Vibes

07 livros pra esquentar a alma no inverno ou em qualquer outra estação

Por
Lilian Kaori Hamatsu
Em
1 agosto, 2019

Nesse inverno de temperaturas inconstantes, nada melhor do que aquecer a alma apreciando narrativas, poesias e contos vívidos e solares. Após o encerramento da 17ª edição da Flip e com a aproximação de mais uma temporada de bienais pelo país – entre os meses de agosto e setembro, em São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Pernambuco, Alagoas e Ceará –, entramos na vibe literária pra indicar algumas das obras que nos remetem ao calor do verão. Da música ao universo da gastronomia, passando por relatos de viagem, memórias afetivas e um introspectivo mundo de interpretações pessoais, aqui o sol nasce pra todos.

01.

As Mais Belas Coisas do Mundo”, Valter Hugo Mãe

A partir da perspectiva de uma criança curiosa, o escritor português promove um verdadeiro encontro de gerações e invoca a figura do avô para falar sobre descobertas e abstrações infantis. Na troca sincera e genuína entre personagens, cada momento de aprendizado descrito ao longo da narrativa desperta sensação de encantamento em quem lê. De textos curtos e vocabulário rico, “As mais belas coisas do mundo” (Biblioteca Azul) são como finais de semana comendo bolinhos de chuva açucarados e ouvindo histórias sobre verões de tempos remotos.

“Era um detetive de interiores, inspecionava sobretudo sentimentos. Quando lhe perguntei o porquê, ele respondeu que só assim se falava verdadeiramente acerca da felicidade.”


02.

“Também os Brancos Sabem Dançar”, Kalaf Epalanga

Por aqui já falamos sobre o kuduro do músico e escritor angolano, mas a verdade é que quando se trata de lusofonia ritmada, ninguém melhor do que o próprio Epalanga pra romancear. Em “Também os brancos sabem dançar” (Todavia), a cena cultural europeia vai de encontro ao beat africano durante uma viagem vibrante e colorida que não falha em retratar um choque de cidadanias. Suécia, Noruega, Portugal e até Brasil, a miscelânea aparece com a única finalidade de agregar. Toda a trajetória é narrada com sutileza e malemolência, tornando difícil a missão de tratar como crônica o que mais parece melodia.

“Juntos, começamos a editar e a remisturar algumas músicas kuduro para tocar na residência mensal no Clube Mercado, frequentado maioritariamente por um público que nunca havia pisado um clube africano. Talvez daí a falta de preconceitos com que lhes propúnhamos a nossa música. Foi a loucura total. Era tudo novo, fresco e cru.”


03.

“A Criança em Ruínas”, José Luís Peixoto

Um dos maiores nomes da literatura portuguesa contemporânea, José Luís Peixoto faz da poesia melancólica seu refúgio. Enquanto o ciclo humano – tratado do nascimento ao cansaço proporcionado pela vida adulta e enfim o luto – atua como linha costurando todos os textos de “A criança em ruínas” (Dublinense), uma atmosfera de serenidade predomina sobre a obra e faz com que interpretemos cada perda e descompasso de emoção com naturalidade. Singulares, os poemas são confortantes como poucos e sempre ambientados em cenários familiares, seja uma sala de jantar ou uma tarde na piscina do sítio.

“ainda que tu estejas aí e eu esteja aqui
estaremos sempre no mesmo sítio se fecharmos os olhos
serás sempre tu que me ensinarás a nadar
seremos sempre nós sob o sol morno de julho
e o véu tênue do nosso silêncio será sempre o teu
e o meu sorriso a cair e a gritar de alegria ao mergulhar na água
ao procurar um abraço que não precisa de ser dado”


04.

