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As múltiplas facetas da artista Letícia Novaes num papo sobre climão, amor e mistério

Por
Rafael Bittencourt
Em
3 agosto, 2017

Letícia Novaes ressurge das cinzas, como a lenda da Fênix, para lançar seu novo álbum, “Letrux em Noite de Climão”. Fruto de uma uma longa travessia em que passou por sete casas, noites de absoluto silêncio, adentrou no universo do drama musical italiano desbravando mitologias sobre o feminino, brincando com os mistérios da relação entre luz e sombra, o trabalho solo, com um quê de peça de teatro, traz à tona os múltiplas facetas da artista, escritora, compositora, atriz e cantora que incorpora um eu-lírico mais misterioso que de seu trabalho na solar – e findada – banda Letuce. “Letrux em Noite de Climão” é uma catarse musical irresistível sobre os deleites e a dores do amor, que nos convida a dançar no escuro, madrugada adentro, como se ninguém estivesse olhando. Oh làlà! Eita ferro.

Fotos: Ana Alexandrino

Como você define “Letrux”? É eu-lírico? Banda? Projeto? Persona? Personagem? Apelido? Por que não “Letícia Novaes”?
Letícia Novaes é meu nome de escritora, um nome mais adulto, mais de atriz. Eu estudo Astrologia há bastante tempo e eu tenho Gêmeos na casa 10, que é a casa do trabalho. Ser multi não é só um traço geracional na minha vida, é um traço astrológico, do meu interesse mesmo. Além disso, a arte me provoca de maneiras muito amplas. Eu posso ir ao museu e compor uma música, ver um filme e escrever um livro. Eu faço muitos atravessamentos. “Letícia Novaes” é muito… cantora. Tipo Leila Pinheiro, sabe?! Fiquei pensando em ouvir: “Agora o projeto solo de Letícia Novaes”. Soa sério e eu sou “menos cem” de seriedade. Sou super profissional, mas sou realmente muito desencanada. Então, “Letícia Novaes” tinha um peso que eu não queria trazer para o disco. Porque com música eu estou sempre brincando, especulando. Eu não tenho uma puta técnica, não sou a melhor cantora, instrumentista, nada disso.

Mas de onde surgiu o nome “Letrux”?
Letuce era meu apelido e virou nome da banda. Por isso pessoas pararam de me chamar de Letuce e alguns começaram a flexionar o meu nome e me chamar de Letruce, Letrusca, Trux, Letrux, o que virou o meu nome do WhatsApp. Na hora de dar o nome do projeto, eu pensei: “Gente! Meu nome do WhatsApp desde sempre é Letrux!” (risos). Essa coisa de terminar em X eu gosto também, por que me remete à mitologia da Fênix, que é morrer e renascer das cinzas e o processo de compor o álbum teve um pouco disso também.

“Letuce” soava muito solar, diurno. Rolou até um pagode nos shows, o “Churrasquiño Sunset”. Agora você canta em uma Noite de Climão. Por que essa transição?
Pois é. Letuce era uma banda mais solar, talvez no último disco eu já estivesse migrando para alguma coisa mais investigativa da alma humana. Eu sou muito solar, nasci em janeiro, amo verão, estou odiando esse inverno, amo praia e sol! Mas ao longo da vida, estudando astrologia, eu percebi que tudo é luz e sombra. Tudo tem seu oposto. E o contrário dessa atmosfera solar, talvez seja uma atmosfera, digamos, mais climão! Então, eu quis só ir ali do outro lado brincar. Além disso, o clima não está muito solar, né. A gente vive numa cidade em que a gente é quase zumbi. Prefeito fascista, governador ladrão, crianças morrendo dentro de escolas. É tudo muito macabro. A gente sobrevive porque a gente delira, porque a gente faz arte, tem amor, amigos e porque a gente é hipócrita também, claro. Então eu quis fazer um disco mais climão memo por tudo que está acontecendo no país e na minha vida também. Desde 2013, no Brasil, está rolando uma noite que não acaba nunca!

Ao mesmo tempo que tem essa atmosfera política que acaba influenciando e trazendo a “noite” pro álbum, ele é muito centrado no amor. Rola uma narrativa sobre isso, com deboche e uma espécie de celebração e brincadeira com a dor de cotovelo, não é?
O amor é um assunto inesgotável. Eu sempre vou falar de amor. Mesmo quando eu falar sobre outra coisa, eu vou falar de amor. De uma maneira profunda ou desencanada, irônica ou debochada, e romântica também! O amor é tão abissal que dá pra gente passear por muitas sensações. O disco é bem dual, tem uma coisa bem tragicômica desde o início, quando eu falo: “Que engraçado, sobrou tão pouco”. Um tom teatral, com a máscara da comédia e da tragédia. Porque eu sou assim! Eu até não deveria ser, pra minha vida ser melhor (risos). Deveria ser mais budista, mais “caminho do meio”, mas realmente eu sou dramática pra cima e pra baixo! Quando eu estou feliz, eu estou muito feliz e quando eu estou triste, eu estou muito triste!

