ilustrações: eduardo gayotto

Em um mundo dominado pelo trabalho, até o descanso virou performance. E nada comunica tanto status hoje como parecer desocupado — mesmo que só por alguns instantes.

VOCÊ TEM TEMPO

pra perder?

A cultura da pressa segue firme, os prazos continuam apertados, o mundo não parou — mas uma nova estética começou a ganhar força: a figura de quem aparenta sempre ter tempo sobrando. Não porque, necessariamente, esteja mesmo assim, mas porque descobriu que esse é o novo jeito de sinalizar status.

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Tempo-ostentação

Ser visto tomando uma taça de vinho às três da tarde de uma segunda.

Postar uma foto em um curso de tingimento de tecido no meio da semana.

Usar uma legenda tipo “dia de faxina mental” — mas em um spa.

O novo status é parecer desocupado — mesmo que a agenda siga lotada.

O analista de cultura e comportamento de marcas Eugene Healey tem feito uma série de vídeos nas redes sobre o tema: segundo ele, estamos assistindo à ascensão de uma “nova leisure class”, onde a aspiração não é mais conquistar, mas existir com leveza. É a autonomia sobre o tempo transformada em moeda simbólica e ícone de poder.

A questão não é estar sem compromissos, mas viver em outro compasso.

Em reportagem recente da Fortune, a jornalista Emma Burleigh mostra como os ultrarricos passaram a valorizar mais esse comportamento “preguiçoso” do que ostentar bolsas e carrões. Silvia Bellezza, professora da Columbia Business School, em Nova York, também analisou o fenômeno e mostrou que, hoje, o auge do privilégio é parecer desocupado — e fazer disso um gesto de poder.

Enquanto isso na realidade...

Em paralelo, a filosofia da produtividade a qualquer custo começa a perder o encanto. Por mais que se insista no discurso de que “se você se esforçar, tudo vai dar certo”, a gente sabe que nem sempre é assim. E essa consciência, ainda que silenciosa, está por trás dessa nova onda do soft life: a tentativa de humanizar o ritmo, mesmo que seja uma performance.

Claro que nem todo mundo pode performar o ócio. O tempo livre, assim como o espaço urbano e a saúde mental, é desigualmente distribuído. E a pressão por parecer relaxado pode ser mais uma camada de ansiedade pra quem está lutando somente pra seguir adiante. __

Ricardo Moreno, do The Summer Hunter, em sua coluna na Fast Company Brasil