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A rotina de Otto no isolamento

Por
Patricia Palumbo
Em
16 junho, 2020
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Sem sair de casa, um dos mais inventivos e originais artistas do Brasil pinta quadros, escreve um livro de poemas, se exercita e prepara um novo álbum, Canicule, feito num iPad

Aos 50 anos, nosso amado galego acorda cedo, faz exercícios diariamente e está terminando mais um disco. Otto é um artista de longa estrada. Tem muita história para contar, shows inesquecíveis na bagagem, discos importantes para nossa música, e exatamente por isso tem muitas ferramentas para enfrentar estes tempos de isolamento. Liguei para ele a fim de bater um papo sobre a quarentena, a pandemia e a situação política do Brasil. Tempos difíceis que são também tempos de mudança para quem está atento como ele. “É uma revolução”, diz. “A nossa resistência é grande, e isso é um trunfo. É uma tortura diária, muito ruim, muito chato, mas já estamos no caminho para a saída, para a transformação.”

Otto está em movimento, está fazendo arte. Retomou um desejo antigo de pintar, comprou cadernos de papel canson ou “chanson” — como brincamos —, e deixa os dias fluírem. Cores fortes em desenhos simples. Um prazer sem explicação que já começa nas primeiras horas da manhã. São três novos desenhos por semana. Também tem um livro pronto para sair: Meu Caderno Vermelho. Poemas, pensamentos, reflexões. Os textos que vem publicando em sua conta do Instagram foram organizados e ganham volume e cor. Para o meu podcast, Peixe Voador, ele leu um de seus poemas.

O novo disco também nasce diferente. Acostumado a ter Pupillo sempre por perto, desta vez fez tudo sozinho em casa. Usou o app GarageBand em seu iPad. “Foi preciso tudo isso para eu buscar um som feito só por mim.” As letras, claro, são todas de sua autoria. Apollo 9 assina a produção e a maravilhosa Angela Ro Ro participa. Dela Otto já cantou “Coitadinha, Bem Feito” e fizeram juntos “Valete” num disco de Lirinha, outro pernambucano irrequieto e genial. O nome do novo trabalho, Canicule, vem de uma expressão francesa para ondas de excessivo calor, quando o dia está perto dos 45 graus: “A chapa esquentando, canicule”. “Otto percebe e se preocupa com as mudanças climáticas do planeta: “Essa é a cadeia que a gente vive, os pássaros cantando mais perto da sua janela, a Amazônia em chamas, a renovação nas cidades…”

Otto sempre foi cidadão do mundo. Tocou percussão pelas ruas da Europa, excursionou com sua música por muitos palcos em diferentes países. Mas com a chegada de Kenza [Saïd], sua companheira há cinco anos, a França está mais perto. São dela as fotos que ilustram esta reportagem, e mesmo que ele não tenha me dito, sei que a cadência suave da namorada contribui bastante para essa fase mais tranquila de sua vida.

Fotos: Kenza Saïd

Kenza pretende ir à França neste verão, ela não merece este país: “Que estrangeiro precisa dessa política brasileira? A gente vive num estado absurdo. Então, ela vai. E Betina [filha de Otto] chega de Mauá com a mãe”. O entusiasmo da juventude continua forte, é evidente, mas com mais equilíbrio nesse homem que agora gosta de ficar em casa depois de tanto rodar. “É triste ficar sem show, sem trabalho, mas me adaptei muito bem. Que a grande mudança sirva para o ser humano sair melhor.”

Otto faz 30 minutos por dia dos exercícios do futebol de salão que já jogou muito. Para não se deixar engolir. “Reação! Sou bom de crise, sempre fui. Quanto pior está, mais a gente tem que reagir.” Para nossa sorte, ele está cheio de vontade e quer mostrar tudo. Quadros viram cenário, o livro vira uma tour. “A arte me preenche, me esquenta.”

Este post foi originalmente publicado na Edição #04 da revista do The Summer Hunter. Faça o download gratuito aqui

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