“A Visita de João Gilberto aos Novos Baianos”, Sérgio Rodrigues

Certamente uma ode fantasiosa aos ídolos da MPB, a obra faz alusão preciosista aos momentos históricos, mas cria literatura em cima de relatos. Com muita habilidade, Sérgio Rodrigues foi capaz de transformar um episódio já considerado disruptivo em uma grande festa de arromba. “A visita de João Gilberto aos Novos Baianos” (Companhia das Letras) é lúdica, divertida e mesmo assim rebuscada. Já que os contos pouco se diferem da personalidade do próprio autor mineiro, que mescla sua face de escritor cheio de experimentalismos ao lado jornalista, fica fácil compreender o que torna a prosa tão envolvente.

“Fazia um calor de melar cocaína, quase todo mundo no banho de mangueira, neguinho de sunga, Teresa Olho de Peixe, Baby e Pepita nuns deliciosos biquínis quase teóricos, de repente me desce do táxi a porra de um coroa de terno preto carregando um violão.”


05.

“Sangue, Ossos & Manteiga”, Gabrielle Hamilton

Gente como a gente – ainda que ela seja a chef e proprietária por trás do restaurante nova-iorquino Prune e nós, vez ou outra, ainda erremos o ponto da gema –, Gabrielle Hamilton constrói sua autobiografia com riqueza de detalhes, relatáveis doses de identificação e sabores marcantes. Da fazenda onde passou a infância entre celeiros e riachos ao lado dos cinco irmãos até o dia em que finalmente abriu as portas do seu disputadíssimo pequeno restaurante de trinta lugares, foram inúmeras pilhas de pratos lavados e dias de chuva sendo obrigada a comer grama pela mãe. Enquanto conta a própria história, não menciona sequer uma lista com ingredientes de alguma receita específica, mas faz salivar pela autenticidade de suas palavras.

“A chef em mim anseia por afiar sua faca, dar-lhe uma nova de presente, usar uma tábua para conseguir fatias uniformes e perfeitas de beringela e mergulhá-las primeiro no ovo antes das migalhas de pão. Mas a nora em mim obedece Alda, que tem feito desse jeito há pelo menos cinquenta anos.”


06.

Ioga Para Quem Não Está Nem Aí”, Geoff Dyer

Na busca pela desconstrução diária, repensar o modo como viajamos também faz parte do processo. Embora possa causar algum tipo de desconforto inicial, a reflexão é cheia de descobertas inusitadas e experiências que beiram o cômico – especialmente quando nada se planeja. Pelo que descreve o escritor britânico Geoff Dyer em “Ioga para quem não está nem aí” (Companhia das Letras), foi necessário percorrer Nova Orleans, Camboja, Bali, Tailândia, Líbia, Amsterdam, Roma, Paris, Detroit, Flórida e Nevada para finalmente encarar questões existenciais, experiências com drogas, ócio e amores de verão. Ao que tudo indica, a jornada vale a pena.

“Percebi que passei os últimos quinze anos carregando o mesmo fardo de expectativas frustadas de um canto do mundo para o outro. Quis ter alguém para conversar sobre isso, mas assim que esse desejo foi realizado, desejei apenas estar sozinho novamente.”


07.

“Estórias Abensonhadas”, Mia Couto

Não satisfeito em ser apenas o maior escritor moçambicano da atualidade e um dos mais importantes autores lusófonos do mundo, o incansável Mia Couto decidiu fantasiar o cotidiano de seus conterrâneos em uma nação pós-guerra onde a fala, a música e a identidade são as maiores riquezas do povo. Cada um dos contos – são vinte e seis ao todo – revela traços de diferentes personagens da realidade e captura ações motivadas pelos sentimentos mais contrastantes que existem. “Estórias abensonhadas” (Companhia das Letras) é o faliventar de Mia em seu máximo, com alegorias, críticas sociais e muito afeto para tratar de amor, esperança e um futuro mais solar.

“Enquanto remava um demorado regresso, me vinham à lembrança as velhas palavras de meu velho avô: a água e o tempo são irmãos gêmeos, nascidos do mesmo ventre. E eu acabava de descobrir em mim um rio que não haveria nunca de morrer. A esse rio volto agora a conduzir meu filho, lhe ensinando a vislumbrar os brancos panos da outra margem.”

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