A saudade da terrinha em meio à pandemia fez com que o casal Kika Brandão e Rennê Nunes deixasse São Paulo para transformar uma casinha no litoral baiano em seu novo escritório.
“Onde você quer estar no pior cenário?”, foi a pergunta que a designer de moda e jornalista Kika Brandão, 34 anos, se fez em março do ano passado, quando a contaminação pela Covid-19 atingiu o Brasil de vez. Ao buscar a resposta, a baiana de Itapetinga só conseguia visualizar o céu da Bahia e a cidade de Salvador, onde passou toda a adolescência e ainda vive parte da sua família. No mesmo mês, fechou o apartamento em São Paulo, seu endereço por 17 temporadas, e embarcou para a terrinha com apenas uma mala e sem passagem de volta.
“Não foi nada planejado, mas senti um chamado muito grande para voltar. Nos últimos anos, já vinha refletindo sobre como esse lugar ia fazendo sentido para mim, fui acessando memórias de infância e reconhecendo minha identidade baiana”, diz. “Trabalhava o ano inteiro para passar duas semanas aqui, entre Natal e Ano Novo, além de outras datas especiais, como Senhor do Bonfim. Nos últimos pedidos que fiz no Réveillon e na Festa de Iemanjá, um deles era sobre voltar”.


Em Salvador, Kika alugou um flat e ocupou os dias com o trabalho à frente do Estúdio Eixo (@estudio_eixo), consultoria que estuda e decodifica transformações comportamentais para entender a mudança do mundo e com isso ajudar as marcas no desenho de soluções para novos problemas. Estar ali também significava uma proximidade com o pai, médico. Mas depois de três meses isolada, tendo pouco contato com ele por conta de sua rotina em hospitais, e entendendo que o cenário continuaria instável por um bom tempo, alugou uma casa numa prainha entre Salvador e Praia do Forte. Além da bagagem, arrastou desta vez o empresário carioca e companheiro Rennê Nunes, 37, também fugindo da capital paulista.
“Saí de um apartamento para morar numa casa com wifi no quintal e trabalho de qualquer lugar sem muito stress. Na verdade, fico até mudando de ambiente de hora em hora: começo no quarto e termino na varanda. É importante para o meu processo”, diz Rennê, que é diretor executivo da UP Lab (@_uplab), empresa que atua em estratégia de comunicação com foco em impacto positivo e auxilia empresas em seu processo de transição. “Já fomos surpreendidos por micos, pássaros lindos e até por uma iguana que um dia desses veio dar um oi no quintal. Reconectar-se com a natureza é algo realmente incrível”.

Além dessa conexão, bastante favorecida pela proximidade do mar e pela casa ficar dentro de uma área de reserva ambiental — o que garante um horizonte verde para onde quer que se olhe —, existe a conexão a ser construída com o próprio novo ambiente de trabalho, algo essencial para Kika. “As casas por aqui são de veraneio, então tivemos o desafio de deixar um escritório com uma cara mais profissional. Mandei fazer uma mesa, peguei cadeiras emprestadas na família, criei novos rituais que me fizeram ter a sensação de normalidade. No momento, por causa do calor, trabalho do quarto, que tem ar condicionado”, conta a baiana, que se sente trabalhando três vezes mais, até 15 horas por dia.
“Esse novo formato tirou meus limites de dedicação ao trabalho e falo isso sem glamourizar a exaustão. Sou a única responsável por isso, porque sou muito conectada ao trabalho. Acabei focando muita energia em construir coisas, o que me rendeu um ano muito positivo profissionalmente. Ainda que a conta pareça não fechar, sempre penso que se estivesse em São Paulo eu não teria dado conta”, diz Kika. “A experiência também me fez romper com a ideia de que relações são construídas em um território físico. Fiz grandes e potentes conexões profissionais com pessoas incríveis que nunca tinha trabalhado, tudo de maneira remota. O ideal de presença física associada à produtividade caiu por terra, né?”.

Rennê, que vê o anywhere office como uma realidade que veio para ficar e já tomou muita bronca da companheira por falar alto no “coworking”, tem conseguido aproveitar um pouco mais as tentações do entorno e de vez em quando escapa para um mergulho no meio do dia. Aos sábados, quando Kika vira a chavinha, costumam preparar um café da manhã com cuscuz de milho, ovo mexido, banana frita e pão de queijo, e depois passam o dia na praia de Santo Antônio, um lugar especial para ambos. “Aprendi muitas coisas nessa nova casa, mas acho que a principal é sobre desfrutar do que a gente tem e como a gente pode. É mais sobre o agora do que sobre os planos para o futuro”, reflete Kika. “Nunca vivi muito no futuro, mas, de certa maneira, também deixava o presente passar batido. Agora eu tô valorizando tudo.”