A HISTÓRIA DA MACONHA NO BRASIL

A HISTÓRIA DA MACONHA NO BRASIL

Da criminalização ao uso medicinal, a saga da erva ao longo de mais de 500 anos.

Originária da Ásia, a Cannabis chegou ao Brasil entre 1534 e 1549 com pessoas negras que foram arrancadas da África e escravizadas. Para eles, fumar a erva não só era uma forma de buscar alívio em meio a trabalhos forçados e humilhações, como de manter a conexão com a sua terra natal, onde a maconha já era vista como uma planta de poder.

Já os portugueses, instituíram o plantio do cânhamo — de cuja fibra eram feitas as velas e cordas das caravelas. E foi justamente pelas mãos dos colonizadores que a planta se espalhou por outras bandas do mundo.

CACHIMBO DA PAZ

CACHIMBO DA PAZ

Os povos originários brasileiros logo sacaram que o “fumo de Angola” era do bom e começaram a cultivá-lo pra fumar. Nessa época, os únicos que ficavam bolados com o consumo da Cannabis eram os senhores de engenho, que não curtiam qualquer coisa que pudesse trazer diversão e bem-estar aos escravos.

Nesses primórdios  do Brasil colonial, a maconha circulava livremente e, ainda que não fosse habitualmente consumida pelas pessoas brancas, há registros de que a rainha Carlota curtia um chazinho pra aliviar suas cólicas menstruais. Mais tarde, a Cannabis chegou a despertar o interesse de médicos e cientistas — os Cigarros Índios Grimault, por exemplo, prometiam melhorar asma, catarro, insônia, ronco e... flatos! A erva também saltou às altas rodas através de escritores, poetas e outros intelectuais, pra quem o fumo  estimulava a criatividade.

JUSTO NO RIO

JUSTO NO RIO

A situação só começou a encrencar no século 19. Em 1830, o Rio de Janeiro — chora, Arpoador! — foi o primeiro lugar do mundo a proibir “o pito do pango”, em grande parte como forma de controlar e reprimir a população de origem africana. Segundo a lei da época, o traficante estava sujeito a multas e quem se deva mal era o usuário, que podia passar até três dias na cadeia.

“Na virada do século 20, a maconha sofreu uma campanha de difamação poderosa que começou nos Estados Unidos — e o Brasil ajudou muito nisso —, porque ela tinha a ver com populações de origem africana e indígena por aqui, e latina no caso dos mexicanos nos EUA"

“Na virada do século 20, a maconha sofreu uma campanha de difamação poderosa que começou nos Estados Unidos — e o Brasil ajudou muito nisso —, porque ela tinha a ver com populações de origem africana e indígena por aqui, e latina no caso dos mexicanos nos EUA"

explicou o neurocientista Sidarta Ribeiro a Mano Brown, no podcast Mano a Mano. Em 1937, os Estados Unidos proibiram o uso e o cultivo da erva em seu território. Em 1938, foi a vez do Brasil.

Em 1964, o golpe militar colocou o Brasil definitivamente no cenário internacional de combate às drogas e a repressão chegou ao auge. Mas, pouco a pouco, hippies, surfistas, estudantes e outros adeptos da contracultura trouxeram a maconha de volta à pauta — e ao Posto 9 de Ipanema — nos anos 1970.

Nos anos 1980, a pressão pela liberalização da Cannabis no Brasil pegou fogo, ao passo que vários estudos começaram a trazer à luz os possíveis usos medicinais da erva.  De quebra, em 1987 o navio Solana Star inundou o litoral de maconha no histórico “verão da lata”. Nos 1990, o verão do apito avisava da presença da polícia  nas praias cariocas; Planet Hemp cantou pela descriminalização  e Gabeira levantou a bola na política.

LUZ NO FIM DO TÚNEL

LUZ NO FIM DO TÚNEL

Já em 2002, rolou a primeira Marcha da Maconha pela descriminalização. Em 2006, a lei 11.343 separou traficantes de usuário sem estabelecer critérios objetivos, dando margem a prisões arbitrárias que, mais uma vez, recaíram em grande parte sobre as pessoas negras e pobres. A boa notícia é que, desde 2015, mudanças na lei vem possibilitando o uso medicinal da maconha por aqui.