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Qinho quer cantar para muito além da Zona Sul carioca

Por
Fabiana Corrêa
Em
27 junho, 2018

Atento ao que que acontece no subúrbio do Rio, o cantor e compositor lança em agosto disco dedicado ao repertório de Marina Lima

O mais recente show de Qinho, com o artista cantando sucessos de Marina Lima, não estreou em nenhum dos bairros famosos da zona mais rica do Rio. “Passei dez anos fazendo shows entre a Lapa e o Leblon, nunca tinha feito nada fora desse circuito da Zona Sul”, diz Marcus Coutinho, 33 anos, que em 2016 levou suas versões dos sucessos da artista para a Tijuca, Méier, Bangu e Sulacap. Cantor, compositor e guitarrista, Qinho queria mostrar seu novo trabalho para muita gente, óbvio, mas não era só isso. “O Rio de Janeiro é absurdamente concentrado na Zona Sul, mas tem um potencial cultural enorme fora disso, queria levar meu som para outras pessoas e ampliar o debate cultural também.”

E levou de um jeito bem bacana. “Fullgás”, “Uma Noite e Meia”, “Charme do Mundo” e todas aquelas canções que já fazem parte do nosso inconsciente coletivo, estão em seu show: o melhor do repertório de Marina, com uma roupagem eletrônica dada por ele e por Gui Marques, nos teclados e baixo, e Carlos Sales, na bateria. Os mesmos três que estão no disco Qinho canta Marina, que será lançado pela gravadora Biscoito Fino em agosto – nas redes e em CD.

Ouça aqui:

Depois da turnê alternativa, não teve como. O show foi para o teatro Ipanema, bairro onde cresceu e palco em que Marina começou sua carreira. Claro, a musa estava lá. “Foi muita emoção, passamos anos nos aproximando desde que participei da homenagem e nos encontramos pela primeira vez. Tudo fez muito sentido”, diz.

Sentido é uma palavra essencial na carreira de Qinho. A ideia do show surgiu em 2014, quando foi convidado para a tal homenagem à Marina com a participação de artistas como Marcelo Jeneci e Bruno Consentino, em São Paulo. “Na hora em que ouvi todo aquele repertório reunido, me dei conta de que as músicas que passei a vida ouvindo eram da mesma pessoa”, diz. Quando o show migrou para o Rio, em um palco montado no Parque Lage, Marina fez parte – e os dois se encontraram pela primeira vez. “Eu comecei a ouvir todos os discos dela, vi que tínhamos muito em comum. Marina também tinha uma pegada de black music no início da carreira, depois trouxe o eletrônico como ferramenta, como eu fiz. Fui criando uma proximidade.”

Foto: Francisco Costa

Aos poucos, essa proximidade foi crescendo. No ano passado, os dois foram convidados do programa Versões, do Canal Bis, para falar do trabalho. “É um grande cantor, que se apropria das canções sem nunca trair o sentimento original que embuti nelas”, disse Marina, na época. Quando voltou aos palcos com seu próprio show, no começo desse ano, a cantora convidou Qinho para compartilhar as mesmas músicas que ele havia entoado no Parque Lage: Virgem e Pessoa. “Ela me apresentou ao público com muito carinho. Entrei no palco emocionado”, diz Qinho. Na semana passada, ele esteve no Bona, bar paulistano que costuma trazer músicos de jazz para seu palco intimista – e saiu um pouco da curva do que toca por ali. “Disseram que foi o show mais alto que já teve lá”, brinca.

Foto: Pietro Baroni

O disco será o quarto da carreira solo – antes, fazia parte da banda VulgoQinho & Os Cara, com a participação de Omar Salomão, filho de Waly Salomão. Antes de cantar Marina, seu repertório sempre trouxe os elementos básicos da música brasileira misturados ao que quer que o artista encontrasse no caminho. No segundo trabalho, O Tempo Soa, teve participação de Mart’nália e Elba Ramalho e os músicos da Abayomi Afrobeat Orquestra. Em Ímpar, o mais recente, foram os primeiros passos nos acordes eletrônicos que estarão no novo disco.

O tal do sentido que o cantor busca não está só em sua música. Ele está à frente do Dia da Rua, um festival criado em 2008 para que sua banda, VulgoQinho&OsCara, e outras que não tinham um palco para se apresentar, pudessem tocar. Virou um evento anual com shows gratuitos que ocupa parte das ruas de Ipanema, Leblon e Arpoador. “Ficou mais comercial, mas ainda luto para trazer músicos independentes”, diz. Nesse ano, ainda não sabe se vai acontecer, já que buscar patrocínio envolve tempo e energia – tudo o que ele está colocando nos shows que tem feito para apresentar o trabalho. “Nada certo, ainda”.

Essa visão democrática da cena musical começou a surgir na adolescência, quando Qinho subiu o morro do Cantagalo, ali perto de onde morava, entre Ipanema e Copacabana, para fazer um programa na rádio comunitária. “Eu ia nos sebos no centro da cidade e procurava sons para tocar lá, de Fela Kuti a Almir Deodato”, lembra. “Tomava um choque duas vezes: quando subia o morro e quando descia. Entender essa outra realidade foi essencial para que eu não virasse um coxinha, um playboy sem noção”.

Foto: Francisco Costa

Mas o cantor não parou de cruzar com essa mundo paralela quando deixou o programa – e muito menos é sem noção. Ele ainda está muito interessado em ouvir o som do morro, de Madureira, da Baixada. E em levar seu trabalho para lá também. Em 2016, durante a ocupação das escolas públicas pelos alunos do ensino médio, participou de “viradinhas culturais” para a garotada que estava acampando nas salas de aula. “São os jovens do subúrbio que estão fazendo tudo acontecer, culturalmente e politicamente. Mas ao mesmo tempo estão sendo massacrados.”

Outro dia, voltando da Void de Madureira, onde foi consultor em um projeto de live streaming, passou por Oswaldo Cruz, bairro vizinho, e deu de cara com a Feira dos Yabás, que acontece mensalmente no bairro e tem comida brasileira de inspiração africana junto com música dos artistas locais (e acaba de ser declarada patrimônio cultural imaterial do Rio). Passou a ter uma relação mais intensa com a galera do lugar, conheceu os agentes culturais de Madureira, o berço do samba carioca, da Portela e do Império Serrano. E aí se deu conta, mais uma vez, de que quer ampliar não só o debate, mas o alcance de seus ouvidos e de sua música. “Quando vejo toda essa galera produzindo, trocando, recebendo gente de toda a cidade, vejo que o carioca de verdade está ali. O carioca descontraído, cordial, que confraterniza, não está na Zona Sul, que ficou tensa e pesada. Precisamos trocar mais. Quero levar meu som para mais longe e me aproximar da cidade como um todo”.

Foto: Pietro Baroni

Foto de abertura: Fernando Young

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