente como o Seu Jassom, de Belo Monte, em Alagoas, que faz cadeiras e esculturas incríveis, coloridas e detalhadas, a partir de galhos que encontra na caatinga, em torno do Rio São Francisco. “Ele me chamou para ir buscar os galhos com ele e fazermos uma cadeira juntos. No começo eu não queria, pois achei que iria influenciar, mas foi inesquecível”.

José Bezerra, do Vale do Catimbau, em Pernambuco, nasceu em um povoado onde as pessoas costumam nomear os morros com nomes de bicho, o Morro do Cachorro ou da Baleia. E essa criatividade está na simplicidade com que ele esculpe. “Ele traz um galho, enxerga nisso um animal, e com dois ou três talhos o transforma.”

Renan com o escultor Jassom, de quem virou amigo ao longo das visitas | Foto: acervo pessoal

Tudo isso Renan nos conta do sofá de sua sala, em um apartamento na região central de São Paulo. Os cômodos, pequenos, ficam menores por conta das esculturas, pinturas, ex-votos que Renan coleciona. Apesar do tamanho, andar ali dentro é viver um pouco da viagem que Renan fez. Uma almofada costurada pelo mestre cearense Espedito Seleiro, peças pequeninas da mineira Noemisa, esculturas do sergipano Véio. E que esculturas. Ali, só uma amostra. Tem outras duas centenas de peças emprestadas para uma mostra do projeto Artesol, no Rio, algumas na loja da amiga, a estilista Gilda Midani e muitas outras armazenadas na casa dos seus pais, no interior de São Paulo. Mas o pouco que está na sala, em torno do sofá pequenino (e que não é tão pouco assim) já faz pensar na beleza que temos espalhada Brasil afora. “Esses artistas criam tudo isso sem referências, tiram do que eles trazem dentro de si e que transborda em sua arte”.

Em seis meses, 300 histórias e muitas peças para contar |Fotos: JP Faria
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