No comando do mais tradicional fim de noite do Rio, Serjão resolveu trocar de balcão por uma noite e conhecer o rolé da Void Madu.
“Meu compromisso é com quem bebe.” Sérgio Rabello, 69 anos, repetiu essa frase quase tantas vezes quantas esvaziou o copo de cerveja ao longo das mais de seis horas etílicas com a nossa equipe gente. O objetivo era levar o dono do Galeto Sat’s, o mais tradicional fim de noite carioca em Copacabana e Botafogo, para conhecer a unidade de Madureira da Void. Misto de bar, loja e filosofia de vida, a marca que nasceu em Porto Alegre é famosa por reunir uma galera jovem e descolada em seus sete endereços pelo Rio. Da Zona Sul ao epicentro da cultura suburbana são mais de 20 quilômetros de distância.
Duas coisas ficaram claras desde o início do trajeto: Serjão faz amizade fácil e tem muita experiência nessa história de boemia. Nascido e criado no Méier, ele chegou a Copacabana nos anos 1970 e fincou raízes no número 12 da rua Barata Ribeiro. Sem nunca deixar de frequentar a Zona Norte, trabalhou décadas como servidor público até comprar o vizinho Galeto Sat’s, que fica na casa número 7 da mesma rua. Assumiu o bar que frequentou a vida toda há dez anos, quando o dono espanhol deu sinais que queria passar o negócio adiante. “O velho Garcia só queria que o Sat’s continuasse sendo um botequim”, diz. Mais que manter a história de quase 50 anos daquele ponto, ele transformou o Sat’s num sucesso de novas proporções e há três anos inaugurou outra unidade em Botafogo.
“Boêmio é o cara que bebe bem, se comporta bem e mantém o bom humor”, define. Serjão é assim o tempo todo. No caminho para a Void, mandou o motorista parar no bar Cachambeer, chamou alguns garçons pelo nome e, de uma bandeja, tomou emprestadas duas tulipas pela janela do carro. “Na volta eu devolvo”, garantiu. Ainda que a volta, se tratando de Sérgio, possa demorar. Quando assumiu o Sat’s, ele decidiu estender o funcionamento para atender o pessoal da música e das artes, que trabalha até tarde e fica órfão de opções para beber e comer. Como segue de portas abertas até 6h ou 7h da manhã, ganhou fama de fim de noite dos bons e conquistou um novo público, que fica a madrugada toda na calçada. “Meu compromisso é estar aberto quando o jovem sai da festa e quer a saideira”, conta.
Sempre de copo na mão e chapéu de palha na cabeça, Sérgio não demora para se enturmar. Assim que chegou na Void Madu, foi direto ao balcão, pediu bebidas para todos e engatou um papo com o cliente ao lado. Frequentador de bares dos dois lados do Túnel Rebouças, elogia a informalidade suburbana, que tenta praticar em todo canto. “A recepção aqui é outra. As pessoas são mais autênticas”, diz. Deu uma espiada na lojinha, vestiu chapéu, óculos escuros e se espantou com a variedade de sneakers. Não comprou nada e preferiu o papo com a galera que estava por ali, principalmente skatistas que andam no Parque Madureira e esticam na Void. Parecia que se conheciam há anos. “Passa lá no Sat’s para gente tomar umas”, repetia ao se despedir de cada grupo.

“O papo é outro na madrugada. Desconhecidos e pessoas muito diferentes começam a conversar de igual para igual”, diz. Neste ponto ele enxerga a grande semelhança entre as noites da Zona Sul e do subúrbio. Seja no hype da Void ou entre porções de pão de alho e coração de galinha no Sat’s, a sintonia é fina entre copos de cerveja e cariocas boêmios. Serjão circula de ponta a ponta — e conhece as melhores paradas do caminho. Na volta para casa, como prometido, paramos no Cachambeer, devolvemos as tulipas e tivemos que tomar mais não sei quantas saideiras. É que qualquer noite com o Sr. Sat’s é assim, sem hora para acabar.