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Rodrigo Matsuda: surfando na onda da madeira

Por
Manuela Stelzer
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Único shaper brasileiro formado pelas avançadas técnicas japonesas, Rodrigo Matsuda é referência na produção artesanal de pranchas com métodos tradicionais, sem abrir mão da performance no mar.

“Meu coração é do Brasil. Mas minha alma é bem japonesa.” É assim que Rodrigo Matsuda (@rodo_matsuda) se sente quando questionado sobre sua nacionalidade. Nascido na cidade de São Paulo, ele já soma 16 anos de vida no Japão, entre idas e vindas. O primeiro contato com o país asiático foi em casa — as famílias dos avós paternos e maternos são da ilha de Okinawa —, mas o gosto pela tradicionalidade japonesa é uma questão pessoal.

Aos 42 anos, Rodrigo é apaixonado por arte e atividades manuais. Mais jovem, trabalhou com o tio ceramista e viu o avô fabricar uma espécie de banjo japonês, em madeira, chamado Sanshin. Outra paixão é o surf. Desde pequeno, ainda no Brasil, Rodrigo já pegava onda. Mas a maior curiosidade tinha pouco a ver com o esporte em si: queria desvendar todos os mistérios das pranchas, como eram feitas, quem as produzia, como funcionava o processo. “Fiquei tão interessado que procurei outras opções de material pra trabalhar por conta da minha saúde: tenho bronquite, e as resinas tóxicas das pranchas convencionais me fariam muito mal”, conta. “Aí fui pesquisar a história do surf e descobri as alaias.

Fotos: divulgação

Alaias foram as primeiras pranchas surfadas no Havaí, feitas de madeira e sem quilhas. Foi esse modelo que Rodrigo começou a produzir e a vender logo de cara, depois de se tornar shaper, formado pela Suikoushya International Craft School, uma prestigiada escola de carpintaria de Quioto. Atualmente, ele também é professor da instituição, onde ensina técnicas tradicionais de construção de casas e templos japoneses.

Muitos surfistas profissionais procuravam as alaias que ele fabricava justamente porque queriam ampliar habilidades e se desafiar ainda mais no mar. “É uma prancha muito rápida, que tem pouca flutuação e, sinceramente, não é pra qualquer um”, explica. Foi pensando nesse desafio de desempenho no mar que Rodrigo quis propor algo novo — pranchas de madeira, claro, feitas com técnicas japonesas rigorosas, mas direcionadas a uma melhor performance nas ondas. “Queria misturar a tradicionalidade daqui, com uma certa modernidade e funcionalidade, pranchas que durassem mais e fossem pensadas a partir da forma como se comportam na água.”

Apesar da mudança no produto, o processo se manteve artesanal, como foi desde o dia um — de acordo com o shaper, ele participa de todas as etapas, desde o plantio, que visita a cada quatro meses, até a selagem das peças, feita com o óleo da mesma árvore que serve de matéria-prima, a Kumahagi. “No Japão, todos os envolvidos no ciclo são considerados artesãos, porque vão a fundo no estudo do seu ofício: como cortar, qual a melhor maneira de plantar, como extrair a madeira, como evitar o desperdício”, explica Rodrigo. “Os japoneses se dedicam muito em tudo que fazem, e eu me identifico com isso.”

Suas pranchas de madeira já chegaram a países como Portugal, Espanha, Indonésia e Inglaterra — e isso porque o shaper mantém um ritmo “desacelerado”, sempre priorizando o cuidado e a entrega única a cada cliente. “É uma responsabilidade mesmo. Não é simplesmente produzir, vender e pronto. Essa é uma lição que aprendi aqui: a dedicação total ao que eu faço e um respeito profundo pelo mar.”

Pra que se tenha uma ideia da complexidade do processo, em 2023, Rodrigo shapeou, no total, 50 pranchas, enquanto um produtor convencional, segundo ele, consegue shapear 15 em apenas um dia. No Brasil, parte dessa produção especial está à venda na Deus Ex Machina, em São Paulo, que faz parceria com Rodrigo Matsuda desde 2022.

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