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Ao mestre, com carinho

Por
Eloá Orazem
Em
24 junho, 2016

A história se repete, a primeira vez como tragédia e a segunda como poesia: Jean Philippe Rosier é um dos entusiastas de um “iluminismo” tropical bastante particular, resultado de sua própria revolução francesa – e japonesa também. Das batalhas napoleônicas que aceitou para si, provavelmente nenhuma lhe custou tanto sangue e tanta luta quanto a missão de colonizar o Rio de Janeiro, instaurando ali um novo reinado para a Perestroika, uma escola criativa gaúcha como ele. Nos momentos bons e nos difíceis (porque ruins não houve), Jean se manteve constantemente no front da operação e levou o negócio à vitória – mas não o fez intacto; seu coração grande é alvo fácil para a vida. O músculo pulsante que o colocou na sociedade da Perestroika foi também o que lhe impeliu a deixar a gestão diária da escola para assumir apenas algumas aulas. Jean pretende aproveitar mais e melhor seu tempo livre cumprindo o seu chamado: ser explorador — dos mares e dos homens.

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Ô, Jean, você já tinha trabalhado com educação antes? Qual o seu background?
Sou formado em publicidade, mas a educação faz parte do meu universo há anos: antes de entrar pro time da Perestroika, eu trabalhava no departamento financeiro de uma empresa e era o responsável pelo treinamento de work flow para todas as sucursais do grupo. E minha mãe é professora. Demorei um bocado pra constatar que a educação sempre foi algo muito presente – sobretudo por conta da minha mãe, claro. Fui ainda mais fundo nessa área durante a faculdade. Na ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing), além do TCC, que quase todo mundo conhece, temos também o PGE (Programa de Graduação ESPM), um projeto em grupo com um cliente real. Pra esse trabalho, tivemos que desenvolver um plano de negócio pro cliente, e meu grupo escolheu uma escola montessoriana em Porta Alegre, então eu entrei muito nesse mundo de novas formas de fazer educação, entendendo o mercado e modelo de negócio e pensando em ações pra promover mais aquela escola. Te juro que, apesar dessas experiências, fui só me atentar a todas essas “coincidências” muito tempo depois: o bichinho da educação já estava me mordendo sem eu perceber.

Você acha que esse novo modelo de negócio e educação da Perestroika é o futuro?
Olha, eu acho que pode ser. Vejo muito a Perestroika como uma plataforma que usa o seu propósito para transformar a educação – mas a gente não vai parar por aí, porque o nosso intuito é atuar em outras frentes. Muito do que eu vejo, estudo e acompanho em matéria de plano de negócio e empreendedorismo está, hoje, pautado na lógica do propósito: menos o que você faz e mais porque você faz. E o nosso propósito é muito claro, e ele faz sentido pra toda a equipe. Assim, o que a gente faz é secundário, nosso foco é o porque a gente faz e qual o nosso objetivo. A educação foi o primeiro passo e vai ser pra sempre a nossa maior bandeira, mas vejo a Perestroika atuando em outras áreas para atingir o seu propósito.

Muita gente diz que a educação está virando um negócio “comercial demais”. A Perestroika oferece, digamos, uma educação mais útil do que as escolas tradicionais?
Eu acho que sim. Uma das grandes preocupações da Perestroika é falar das coisas tal qual elas acontecem. A gente olha daqui pra frente, pro futuro, e acho que isso tem muito a ver com o termo: quando a gente fala “escola”– a Escola de Frankfurt ou Escola de Bauhaus, por exemplo –, a gente está falando de movimentos educacionais que vislumbram o futuro, diferente de outras academias, que olham pra trás buscando referências e bases. Vejo essa preocupação imensa de gente que faz hoje e tenta reescrever o seu mercado. O mundo mudou, então a educação tem que mudar com ele – é esse o princípio que tenho em mente quando penso em novos cursos. Não tem mais como replicar o que foi. Tudo mudou, inclusive a sociedade.

