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Como Bê Jorge está descobrindo a África sozinha, com a mente aberta e gastando pouco

Por
Adriana Setti
Em
28 outubro, 2019
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Ela já dormiu rodeada por hienas na Tanzânia, tatuou o corpo a ferro quente no Quênia e sobrevoou as cataratas de Vitória num ultraleve. Há um ano na estrada, Bê Jorge nem pensa em voltar.

Ao sair do Brasil, em novembro de 2018, a produtora Beatriz Jorge já tinha um plano ambicioso para qualquer viajante convencional. A ideia era rodar a África Oriental sozinha por seis meses, gastando pouco e com quase nenhum planejamento prévio. “Mas o encanto por descobrir lugares e culturas foi aumentando, decidi me aprofundar nos países pelos quais passava e não tenho mais data pra voltar”, diz a paulista de São Simão, diretamente de Uganda. “Estou indo com o vento, sem hora de chegar ali ou sair daqui, bem pole pole (devagar, devagarinho) como dizem em swahili”. 

Fascinada pela natureza africana, Bê decidiu que precisava ir além do Discovery Channel antes dos 30. Mas sua primeira viagem ao continente só rolou cinco anos mais tarde, quando embarcou numa temporada de três meses na África do Sul, com um pulo na Namíbia. Foi pouco pra quem tinha sede da África “de verdade”, distante das cervejarias hipsters da Cidade do Cabo. “Queria conhecer as pessoas, saber como elas vivem, ouvir seus cantos, explorar mais do que lugares turísticos”. 

Sobrevoando as Cataratas de Vitória, na divisa da Zâmbia com o Zimbábue | Fotos: arquivo pessoal

Antes de cair na estrada, a produtora freelancer vendeu seu carro e alugou o apartamento onde vivia em São Paulo. “A renda não é grande coisa, mas o pouco aqui é muito”, conta. “Hoje mesmo comprei peças lindas de artesanato num mercado de Kampala que não passavam de R$15, almoço comida local por menos de R$10 e circulo de mototáxi e carona”. Sempre que possível, a acomodação rola na base do CouchSurfing. “Já passei por umas 10 casas, sempre procurando gente com boas referências, mas sem me importar com a falta de conforto”, diz Bê, que assegura só ter tido uma noite realmente difícil, no interior da Tanzânia, quando a cama em que dormia ruiu no meio da noite. “Não é só pra economizar, assim faço conexões e troco experiências”.

Além de procurar sofás-amigos, ela também trabalha em troca de hospedagem e alimentação, em projetos interessantes que garimpa no WorldPackers – o Airbnb do voluntariado. “Ainda que tenha muitas críticas a esta postura do branco que se apresenta como o salvador do africano, venho usando a plataforma como uma ferramenta pra estar em contato com os locais”, diz Bê. Com vasta experiência em produção, ela tem contribuído para melhorar os perfis de albergues, ONGs, orfanatos e outras instituições nas redes sociais e no próprio site do Worldpackers, com fotos e vídeos profissionais. Vez ou outra, esses trabalhos acabam rendendo mais do que casa e comida. Num albergue na Zâmbia, onde passou uma temporada como voluntária, foi encarregada de registrar safáris incríveis, raftings e até uma visita à mítica Angel’s Pool, nas Cataratas de Vitória. 

Fotos e vídeos também são sua ferramenta de comunicação com a família e amigos. “Quase não falamos no Whatsapp, é tudo via Instagram e, se deixo de postar um dia, minha mãe não dorme”. Graças ao seu talento, no entanto, a conta @bejorge acabou ganhando um dos feeds mais interessantes do momento. “Faço mais pela oportunidade do que pelo objetivo. Não fico postando o dia todo e deixo de registrar muitas coisas porque prefiro estar 100% presente em cada momento.” 

Ao falar de “momentos”, ela se refere a dormir numa barraca no meio do Serengeti National Park, na Tanzânia, ouvindo hienas a seu redor durante a noite e, ao amanhecer, topar com búfalos, girafas e elefantes a menos de 10 metros de distância. Ou então fazer uma tatuagem com equipamentos de madeira numa tribo Massai no parque de Masai Mara, no Quênia; voar de ultraleve sobre as cataratas de Vitória; ser a única muzungo (estrangeira) no show do Madoxx, reggaeman mais popular de Uganda…

O beijo da girafa. Em Giraffe Manor, no Quênia

Tanta aventura não cansa? “O pior é o assédio constante. Além de ser uma mulher viajando sozinha, meu cabelo e minhas tatuagens chamam muita atenção”, diz Bê, que atravessou África do Sul, Suazilândia, Zimbábue, Zâmbia, Moçambique, Tanzânia, Quênia e Uganda ouvindo cantadas em idiomas incompreensíveis e sendo chamada de rasta baby a cada cinco minutos. “Mesmo assim, nunca me senti em perigo. Sou bocuda, xingo mesmo e acabo impondo respeito, já que nesses países os homens estão acostumados a mulheres submissas”. 

Perrengues logísticos também fazem parte da sua (falta de) rotina. Em Moçambique, por exemplo, uma viagem de 300km de ônibus acabou evoluindo para uma jornada épica de três dias, com direito a atoleiros, poeira e uma noite inteira com o machimbombo (busão) parado na estrada, infestado de pernilongos. “Mas descobrir como o mundo respira é o que me faz acordar todos os dias e dizer: sou feliz assim, viajando”, diz. “A África me fez entender como a cultura ocidental é egoísta; aqui o normal é apertar para caber mais um e dividir o pouco que se tem”. 

Ainda que, para Bê, fazer planos seja tão difícil quanto contar as tatuagens que tem no corpo, nos próximos meses ela deve passar por Ruanda, atravessar o Sudão, explorar a Etiópia e, quem sabe, até dar um pulo na (temida) Somália. Seu único compromisso inadiável do momento, no entanto, é encontrar gorilas nas montanhas de Uganda, no próximo dia 20 de novembro. 

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