Antigamente, música, filmes e séries ocupavam paredes inteiras, fazendo tão parte  da decoração quanto das nossas personalidades. Bateu nostalgia?

ilustrações: eduardo gayotto

o tédio de possuir

acesso tudo,  não tenho nada

Lembra dos tempos em que tínhamos músicas, séries, filmes e afins?  Ter no sentido de possuir mesmo. Até os anos 2000, gostar de uma banda significava comprar os  seus CDs. Aquele objeto “morava” na sua casa.  As coisas que a gente  mais gostava nos tomavam tempo e espaço. E elas eram nossas. Junto com Beatriz Guarezi, fundadora da Bits to Brands, a  gente reflete sobre a  era do acesso.

A relação de posse que tínhamos com o entretenimento fazia toda a diferença, porque eram tempos de acesso difícil. Pra assistir a um episódio da sua série favorita, ou você conferia na programação do canal de TV os horários da reprise, ou ia até a locadora torcendo pra que ninguém mais tivesse a mesma ideia.

ter X acessar

Na era do acesso, nossos gostos estão a poucos segundos de distância, sem qualquer limite de espaço físico, e espalhados em uma infinidade de formatos e canais.

Ficou mais barato e mais fácil ser fã de um artista, ou nutrir interesse por um gênero de cinema. Acessamos conteúdo infinito sobre aquilo que gostamos e coisas novas que podemos gostar. Deveria ser o paraíso. Mas, às vezes, dá saudade da locadora.

múltipla escolha

A ânsia de ter mais opções, de forma cada vez mais fácil, nos trouxe o tédio  de possuir.

·  As plataformas acrescentam e removem títulos dos seus catálogos a todo momento. ·  Os algoritmos oscilam entre mostrar o que você gostaria, e o que elas gostariam que você visse. ·  Você pode pagar por todos os serviços e, ainda assim, não encontrar algo específico. ·  Claustrofobia da abundância: a sensação de sufoco diante de tantas opções.

assinamos tudo, não temos nada

Quem tem mais acesso?  Quem conta  com milhares de  opções de forma instantânea porém efêmera, ou quem possui apenas  o que mais gosta pra sempre?

Enquanto evoluímos em conhecimento, disponibilidade e até serendipidade, há aspectos importantes da experiência que não deveriam ficar pra trás. Uma curadoria de obras pode ser exposta na parede como um museu de quem  se é, ou guardada a sete chaves como o que há  de mais valioso — é a representação física da personalidade de alguém.

Beatriz Guarezi, criadora da Bits to Brands, na edição 254 da newsletter

A era do acesso expandiu os nossos limites

— menos espaço físico, infinito espaço virtual.

Mas não há por  que comprimir experiências,  ou reduzir recordações.

Talvez por isso tanta gente  tem aberto espaço nas suas  salas de estar pra discos de  vinil e DVDs. Aquilo que eles preenchem não cabe em  nenhum catálogo de streaming.