A bebida escura com aparência de suco de amora talvez seja a próxima tendência que você vai ver nos bares especializados em naturais e biodinâmicos.
Conhecidas como tintureiras, as variedades de uva com pele bem roxa e polpa de um tom vermelho intenso já foram sinônimo de vinho de má qualidade. Mas o mundo dá voltas e, nos últimos tempos, é essa bebida escura — genericamente chamada de black wine — que os entendidos querem ter em suas taças.

“Após definhar por quase cem anos, as uvas tintureiras e a bebida escura que elas produzem estão finalmente começando a se livrar do estigma, à medida que os criadores de tendências no mundo do vinho natural começam a apresentar produtores dessas variedades.”
Trecho de reportagem do The New York Times
Vários tons de preto

Quando alguém fala de black wine, pode estar se referindo a vários tipos, a exemplo do negro de Cahors — um Malbec francês superestruturado — ou um Alicante Bouschet, produzido em vários países da Europa. O hype, no entanto, tem mais a ver com os georgianos feitos com a variedade Saperavi.

Os vinhos produzidos com Saperavi na Geórgia têm um tom de ébano e, tradicionalmente, são envelhecidos em ânforas de argila, os qvevris — também usados pra produzir vinhos laranja —, e passam por longos períodos de maceração com as cascas, o que lhes confere cor e intensidade.
Imagem manchada

Parte da União Soviética de 1921 a 1991, a Geórgia era a responsável por abastecer de vinho o Bloco Comunista. Pressionados pela Rússia, os produtores arrancaram boa parte das uvas autóctones e replantaram Saperavi e Rkatsiteli, arrasando com a biodiversidade de um país que tinha mais de 500 variedades locais, em nome da produção em larga escala.

“Por conta dessa estratégia do regime comunista, e da posterior industrialização do século 20, quando o país continuou fazendo tintos de baixo custo pra exportação, criou-se um preconceito em relação ao vinho georgiano e ao Saperavi.”
Lis Cereja, sommelier, chef de cozinha e nutricionista, proprietária da Enoteca SaintVinSaint e fundadora da Feira Naturebas


Nas últimas décadas, no entanto, a Geórgia vem recuperando a sua reputação e tradição, atraindo olhares de todo o mundo. Na edição 2024 da Feira Naturebas, o assunto mais comentado foi a presença do produtor John Wurdeman, da vinícola georgiana Pheasants Tears.

“Esse interesse tão grande vem do fato de a Geórgia ser o berço do vinho. Então quem realmente gosta desse assunto ou trabalha no setor acaba se interessando por esse país. Estar lá é uma grande aula in loco, uma espécie de portalzinho no tempo pra você ver a origem de tudo.”
Lis Cereja
Feito no Brasil

O Brasil tem apenas um viveiro que trabalha com mudas de videiras georgianas. E algumas delas foram parar na Terroir da Vigia, vinícola localizada em Sant’Ana do Livramento, na Campanha Gaúcha, que produz um Saperavi de alta qualidade, orgânico e natural.

A importação de vinhos naturais da Geórgia no Brasil teve início este ano e, ao contrário do que rola em Nova York ou Londres, ainda é difícil topar com um Saperavi por aí. Mas é questão de tempo. Por enquanto, alguns endereços já servem outros vinhos georgianos.
Onde provar vinhos da Georgia

Beverino — Vinhos naturais e comida boa na Vila Buarque, em São Paulo.
Enoteca Saint Vin Saint — No restaurante da sommelier Lis Cereja, em São Paulo, você vai encontrar o Saperavi da Terroir da Vigia e bons exemplos de vinhos naturais georgianos.
Crédito da imagem de abertura: Shutterstock