Dos cursos que você teve a chance de organizar, qual foi o mais bem sucedido, o que teve o maior número de retorno positivo?
O que mais teve sucesso foi o de Empreendedorismo Criativo. É curioso porque a gente lançou esse projeto em 2010, e eu fui o primeiro coordenador. Na época, eu ligava pras pessoas pra contar a novidade, mas a palavra “empreendedorismo” ainda era muito pouco conhecido, então eu tinha que explicar o termo e dar exemplos. Hoje, seis anos depois, essa palavra já aparece até desbotada, de tanto que foi usada – uma loucura como as coisas mudam em tão pouco tempo, né? Esse curso nos deu boa projeção, pois nos colocou à frente de outras iniciativas e validou que estávamos certos em apostar no tema.

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Você sempre foi esse cara curioso e independente?
Desde sempre. Acho que tive uma forma única de educação e de viver a minha infância. Quando eu tinha 4 anos, meu pai foi fazer um doutorado na França. Então, dos 4 aos 8 eu vivi lá com a minha família – e o legal é que eu fui alfabetizado primeiro em francês. A dificuldade foi quando eu voltei pro Brasil, porque eu não sabia falar português. Brinco dizendo que eu sofri bullying no colégio, mas eu consegui superar. Por conta disso, tenho desde muito jovem o entendimento de que não podemos ter amarras e que as coisas não caem do céu.

Da França vocês voltaram direto pro Brasil?
Sim, mas, por conta do trabalho do meu pai, minha família morou em lugares diferentes: voltamos da França pra Porto Alegre e meses depois estávamos morando no interior de Santa Catarina. A cada mudança era aquela coisa de reconstruir amizades, de chegar sozinho no colégio sem conhecer ninguém, de se virar sem nenhum conhecido na cidade. Seis anos mais tarde, aos 16, eu fui morar em Porto Alegre apenas com a minha irmã. Aos 20 decidi que precisava fazer alguma coisa por mim: queria tomar uns tapas na cara da vida e ter histórias pra contar. Meu plano era ir pra Austrália porque surfo desde os 12 anos e o esporte é uma grande paixão na minha vida. Fui discutir esse objetivo com o meu pai e ele falou “não, cara, tu não vai pra Austrália pra surfar, você precisa fazer alguma coisa interessante. Tenta sair do Brasil com um trabalho que vai, pelo menos, treinar a sua língua e ajudar no seu processo de desenvolvimento pessoal e profissional”.

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E rolou?
Rolou! Consegui um trainee na França, dentro de uma universidade. Eu ajudei a organizar o primeiro colóquio entre Brasil e França, que foi um projeto bem grandioso – vários políticos e personalidades participaram. Foi superlegal: eu ali, com 21 anos, à frente desse projeto tão grande e tão importante. De lá pra cá, as viagens viraram uma constante na minha vida. Juntei uma grana e fui pra Austrália, realizar meu sonho. De lá, por conta própria, viajei pelo sudeste asiático: Camboja, Tailândia… Aí voltei pro Brasil, e cinco anos depois me mudei pro Rio para assumir um novo desafio: abrir a unidade carioca da Perestroika e ser gestor do negócio. Descobri que adoro a mescla de desafio com desenvolvimento pessoal – é o que me move. Isso ficou muito mais claro numa viagem que fiz recentemente ao Japão, onde as fichas caíram todas de uma vez.

Está gostando da entrevista? Que tal dar uma pausa pra escutar a playlist que o Jean criou especialmente pra gente com as músicas que são sinônimo de uma vida solar

E, Jean, vem cá: você escolhe suas viagens com o objetivo de explorar não só novos lugares do mundo, mas dentro de você também?
Sim, mas no começo eu fazia isso intuitivamente. Como disse antes, o Japão foi um divisor de águas pra esse entendimento. Uma década atrás, em 2006, ninguém falava do Vietnã ou do Laos como falam hoje, eram destinos nada óbvios – e meu objetivo era justamente conhecer lugares diferentes, que ninguém conhece. Sempre quis me deparar com mais novidades e enfrentar um grande choque cultural, porque isso nos engrandece. Nessa minha trip de dois anos, tinha muita essa coisa de me desafiar e o inconsciente era esse. Quando eu cheguei na Austrália, eu fiquei em Sydney por um tempo, porque um grande amigo meu estava morando lá. Mas lembro que achei que tinha muito brasileiro, meu amigo também pensava igual, então escolhemos morar numa cidade que ainda hoje quase ninguém nunca nem ouviu falar, no interior da Sunshine Coast. Lá tinha surfe, beleza naturais e não tinha nenhum brasileiro: tudo o que a gente queria.

