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O design orgânico e afetivo em madeira brasileira de Fernando Bertolini

Por
Rafael Bittencourt
Em
5 julho, 2017

Fernando Bertolini é um desses caras que decidiu largar uma carreira de quase uma década em grandes empresas da indústria moveleira para se dedicar a descobrir diariamente as belezas da natureza e interpretá-la em peças de design que respeitam a história, a estética e a vida da matéria-prima.

Ao invés de ouro e pedras preciosas, as joias-naturais de Fernando são as madeiras brasileiras que ele mesmo coleta em Florianópolis (SC), onde mora há um ano, ou em suas expedições pelo país. O resultado do processo, que começa e termina pelas próprias mãos de seu criador, são peças únicas e altamente sofisticadas, que encantam pelo exotismo elegante dos elementos naturais em suas formas mais brutas.

Conversamos com Fernando sobre seu trabalho, seu processo criativo e sobre seu olhar que nos convida ao encanto com a exuberância que habita na natureza.

Você sempre trabalhou com design?
Sou designer formado pela Universidade de Caxias do Sul. Trabalhei oito anos na indústria moveleira do Rio Grande do Sul, mais precisamente em Bento Gonçalves. Nesse período fiz projetos relacionados ao desenvolvimento de produtos, inclusive de poltronas, um dos meus temas preferidos até hoje. Mas também trabalhei desenhando todo tipo de móveis e projetos de design de interiores para marcas de móveis planejado.

De onde surgiu a ideia de fazer as peças com elementos mais naturais, mas abraçando justamente a forma mais “crua” da matéria-prima?
Essa ideia começou quando me mudei para Florianópolis, abandonei o trabalho com estas grandes empresas e queria criar uma marca que me possibilitasse ficar ainda mais próximo da natureza, algo que eu já sou. A única forma de fazer isso era transformar a filosofia de vida em trabalho.

Você sempre foi ligado à natureza?
Vem desde criança. Cresci em Garibaldi, uma cidade de interior do Rio Grande do Sul com muito contato com o meio ambiente. Meus avós trabalhavam na terra e meu pai fazia coisas de marcenaria, algo que desde sempre eu era apaixonado: descobrir qual a cor, a textura, os veios e cheiros de cada espécie de madeira. A casa dos meus avós maternos ficava perto de um rio e era comum eu passar grandes períodos lá. Íamos para a margem do Rio Taquari, onde eu coletava pedras e madeiras, sem nenhum propósito, só pelo prazer de ter esses objetos que eu sempre procurava com grande apreço e curiosidade. E eu estudava esses materiais com a ajuda deles, que conheciam todas as espécies, sabiam os usos de cada uma e isso me incentivava a buscar mais conhecimento sobre o assunto.

Há algum motivo especial para escolher a madeira como matéria-prima protagonista?
Uma das coisas que me fez me apaixonar pela madeira foi a sua durabilidade. Me impressionava meu avô mostrando a estrutura da casa de madeira Grápia, uma espécie da mesma família do Pau-Brasil e que está na minha última coleção. Então eu tinha contato com madeiras que tinham sido usadas há mais de 100 anos e estavam cada vez mais bonitas. A ação do tempo nesse material é sempre um presente.

Você tem alguma madeira preferida?
A Araucária. Quando encontro, sei que a árvore que caiu é mais jovem ou mais velha pela sua coloração, que passa pelo laranja, vermelho, marrom e preto, tudo por processos naturais do crescimento da árvore: quanto mais clara, mais jovem foi a morte da planta. As pretas, por exemplo, são as mais raras de encontrar, por que são as mais velhas. Eu teria muitos outros exemplos de coisas que me instigam na madeira, mas descobrir o que está escondido por trás da casca é meu maior motivador.

Muito se fala sobre design afetivo. Para você, o que isso significa?
Design afetivo tem a ver com existir uma história verdadeira por trás do produto que foi desenvolvido. É quando a história do produto começa antes mesmo de ele existir. Eu costumo dizer que sou um co-criador, afinal o que determina o desenho dos meus acessórios é a forma crua como a matéria-prima foi encontrada. O objetivo é aproveitar ela ao máximo e explorar as características que ela mostra com mais exuberância. Eu só uso materiais que deixaram algum rastro na minha vida, de lugares que me fazem lembrar de alguém, de uma viagem, de uma nova descoberta… Design afetivo também é mandar um bilhete para o comprador contando de onde vem a madeira do colar dele, porque ela tem significado especial e quais sentimentos e lembranças ela me causa.

Você sempre viaja para coletar materiais?
Nem sempre, mas está ficando cada vez mais frequente. Hoje em dia, minhas viagens de lazer sempre são para lugares com rio, praia e muito mato, mas sempre voltadas ao trabalho. Minha próxima coleção vem de expedições que fiz para a Chapada dos Veadeiros e será com elementos do cerrado. O importante de viajar para coletar é conseguir traduzir em forma de produtos, o que aquele local tem para dizer para mim e de mim para os outros. É uma tradução de forma, cor e textura, que tem que conseguir envolver o espectador/comprador e fazer com que ele se sinta naquela atmosfera.

Como é seu processo criativo? Começa já na coleta de materiais ou é algo anterior a isso?
É dividido em várias etapas. Começa com a coleta, escolho uma região geográfica e vou para lá, fico até esgotar minha curiosidade ou até não ter mais possibilidade de carregar o que encontro. Só uso madeiras que já morreram, jamais um galho que foi cortado ou de desmatamento. Depois disso vem a etapa indoor, onde separo os materiais agrupando-os em combinações que conversem entre si. A partir daí, vem a etapa de fazer os cortes, respeitando os limites de cada material, mas enquanto isso acontece vou registrando todos os passos para construir a linguagem visual do catálogo que irá nascer. Finalizando os cortes, vem a etapa de polimento e lapidação de cada elemento e por último as amarrações. Acredito que o que mais diferencia meu trabalho de outras marcas de acessórios, no que diz respeito estética, é que não sigo nenhuma escola, gosto de desenhos limpos e de deixar o material falar sozinho, e acredito que não ter tido uma escola de acessórios fez das minhas limitações, meu estilo.

É tudo feito só por você, ou outras pessoas te ajudam na criação?
Tudo eu. Nenhuma outra mão encosta nas peças além das minhas e dos futuros donos. É um trabalho muito pessoal, não teria uma forma de alguém me ajudar a coletar, por que a escolha do material também segue uma linha de raciocínio de linguagem, meu traço é minha personalidade, e ele começa desde a primeira pegada nas trilhas das minhas expedições. Tem que vir de dentro para fora e misturar com minhas referências de design e vivências pessoais. Os processos de cortar e lixar poderiam ser auxiliados por outra pessoa, mas acredito que uma peça é única, não só por não ser reproduzida, mas principalmente por ter tempo e dedicação impressos nela. O objetivo não é produzir em grande escala, é fazer pouco e com muito significado.


Aos interessados em aprender esta arte, Fernando vai oferecer oficinas nas próximas semanas no Rio, Porto Alegre e Curitiba e está com uma pop-up store na Malha essa semana no Rio:

Rio de Janeiro @ Malha
Dia: 8/7
Hora: 10h às 16h
Local: R. Gen. Bruce, 274, São Cristóvão

Porto Alegre @ Casa Musgo
Dia: 14/7
Hora: 14h às 19h
Local: Av. Venâncio Aires, 860. Farroupilha

Workshop Curitiba @ Festival Subtropikal
Dia: 21/7
Hora: 12h30 às 18h30
Local: R. Cândido Lopes, 289 (Das Nuvens), Centro

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