Os termos psicológicos e psiquiátricos saltaram do consultório à mesa de bar. Até que ponto isso é bom? ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏ ͏
Nos últimos anos, termos que costumavam ser ditos e ouvidos apenas em sessões de terapia e psicanálise têm se tornado cada vez mais comuns. Mães narcisistas, “gatilhos”, “traumas” sendo vividos e revividos todos os dias… Em grande parte das vezes, essas palavras são usadas de forma inapropriada. Reforçando essa tendência, milhares de perfis sem embasamento científico lançam diagnósticos para as massas nas redes sociais, fazendo com que, de repente, metade do mundo ache que tem TDAH ou transtorno bipolar. Quais as consequências dessa psicologia pop?
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Nunca falamos tanto sobre saúde mental. Na última década, esse tema se tornou o centro das nossas atenções — e com razão. Segundo dados da OMS, só no Brasil, quase 19 milhões de pessoas sofrem com ansiedade e depressão. Somos o país mais ansioso da América Latina. Por essas e outras, as terapias psicológicas são vistas como ferramentas essenciais pra ter uma vida solar e ser uma pessoa melhor. Quem nunca ouviu aquele conselho de só se relacionar com alguém que está com a terapia em dia? À medida que mais pessoas passaram a procurar ajuda nos consultórios — especialmente durante o auge da pandemia — e mais terapeutas começaram a compartilhar conceitos psicológicos nas mídias sociais, uma parcela maior da sociedade foi introduzida a esses termos. Com o tempo e o convívio, essas palavras passaram a fazer parte do vocabulário de muita gente.
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Há pouco tempo, a psicologia e a psicanálise eram parte de uma área do conhecimento extremamente elitizada. A maior quantidade de conteúdo sobre o assunto, seja nas redes sociais ou formato de vídeo e podcasts, faz com que as discussões nesse campo cheguem a mais pessoas e se tornem mais acessíveis. Além disso, normaliza o debate sobre a saúde mental, que já foi visto como tabu — e, em certos contextos, ainda é. Quando embasados em informações confiáveis, os conteúdos também podem ajudar na conscientização sobre a importância do diagnóstico de transtornos psicológicos e ajudar a melhorar a qualidade de vida de quem sofre com eles. À medida que o vocabulário psicológico se populariza, mais pessoas conseguem nomear suas experiências e dores com termos concretos, o que pode ser reconfortante. Pra quem não sofre com esses problemas, ajuda a entender o outro e a saber como lidar em determinadas situações e contextos.
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Por outro lado, todo cuidado é pouco pra evitar patologizar qualquer comportamento negativo. Afinal, um amigo egoísta não é necessariamente narcisista. Mentir não é sinônimo de fazer gaslighting. Uma pessoa pode ter mudanças bruscas de comportamento e não ser bipolar. Você pode estar passando por um momento de tristeza sem ter depressão. O uso excessivo dessas palavras pode atenuar seu significado e minimizar a experiência de alguém que realmente vive com um transtorno ou passa por uma situação que se enquadra em um desses conceitos. Tem mais: além de poder facilmente ser transformados em “armas” pra agredir e estigmatizar pessoas, esses termos tendem a ser usados em contextos inadequados e ganhar incontáveis interpretações errôneas por parte de gente que não tem a formação apropriada. A palavra “trauma”, por exemplo, praticamente mudou de significado. No consultório, o trauma é uma resposta emocional a um evento terrível, como um acidente ou um abuso. Hoje, o termo se transformou em um sinônimo pra todas as situações estressantes e experiências negativas do cotidiano.
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Uma vertente da “cibercondria” que merece um capítulo à parte é o Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade, que tem como principais sintomas desatenção, hiperatividade e impulsividade. Como essas são características comuns no ser humano, é normal que muita gente se identifique e se questione sobre sua própria saúde mental — ainda mais com a quantidade de conteúdos sobre o assunto que somos impactados no dia a dia. Mas é preciso tomar muito cuidado, pois essa condição vai muito além de simples distração e falta de foco. Nas pessoas com TDAH — entre 5% e 8% da população mundial, segundo dados da Associação Brasileira do Déficit de Atenção — os sintomas são extremamente acentuados e têm um sério impacto em vários aspectos da vida: estudos, trabalho, relacionamentos amorosos, convivência familiar etc. Quem sofre com o transtorno costuma ter dificuldade de aprendizagem e de se planejar, falhas de memória, entre outros problemas. Será que está todo mundo com TDAH ou simplesmente estamos desatentos, inquietos e perdidos em meio a um excesso de estímulos, notificações e demandas impossíveis de atender? Até que ponto estamos sendo influenciados pela fábrica de diagnósticos das redes sociais?
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É preciso tomar cuidado pra não sair por aí usando termos que viu uma vez no Instagram. Acha que um conceito exemplifica bem o que você está vivendo ou como você está se sentindo? Converse com o seu terapeuta — ou procure saber exatamente o que ele significa. Vale refletir, também, sobre o uso dessas palavras em memes ou naquela “brincadeira”. Nas relações, dizer ao seu parceiro que ele é “tóxico”, por exemplo, não costuma ser produtivo. Mais do que limitar o diálogo, cada pessoa pode ter percepções diferentes do que esse e outros termos querem dizer. Por isso, é melhor explicar objetivamente por quais motivos você está rotulando essa pessoa como tal. É por ciúmes? São as críticas excessivas? A falta de confiança? Nesse caso, usar mais palavras vale a pena.
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Acima de tudo, aceite que alguém pode causar dor a você sem patologizar as suas ações.
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Pra ler 📖 • O livro O ato criativo: Uma forma de ser, onde o lendário produtor musical Rick Rubin fala sobre arte, criatividade e, principalmente, sobre como viver. • A matéria Ser 'cancelado' é uma coisa boa agora?, que mostra como a repercussão negativa nas redes sociais tem sido positiva pra muitas celebridades. (em inglês)
Pra seguir 📲 • O perfil @infinito.etc promove conversas sinceras sobre viver e morrer, e mostra como podemos ter um olhar mais solar para o luto. Pra ver 👀 • A Superfantástica História Do Balão, produção que reúne os integrantes do Balão Mágico pra falar sobre a trajetória do grupo e o show business nos anos 80 e 90. Pra ouvir 🎧 • NEKTAR, quarto álbum autoral da cantora, compositora e cineasta Ava Rocha, onde ela canta sobre afetos, desejos e amores. Quer mais dicas culturais? Entre para o TSH Club, nossa comunidade no WhatsApp.
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