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E o que vocês ficaram fazendo lá, seus malucos?
A gente trabalhou na colheita de morangos. Eu queria viver na pele um hard job, uma coisa braçal mesmo. A gente morava num backpacker, dividindo espaço só com a galera que trabalhava na plantação. Eram dois franceses, um inglês, nós dois de brasileiros e um outra beliche que rodava bastante, recebendo cada hora uma pessoa de uma nacionalidade diferente. A diversidade cultural ali era demais. Durante a colheita você conversa muito com os seus colegas, e em uma linha de colheita eu falava inglês, na outra espanhol, na outra francês… e assim fui me desenvolvendo e aprendendo mais sobre diferentes sociedades.

Por que você quis pegar pesado num hard job?
Porque eu acho que é muito importante a gente valorizar o que a gente tem na vida. Eu não sou de família rica, mas nunca passei necessidade. Meu pai sempre trabalhou e conseguiu nos dar muito carinho e muito conforto. E, cara, meu pai batalhou muito, sabe? Ele perdeu os pais cedo, bem na época que prestava o vestibular. Valorizo demais pessoas assim, que constroem a própria história. Não é que eu acredite cegamente no “no pain, no gain”, mas quando a gente se entrega, se esforça e se valoriza, o resultado é mais recompensador. Eu sempre fui um cara sem frescura, e nunca neguei oportunidades.

Mas você não acha que o brasileiro está entrando numa vibe americana, de viver pra trabalhar? Nos Estados Unidos não é raro encontrar gente com dois ou três empregos…
É engraçado, porque eu vejo e transito nos dois mundos. Conheço gente com esse pensamento mais ocidental, de estar nessa batida de trabalhar muito até os 40, juntando muita grana, pra depois se aposentar e viver de renda. E eu vejo também, sobretudo nesse universo que gravita ao redor da Perestroika, muita gente que pensa de forma diferente, vivendo sob uma lógica mais oriental do “peraí, eu preciso de tudo isso? Eu trabalho pra quê?” Sucesso é estar superconectado por diversos aparelhos de última geração, ou estar totalmente offline em uma cachoeira? Pelo ambiente que a Perestroika proporciona e pelas pessoas que frequentam a escola, eu tenho talvez a sorte de conviver com gente que pensa mais como eu. Depois dessa viagem pro Japão eu voltei muito mais low profile: quero fazer um projeto pessoal que não tem nada a ver com a Perestroika ou com ganhar dinheiro; quero fazer um projeto pra entregar, devolver e cumprir com o meu propósito, que me surgiu num insight durante uma caminhada nesta viagem.

Acho que todo mundo já percebeu que essa viagem ao Japão te mudou muito, né? Como é que rolou essa trip?
A história é curiosa: em agosto do ano passado eu completei 30 anos. Crise dos 30, crise de identidade. Eu morava com a minha namorada na época, e a gente tava passando por um momento bastante conturbado. Em uma das minhas viagens malucas, não lembro direito de onde pra onde, rolou uma turbulência muito forte no avião e eu pensei “caralho, se eu morrer agora, eu não vou morrer feliz”. Eu estava realizado profissionalmente, porque eu amo o que eu faço, e sei que a Perestroika no Rio está indo super bem, então a questão não era essa. Financeiramente, eu estava estável. Mas mesmo assim, não estava feliz, e foi durante aquela turbulência que a “acendeu uma luz” aqui dentro. Abri a revista da companhia aérea e dei de cara com uma matéria cujo título era “Caminhos pra refletir”. Estava lá uma rota em Roraima, o caminho de Santiago da Compostela e o caminho de Kumano, no Japão.

