Por que evocar o Maluco Beleza do rock brasileiro continua valendo, mais de três décadas após sua morte.

Em plena ditadura militar, sua “maluquez” soava como contracultura. Provocador por natureza, indecifrável para os caretas, viveu intensamente até os 44 anos de idade — em 2025, teria feito 80 anos. Em meio ao retorno do conservadorismo, sua obra e suas ideias continuam sendo atuais e necessárias.

Raul Seixas misturava gêneros, filosofias e misticismo com conceitos à frente do seu tempo.

Porque longe das cercas Embandeiradas Que separam quintais No cume calmo Do meu olho que vê Assenta a sombra sonora De um disco voador Trecho de Ouro de Tolo

Criado ao lado de um consulado americano, e fã de Elvis Presley, Raul foi um dos precursores do rock brasileiro. Mas, acima de tudo, foi pioneiro ao misturá-lo, meio século atrás, a ritmos como forró, xaxado, brega e bolero, entre outros, abrindo caminho pra um sincretismo musical que se tornaria uma característica da MPB.

TUDO JUNTO E MISTURADO

Liberdade individual e autenticidade. Pensamento crítico e desconfiança do sistema. Rejeição ao autoritarismo. Busca espiritual e pelo sentido da vida. Questionamento do ego e do papel do ser humano. Amor livre e conexões verdadeiras. Rebeldia criativa.

IDEIAS QUE NÃO ENVELHECEM:

Durante a ditadura, mandava recado em forma de metáfora e deboche. Era mestre em fazer letras políticas sem serem panfletárias. Em tempos sombrios, fez o Brasil cantar seu subtexto político, questionamentos existenciais e um tanto de misticismo. Tudo com um jeitão de quem acabou de chegar de outro planeta.

SE POSICIONAR NAS ENTRELINHAS

Raul Seixas é um personagem antagonista do sistema. Que está sempre ali como uma prova de que você pode ser maluco beleza, que pode ser diferente, que pode ser radical, que pode fazer as coisas à sua maneira e ainda viver nesse mundo careta. Pra muita gente, o Raul simbolizou essa liberdade. ___

André Barcinski, jornalista, em seu canal no YouTube

Suas letras falam de liberdade, autoconhecimento, rebeldia, misticismo e crítica social com uma força quase profética. Ao lado de Paulo Coelho, criou uma filosofia inspirada no ocultista britânico Aleister Crowley, que oferecia um sistema alternativo de pensamento, especialmente pra quem se sentia fora dos padrões. Canções como Sociedade Alternativa viraram mantras e Raul passou a ser visto não só como músico, mas como uma espécie de guia existencial.

Eu sou o amargo da língua A mãe, o pai e o avô O filho que ainda não veio O início O fim E o meio Trecho de Gita

A vida amorosa de Raul Seixas foi intensa, caótica e influenciada por sua visão libertária do amor. Foram cinco casamentos e muitas paixões ao longo da vida — sempre buscando conexões que fossem livres, criativas e fora dos padrões. Amar não deveria ser uma prisão, mas uma parceria entre dois seres autônomos.

AMOR LIVRE

É pena que você pense Que eu sou seu escravo Dizendo que eu sou seu marido E não posso partir Como as pedras imóveis na praia Eu fico ao teu lado sem saber Dos amores que a vida me trouxe E eu não pude viver Eu perdi o meu medo O meu medo, o meu medo da chuva Pois a chuva voltando Pra terra traz coisas do ar Aprendi o segredo, o segredo O segredo da vida Vendo as pedras que choram sozinhas No mesmo lugar Trecho de Medo da Chuva

Raulzito vive. A história do Brasil, tantas vezes torpe, obtusa, sombria e horrorosa, muitas outras vezes é salva pela sua música, pelos seus artistas. E entre esses artistas está Raul Seixas, que viverá mais de 10 mil anos. ___

Eduardo Bueno, historiador, no Youtube.