Isso de falar de “amor em noite de climão” foi planejado desde o momento em que você decidiu gravar um álbum, ou foi algo espontâneo da criação?
Não sei se a gente planejou, porque eu fui fazendo as músicas na minha cabeça, algumas no violão, algumas com parceria. Tem músicas antigas, até uma de 2012. Foram tantas fases na minha vida. Eu fui compondo, compondo e depois eu fui reunindo e falei: “Olha, estas daqui são as melhores composições que eu fiz nos últimos anos.” A música que eu fiz com a Bruna Beber, a música lésbica do disco, “Que Estrago”, a gente fez um mês antes de ir pro estúdio. Eu queria uma música com ela, com esse tema, e saiu um mês antes de ir pro estúdio. E é maravilhosa! Eu estou pirada nessa música. Então não foi muito planejado, não. Foi meio espontâneo, mas sabendo que eu sempre vou falar de amor, mesmo que eu faça um disco pra criança. De alguma maneira eu vou falar de amor sempre!

Por falar de amor, a participação da Marina Lima foi restrita a “Puro Disfarce”? Ou ela também foi uma das influências do trabalho como um todo?
Eu sou muito fã da Marina ela é muito importante na minha criação, como ser humano, como artista, mulher independente, como liberdade, como tudo! Ela me ensinou muito. Mas acho que o disco foi fruto de tanta coisa. Atravessa tantos continentes, tantas fendas do buraco negro da galáxia, sabe? Eu penso “gente, se as pessoas soubessem as mulheres que eu leio”. Porque sempre perguntam de influência musical e nesses últimos anos eu li Susan Sontag, um livro de mitologia do Joseph Campbell sobre a história de todas as deusas. Eu adentrei esse universo da canção italiana dramática da Mina, uma cantora maravilhosa. Eu ouvi tanta coisa e também não ouvi nada! Passei noites de silêncio absoluto no meu sítio escrevendo minhas loucuras, compondo, delirando.

Você comentou que o trabalho é “fruto de muita coisa”. Que coisas são essas? São esses livros, o silêncio, o drama musical italiano?
É muito dolorido crescer, virar adulto, virar mulher. Sou capricorniana, sou regida por Cronos, Deus do Tempo. Acho que nos últimos tempos eu cresci, obrigada ou não. Eu me mudei sete vezes em quatro anos! Me separei, achei que uma coisa era pra sempre e às vezes não é. Voltei pra casa dos meus pais, fui morar em São Paulo. Me apaixonei de novo! Passei réveillon no sítio, com um novo amor. Nunca tinha vivido isso. Meus réveillons eram sempre entre muitos amigos e loucura. De repente eu estava ali com as cigarras e os grilos. É hippie, mas ao mesmo tempo não: é ancestral! Acho que eu cresci. Esse disco sou eu mulher! Não que no Letuce não fosse, mas nesse disco o meu crescimento ficou mais visceral, mais estampado na minha cara e na minha voz também.

O álbum é recheado de frases impactantes, dessas que dá vontade de ter estampadas em uma camiseta. Você se sentiu especialmente inspirada para as composições desse trabalho?
Acho que eu sou mais compositora do que cantora. Gosto muito de cantar, acho muito catártico subir no palco e cantar. Mas talvez o que eu faça melhor seja compor e tudo bem! Mas eu ainda tenho cara de pau pra cantar. Algumas músicas vieram como um raio. Outras eu tive que lapidar muito, o que é um processo muito legal também. Às vezes é só você se distanciar um pouco da música, olhar ela de fora, sair pra caminhar. E aí vem uma ideia que faz o encaixe perfeito, sabe? Acho isso interessante.

Mas essa inspiração toda seria fruto da liberdade de um trabalho solo?
Pode ser que essas letras sejam fruto dessa liberdade de um trabalho solo. Ou de todas as coisas que eu falei, todo esse crescimento enquanto ser humano, esse meu desenvolvimento anímico, cármico, corporal e espiritual também me levaram a pensar essas novas frases, esse jogo de palavras que eu achei. Estou muito feliz com o resultado. Música é algo muito abstrato, mas é bem concreto, como um filme. Estou adorando, poque as pessoas me marcam no Instagram, no Facebook, naquele filminho da vida delas e eu de trilha de sonora! É uma coisa muito “bolante”! Eu me pego falando “Olha que hilário! Alguém está na academia lá em Fortaleza, me ouvindo!”


Show:
Onde: Centro Cultural São Paulo. Rua Vergueiro, 1000, Paraíso, São Paulo.
Quando:10 de agosto, s 21h
Quanto: R$ 25
Mais informações: http://bit.ly/2ucZemk

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