E você fez isso sozinho?
Uns amigos até quiseram ir comigo, mas eu precisava viver tudo aquilo só. Precisava entrar em contato comigo e me desconectar. Eu queria encontrar várias repostas pras perguntas que surgiam na minha cabeça. Nunca pensei que faria algo assim, porque eu sempre fui um cara meio carente, sempre gostei de estar cercado por amigos. No fundo, no fundo, eu tinha um pouco de medo. Estava ansioso, porque eu não sabia falar a língua, não sabia se eu ia acampar… Acho que tudo isso fez com que eu vivesse essa experiência muito intensamente. Foi no desconhecido, sozinho, que encontrei as minhas respostas.

E qual foi o grande momento catártico dessa vivência?
São tantos que só de pensar eu fico arrepiado. Vejo dois grandes momentos: o primeiro quando eu fiz uma meditação num templo em Koyasan, o lugar onde nasceu a segunda vertente do budismo no Japão. Ali eu me conectei com o país, e eu entendi que precisava parar com a ansiedade pra viver aquilo. Foi uma hora de meditação e estava bem frio, mas minha mão suava. Fiquei uma hora em transe. Ali virou a chave. Outro momento foi o primeiro dos quatro dias de caminhada, porque era o começo das minhas repostas. Pelas paisagens, pela energia e por tudo que eu vi e senti, eu agradecia a vida pela oportunidade de estar ali.

Cara, me parece que você tem uma mente muito inquieta. Foi difícil pra você o começo da meditação, que é basicamente calar as vozes interiores?
Desde que a Perestroika mudou para a sua nova casa aqui no Rio a gente tem feito ioga, e depois da aula a gente deita e medita. Eu gostava muito desse momento de silêncio, e acho que isso foi me moldando. Quando cheguei no Japão, só pensava em fechar os olhos, me concentrar e tentar entender tudo o que estava acontecendo, até que, em Kyoto, eu fiz um curso de meditação com um cara que desmistificou toda a lógica da meditação.

Como assim?
Eu imaginava que chegaria um típico monge japonês, aquela coisa que vemos em filme, mas veio um cara falando um inglês impecável, o que é muito raro lá. Nosso grupo era composto por oito pessoas, todos estrangeiros, e cada um esperava sentado de um jeito: de joelhos, lótus 1, lótus 2… Esse monge chegou e perguntou porque estávamos sentados daquele jeito e se estávamos realmente confortáveis. Ele dizia que o mundo mudou e a forma que a gente medita também. O budismo prega a adaptabilidade; prega que a gente tem que pensar como água. Não dá pra pegar uma técnica desenvolvida milhares de anos atrás e querer aplicá-la nos dias de hoje, sem qualquer alteração.

Você foi ao Japão praticamente durante a primavera. O clima quente e dias solares costumam pautas as suas viagens?
Embora goste mais do calor, não planejo meus destino de acordo com as estações do ano. Hoje é uma coisa mais pautada pela vivência mesmo – mas quando era mais novo, as ondas me diziam onde ir.

Quando é que seu namoro com o surfe começou a ficar sério?
Eu gosto muito de água e de esporte, e paralelo a isso, meu pai surfava. Desde garoto tive o apoio e incentivo dele, que me levava pra comprar todos os equipamentos e acessórios necessários.

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Agora que você estabeleceu residência fixa no Rio, conta pra nós que adoramos uma vida solar: como é que é pra um gaúcho, acostumado ao frio, viver em uma terra que só sabe o que é verão?
Eu sou muito solar também, e acredito piamente que dias ensolarados têm o poder de transformar o ânimo das pessoas. Acho que todo mundo fica mais ativo quando está calor, porque você tem vontade de sair e curtir a vida outdoor. Aliás, mais do que ficar a céu abeto, o verão nos convida a expandir: fazer mais coisas, com mais pessoas em novos lugares.

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